31.3.10

1970: Franz Beckenbauer, o ponto de inflexão

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Ponto de inflexão. Seguramente que ninguém deu por isso na altura, mas é essa a importância histórica daqueles quartos de final do mundial de 70. Algo estava a mudar na rivalidade anglo-germânica e, mais importante ainda, na própria tendência do futebol mundial.Não se tratou, nem de um máximo alemão, nem de um mínimo inglês. Apenas um suave indicador de inversão de tendências. Algo que a maturidade dos anos 70 iria confirmar de forma mais sólida. Quanto ao jogo em si, foi ele próprio uma viragem surpreendente. Fruto de vários factores, é certo, mas com especial influência de um nome prestes a imortalizar-se na história do jogo: Franz Beckenbauer.

A rivalidade entre alemães e ingleses já havia sofrido um marco histórico 2 anos antes. Pela primeira vez na história, em 1968 a Alemanha vencera os então campeões do mundo. 1 golo de Beckenbauer bastou, então, para fazer história. O que os ingleses não sonhavam era que a partir daí a tendência destes confrontos se virasse claramente para o lado do inimigo. Muito menos, claro, quando Peters fez o 2-0 aos 49’.

Entre todos os duelos em jogo, havia um especial. Beckenbauer – Bobby Charlton. O tempo era dominado por marcações estritamente individuais e o planeamento dos jogos era, em grande parte, centrado nelas. Neste particular, Beckenbauer vigiava Charlton e esta era, como defensor, a sua principal missão. No entanto, claro, o “Kaiser” era bem mais do que isso. Depressa foi aparecendo no jogo, partindo de trás mas não deixando de ser, sempre, a principal ameaça de um ataque desinspirado. A Ingleterra tomou a dianteira no jogo, e duplicou-a mesmo na segunda parte, mas nunca Charlton, o herói de 66, fez muito mais do que a sua sombra. Ou seja, quase nada.

Quando Beckenbauer marcou aos 69’, tirando partido da inexperiência de Bonetti, o substituto do indisposto Gordon Banks, Charlton foi imediatamente substituído. O mal estava feito. A atitude de Beckenbauer havia conseguido o ponto de viragem no jogo e, embora a sua influência ofensiva fosse decrescendo com o tempo, o seu impacto teria efeito decisivo no que se seguiria.

O mérito da exibição de Beckenbauer, porém, não se fica pelo grito de revolta. A partida jogava-se em condições impróprias para tanto esforço. Junho, altitude, no México... ao meio dia! Pior, não podia ser. A influência do desgaste era tanto que o papel dos substitutos, mais “frescos”, parecia ser o mais importante no decurso do jogo. Em particular, Grabowski foi decisivo nos desequilíbrios do lado alemão, enquanto que Colin Bell se tornou no agitador sobre a direita do ataque inglês. Ora, Bell foi quem substituiu Charlton aos 70’. Quem é que Schoen, o seleccionador alemão, escolheu para parar este rápido e enérgico jogador? Franz Beckenbauer. Uma decisão que só o próprio poderá compreender e que teve o condão, não só de destinar Beckenbauer para um confronto desigual, como ainda de limitar a acção do seu principal jogador em campo.

Beckenbauer manteve-se influente, mas sempre em perda e com cada vez mais dificuldade para sair da esquerda, para onde vinha com Bell. Acabou completamente esgotado, numa altura em que a Alemanha já havia virado por completo o marcador e procurava resistir ao desespero inglês.

A felicidade pela vitória sobre o campeão mundial não afastou o peso do desgaste e talvez isso tenha pesado na meia final, 3 dias depois. A Itália levou a melhor num prolongamento épico, que culminou num 4-3 final. Talvez os próprios italianos tenham sido vítimas do mesmo mal, já que o seu rendimento na segunda parte da final foi claramente inferior ao da primeira, ditando a sua derrota aos pés do Brasil.

Beckenbauer tinha nesta altura 24 anos e comandava uma geração ascendente de jogadores como Muller, Maier, Netzer ou Vogts, e que conheceria a glória total nos anos seguintes. Quanto à Inglaterra, o fim de ciclo de uma geração campeã do mundo culminou numa queda vertiginosa. Os esforços de recuperação, pode dizer-se, duram até hoje...



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