Jogada 1 - O golo sofrido na Madeira, e que ditou a surpreendente derrota portista, resulta na minha leitura essencialmente de um desequilíbrio no meio campo da equipa, com Oliver e Herrera a permitir a progressão de Raul Silva, o que ditou depois a exposição das costas da linha defensiva, sendo que a recuperação dos médios (nomeadamente de Oliver) também poderia ter sido mais bem conseguida, e evitado o desfecho final. De todo o modo, e apesar da derrota, o Porto não sentiu grandes problemas do ponto de vista defensivo, acabando este por ser um lance bastante isolado dentro do contexto do jogo. Por outro lado, e repetindo sinais que já vêm desde a pré temporada, a equipa não conseguiu fazer grande uso do domínio territorial de que usufruiu no jogo, nomeadamente não conseguindo ter grande correspondência no volume de desequilíbrios provocados no último terço. De novo, a principal nota vai sem dúvida para o foco no jogo exterior, sendo que a retirada de Quintero perante um contexto de desvantagem não parece ter ajudado muito a atenuar esse problema. No entanto, gostaria de salientar que o problema do Porto não é apenas a ausência de uso do corredor central, porque mesmo jogando por fora como gosta de fazer, exigir-se-ia mais ao Porto em termos de capacidade de penetração no último terço. Ou seja, mais do que jogar por fora ou por dentro, o problema tem a ver com o aproveitamento da dinâmica ofensiva pretendida, que é relativamente baixo para o potencial técnico existente, e que deveria ser maior mesmo apostando essencialmente na penetração pelos corredores laterais. Outra conclusão inevitável, do meu ponto de vista, é que o grau de dificuldade do contexto interno é nesta altura tão baixo que estes problemas apenas acabam por ser evidenciados de forma intermitente...
Jogada 2 - Em Paços, o Benfica desperdiçou uma oportunidade importante de se distanciar ainda mais do Porto, na corrida para o título. A jogada seleccionada tem mais a ver com os primeiros minutos do que com aquilo que o jogo mostrou a partir dos 25-30 minutos. Na verdade, nada de substancial mudou a partir dessa altura, mantendo-se a estratégia do Paços e a abordagem ofensiva do Benfica. A diferença está na eficácia dos processos, que nos primeiros minutos foi francamente favorável à equipa campeã nacional, e que se inverteu completamente a partir daí. De facto, são muito invulgares as dificuldades de penetração que o Benfica sentiu em praticamente toda a segunda parte, onde quase não conseguiu entrar na área do Paços, a não ser de bola parada. Mérito inquestionável para o Paços, que é uma equipa que já elogiei no passado, e que de facto me parece ter menos pontos do que aquilo que a sua performance qualitativa justificaria, nomeadamente sendo a equipa que na minha perspectiva mais explora o corredor central, na liga portuguesa. Neste jogo, e tal como já havia acontecido frente ao Porto, Paulo Fonseca apostou numa estratégia diferente da habitual, nomeadamente com um bloco mais baixo e uma construção mais directa e a assumir menos riscos na saída em apoio. O facto é que, e à margem do tal período inicial onde houve também bastante mérito do Benfica nos desequilíbrios que criou, a equipa conseguiu um excelente condicionamento do jogo ofensivo do Benfica, convidando a entrar pelos corredores laterais, onde a sua presença numérica era favorável ao sucesso da pressão defensiva, como o tempo acabou por mostrar. No que respeita ao Benfica, e tal como escrevi para o caso do Porto, há debilidades que não são devidamente denunciadas pelo grau de dificuldade da competição interna, mas que poder-se-ão tornar evidentes sempre que a fasquia suba, sendo que o caso do meio campo me parece relativamente evidente, havendo dificuldades tanto em Talisca como em Samaris.
Jogada 3 - Um fim de semana de raro aproveitamento para o Sporting, que não só venceu o seu jogo como tirou partido de vários deslizes alheios. No entanto, esta terá sido provavelmente a mais modesta exibição da equipa no seu estádio, se considerarmos apenas a produção ofensiva. A nota, e comparando este jogo com outros que resultaram na perda de pontos, vai para o capítulo defensivo, sendo que nessas ocasiões o Sporting foi penalizado pelo facto de ter concedido aos seus adversários uma vantagem inicial. Uma evidência, na minha leitura, de como pode ser importante manter um bom controlo defensivo, mesmo nos jogos onde a superioridade esperada é maior. Desta vez, e na minha leitura sobretudo por demérito da Académica, os sobressaltos defensivos foram bem menores do que noutras ocasiões. O destaque da jogada, concretamente, vai para a acção de João Mário, que mais uma vez conseguiu um excelente timing de abordagem à zona de finalização, percebendo a liberdade circunstancial de que usufruiu William Carvalho. É esse movimento que cria dúvida na defesa da Académica e que permite, primeiro, abrir espaço para Tanaka e, depois, beneficiar o próprio João Mário na recarga. Curiosamente, há 2 semanas escrevia que João Mário certamente teria muitos golos por celebrar se mantivesse a capacidade que mostrou em Braga, e onde foi fracamente infeliz no capítulo da finalização. Coincidentemente, acabou mesmo por marcar em duas jornadas consecutivas, e na sequência de acções do mesmo tipo.
