Prioridade à estratégia, com prejuízo para o entretenimento
Apesar da importância da vitória, claramente, este foi um jogo que não entusiasmou os adeptos do Benfica, que provavelmente esperariam outra exibição perante um Braga muito descaracterizado. Aqui, parece-me, há duas vertentes a considerar. Uma, que é inquestionável, tem a ver com as dificuldades - também a meu ver, surpreendentes - que o Benfica teve em se aproximar mais claramente do golo ao longo dos 90 minutos. Outra, que não pode ser ignorada ou descontextualizada, é a prioridade estratégica que o Benfica assumiu na gestão do jogo. Analisando o jogo por partes, na primeira o Benfica forçou mais a saída em apoio, mas encontrou sempre grandes problemas em entrar com eficácia no bloco do Braga que, com mérito próprio, foi conseguindo provocar o erro na posse do Benfica, o que oferecia um risco elevado para a segurança da equipa. Provavelmente por isto, o Benfica inverteu os papeis na segunda-parte. Ou seja, arriscou menos com bola, construindo preferencialmente de forma longa, o que lhe retirou fluidez e presença em posse, mas passando para o Braga o risco de exposição por perda em posse. O resultado foi que nem o Braga conseguiu tirar partido da sua maior presença em posse, nem o Benfica conseguiu capitalizar alguma das transições que o seu pressing iniciava, culminando num jogo de muito poucas ocasiões, o que retirou espectacularidade ao jogo, é verdade, mas que acabou também por convergir para aquelas que eram as pretensões essenciais do Benfica.
Esta abordagem estratégica e muito calculista não é nova no Benfica de Jesus e várias vezes se repetiu ao longo da época. Não quer isto dizer que o objectivo seja não marcar, mas antes que a prioridade é não sofrer. Depois, umas vezes consegue-se mais em termos ofensivos, outras vezes - como foi o caso - nem por isso.
Dificuldades na construção e o eclipse de Enzo
Grande parte das dificuldades de afirmação do Benfica no jogo resultam, de facto, do sucesso da estratégia do Braga no condicionamento pressionante sobre a construção encarnada. O Braga, aqui, reserva para si grande parte do mérito, já que nem sempre é fácil conseguir fazer o que a equipa de Jorge Paixão fez frente ao Benfica, nesta fase especifica do jogo. O Benfica usa muito bem a largura da sua primeira linha para atrair o adversário e depois potenciar espaços para verticalizar e entrar no bloco contrário, como aconteceu por exemplo frente ao Sporting.
O sucesso da estratégia do Braga, na minha leitura, teve 2 pontos chave. O primeiro foi o condicionamento lateral, feito por Rusescu e Micael, que limitou o uso da largura por parte do Benfica. O segundo foi a neutralização da acção de Enzo, uma unidade essencial na dinâmica da equipa, mas que, como o próprio Jesus comentou no final da partida, não conseguiu a sua habitual influência no jogo. Aqui, parece-me ter havido uma nuance estratégica por parte de Paixão para o condicionamento de Enzo, com Luiz Carlos a posicionar-se muitas vezes em função do médio argentino e a limitar muito a sua acção, praticamente desde o momento da recepção. Não se tratou de um acompanhamento individual a todo o campo - Luiz Carlos jogou sempre como interior-direito - mas de uma valorização especial dada à referência individual quando a equipa assumia uma presença mais pressionante. O Benfica e o próprio Enzo poderiam ter respondido de outra forma a esta estratégia, é verdade, mas o facto é que o Braga acabou por retirar proveito desta iniciativa do seu treinador. Já agora, relembrar que também em Alvalade Paixão havia definido um acompanhamento individual - aí ainda mais claro - com Alan a limitar a acção de William. A meu ver, porém, Enzo tem uma importância maior na saída de bola do Benfica - que fica habitualmente só com 1 médio na frente da primeira linha - do que William no caso do Sporting - que é uma equipa que sai muito pelos corredores laterais, sem passar por algum dos médios.
Ruben Micael e o Braga
No vídeo incluí uma jogada onde é evidenciada a boa leitura dos espaços de Ruben Micael, aproveitando para fazer uma referência ao jogador. Penso que a antipatia que se generalizou em seu redor tem mais a ver com aspectos clubísticos e incidências extra-jogo do que propriamente com aquilo que faz em campo, o que é pena porque acaba por não se dar o valor devido às suas características e à especificidade do seu caso. Micael é dos jogadores a quem reconheço mais fragilidades em termos físicos em todo o campeonato, e não me parece sequer um extraordinário executante em termos técnicos. No entanto, e apesar de tudo isso, conseguiu fazer uma ascensão meritória e ao alcance de muito poucos, praticamente apenas devido à sua capacidade de movimentação e leitura dos espaços, o que o torna num caso muito raro e que justificaria, a meu ver, mais apreço mediático. Também não penso que seja a solução ideal para a Selecção e para o nível que esta se propõe, mas não partilho de forma nenhuma da visão de que existam muitos médios com mais qualidade do que ele no futebol português. Talvez diferentes, mas não necessariamente melhores, infelizmente!
Sobre o Braga, de referir que para além da já abordada eficácia no condicionamento pressionante, a equipa conseguiu muito pouco no total do jogo. Aqui, tem de se salientar as grandes fragilidades da equipa, perante as ausências de Alan, Rafa, Baiano e Joazinho, com muito pouca qualidade nos corredores laterais. As lesões, de resto, têm condicionado também o trabalho de Jorge Paixão. O mais provável é mesmo que a passagem do treinador pelo Braga venha a ser recordada pelas lesões dos seus jogadores, e não pelas ideias do seu futebol.
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