A força da Laranja era como o seu futebol: Total. Uma mecânica colectiva, é certo, mas que não deixava de contemplar diferenças claras entre os protagonistas. Tão claras, que nem as camisolas eram iguais. Isso mesmo! A estrela, Johan Cruyff, tinha menos uma risca preta na camisola laranja. Ele era Puma, os outros Adidas. Foi assim em 1974, com o mundo de olhos postos nesse futebol revolucionário, dividido entre as proezas de um colectivo e a mestria de uma individualidade.
Quem saiu do Parkstadion de Gelsenkirchen, naquele inicio de noite chuvoso, nunca imaginaria o destino da final que 4 anos mais tarde haveria de ter lugar em Buenos Aires. A verdade é que o que acabara de ver era, precisamente, a antecipação dessa final de 78. As semelhanças acabam aí, no nome das equipas, porque o destino do jogo não poderia ser mais diferente.
Numa demonstração de força impressionante, a Holanda atropelou uma Argentina impotente desde o primeiro minuto. Muito se fala da totalidade do futebol laranja, explicando-se o termo pela liberdade funcional dos jogadores, autorizados a trocar frequentemente de papeis durante os jogos. Sem dúvida uma marca inédita e, provavelmente, jamais repetida. A verdade é que essa não era a única inovação da máquina holandesa. O futebol que então apresentou é um esboço daquilo que fazem hoje as muitas das grandes equipas, e representou um salto de gigante em relação a tudo o que antes se havia visto. Não menos importante do que a mobilidade com bola, eram aspectos como a pressão e a linha defensiva, que permitiam à equipa jogar alto e conseguir um número absurdo de recuperações no meio campo contrário. Aliás, esta é a base de uma filosofia que hoje encanta em Barcelona, onde jogou e treinou Cruyff e onde treinava, também, nesta altura o próprio Rinus Mitchels.
A equipa holandesa era formada por um misto das escolas do Ajax, sobretudo, e Feyenoord. Cruyff era a grande estrela, recentemente emigrado para o Barcelona. No papel, Cruyff aparecia como o jogador mais adiantado, o 9, mas na prática não era isso que acontecia. Na realidade, a liberdade de Cruyff fazia dele um jogador diferente em cada momento do jogo. Se a equipa partia em transição, ele era, aí sim, a referência mais adiantada. Se, pelo contrário, a equipa estivesse em organização, ele tornava-se num organizador de jogo. Caprichos tácticos para o jogador mais evoluído entre todos. Cruyff era o que trabalhava menos, mas era aquele que mais rendimento garantia quando a equipa ganhava a posse. Executava com os dois pés, era capaz de acelerar e temporizar, de driblar ou passar. Tudo com uma elegância difícil de igualar num jogo centenário.
O jogo frente à Argentina foi o primeiro da segunda fase de grupos. Uma inovação da época, entretanto abandonada. Quem vencesse o grupo, entre Holanda, Brasil, Argentina e Alemanha Oriental, chegaria à final. Os 4-0 desta partida acabaram por ser importantes na caminhada até à final. No último jogo do grupo, a Holanda defrontaria o Brasil, numa partida célebre, e graças à diferença de golos, sabia que o empate lhe bastaria. Na realidade, os holandeses bateram os campeões do mundo, novamente com Cruyff em principal destaque, carimbando assim a presença na final. A sua derrota no derradeiro jogo é a evidência de que nem sempre são os melhores a vencer, mas também que nem só os vencedores são recordados como os melhores.
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