Jogada 4 - No Bessa, mais um resultado surpreendente da jornada. Um jogo que na minha opinião foi globalmente fraco de parte a parte, mas no qual o Braga conseguiu um excelente aproveitamento das poucas acções ofensivas que conseguiu levar até ao último terço, criando um número substancial de ocasiões para marcar, nomeadamente na segunda parte. Paradoxalmente, e como tantas vezes acontece no futebol, foi o Boavista quem conseguiu chegar ao golo, naquela que foi praticamente a única vez em que realmente conseguiu ameaçar o extremo reduto do Braga. O interesse desta jogada reside nos comportamentos tácticos dos jogadores do Braga, que facilmente poderiam ter evitado este desfecho. Várias vezes tenho aqui trazido exemplos da vulnerabilidade de linhas defensivas com comportamento mais agressivo no que respeita ao risco que assumem relativamente ao espaço nas suas costas, e de facto essa é a tendência mais comum nas equipas do futebol actual. O Braga de Sérgio Conceição é um exemplo contrário, sendo este um lance que ajuda a perceber o porquê de cada vez mais treinadores apostarem em linhas defensivas mais altas e menos profundas. Assim, de notar, primeiro, as referências individuais dos jogadores na zona da bola, que são arrastados por movimentos de adversários e acabam por não conseguir fazer a cobertura interior, que impediria Tengarrinha de progredir em direcção ao corredor central, como aconteceu. Depois, e face à iminência do remate, a linha defensiva do Braga não sobe, como geralmente acontece, sendo este um comportamento que não faz parte dos instintos colectivos da equipa e que facilmente colocaria Uchebo em posição irregular, inviabilizando a recarga final. De facto, percebe-se facilmente as vantagens que o Braga retiraria em incorporar e rever certos princípios defensivos, mas é importante não partir desta constatação para conclusões simplistas sobre o que é a qualidade defensiva de uma equipa. Se o objectivo é a eficácia, a qualidade não pode ser medida por questões de estilo ou preferências pessoais sobre determinados princípios. O caso do Braga de Sérgio Conceição é um excelente exemplo disto mesmo, porque apesar de ter princípios colectivos que podem ser questionáveis, a verdade é que a equipa tem conseguido como um todo ser bastante consistente defensivamente, registando o melhor registo defensivo do clube desde a época 09/10 (por exemplo, tem menos de metade dos golos sofridos por Peseiro, no mesmo número de jogos!). Ou seja - e de novo tendo como base axiomática a ideia de que o objectivo é a eficácia - fica claro que, e ao contrário do que me parece tantas vezes acontecer, a qualidade não pode ser medida linearmente a partir dos princípios defensivos que cada equipa assume, sob pena de se chegar a conclusões completamente desfasadas daquilo que é depois a eficácia prática e real do seu desempenho.
Jogada 5 - Para terminar, o caso do Atlético - Rayo da última jornada. O Atlético não fez um grande jogo, nomeadamente do ponto de vista da afirmação territorial ou mesmo da frequência com que invadiu com propósito o último terço contrário. No entanto, não só resolveu facilmente o problema que tinha pela frente, como ainda acabou por desperdiçar a hipótese da goleada, perdendo algumas boas ocasiões já na recta final da partida. A explicação aqui vai, e mais uma vez, para a eficácia dos processos do Atlético, nomeadamente para a capacidade que equipa tem de ajustar rapidamente o seu posicionamento ao longo das jogadas, seja na transição ou mesmo dentro dos próprios momentos tácticos. O primeiro golo serve de excelente exemplo, parece-me, e por isso trouxe a jogada. Em particular, o sublinhado vai para a forma como a equipa do Atlético mantém, como um bloco, a intensidade da pressão ao longo de uma extensão tão dilatada do terreno, enquanto a equipa do Rayo tenta precisamente evitar que isso aconteça, ao retirar a bola da zona de pressão, socorrendo-se da profundidade para o fazer. A propósito do Atlético e de Simeone, uma nota sobre as discussões que muitas vezes dividem opiniões sobre o trabalho do treinador argentino. Mais uma vez, as questões de estilo parecem-me acabar por dominar um tema que devia estar muito mais centrado naquilo que é realmente o objectivo de um treinador, que é optimizar a eficácia da equipa e dos seus processos. Assim, pode-se ter paradigmas muito diferentes quando se discute e compara treinadores de topo e com trajectos verdadeiramente excepcionais (há muito poucos, na verdade). Por exemplo, pegando em Simeone e Guardiola podemos focar-nos no estilo, e dar-mo-nos ao exercício trivial de salientar as diferenças entre ambos, ou na eficácia, e tentar encontrar os pontos comuns que podem explicar o sucesso a partir de registos tão diferentes. A mim, pessoalmente, é apenas esta última perspectiva que me interessa...
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