7.5.08

Quaresma: O problema de uma época, o desafio de uma carreira

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É muito fácil encontrar montagens fantásticas de Quaresma na internet. Na realidade, haverá poucos jogadores no futebol actual a quem são dedicadas tantas compilações, de jogos, épocas, carreira, anos, etc. O motivo é simples, Quaresma é dos jogadores mais espectaculares do futebol mundial da actualidade e se aqui em Portugal vamos estando habituados, lá fora a pergunta que se faz recorrentemente é como é possível este jogador não estar num grande da Europa? Pessoalmente sempre fui um apreciador das qualidades fantásticas do jogador, que penso ser um daqueles que marcam uma época em Portugal por serem, simplesmente, bons demais para o que o campeonato lhes exige, tendo sido a principal figura dos dois campeonatos anteriores. Há, no entanto, uma mudança nesse estatuto no campeonato 07/08, onde Quaresma não foi a peça que mais marcou o triunfo portista. O porquê está, na minha opinião, numa alteração táctica que Jesualdo introduziu no seu ataque em 07/08 e que, apesar de beneficiar o colectivo, acabou por prejudicar aquela que era a grande referência da equipa, precisamente Ricardo Quaresma.

05/06
Começando pelo inicio do tri: 05/06. As nuances tácticas de Adriaanse, com 3 ou 4 defesas, nunca puseram em causa o posicionamento de Quaresma. A opção era por extremos fixos e Quaresma era, à direita ou à esquerda, sempre um deles. Um aspecto que foi na altura muito realçado foi a exigência para que Quaresma defendesse, e por motivos óbvios, especialmente quando havia apenas 3 defesas. É verdade que essa exigência era feita ao jogador mas não me parece que tivesse merecido tanto realce. Fazer um recuo ou acompanhamento defensivo não requer grande evolução táctica ou comportamental, apenas um pouco mais de esforço físico e atenção que facilmente pode ser correspondida. A exigência, essa, viria em 07/08 e tem a ver com o aspecto decisional, mas já lá vamos...

06/07
Em 06/07 chegou Jesualdo e depressa reformulou o modelo. 4-3-3 “à Braga”, com particular destaque dado ao “craque” da equipa: Quaresma. É que, ao contrário do que acontecia com Adriaanse, Quaresma ficou com menor sobrecarga defensiva. Esse papel era muitas vezes desempenhado pelas basculações do trio de meio campo – afinal é para isso que serve a zona! – ficando Quaresma com a responsabilidade de se manter sempre aberto, para que a sua qualidade individual fosse a referência da principal arma da equipa, a transição ofensiva. O Porto nesse ano não era uma equipa simétrica. Lucho era mais móvel do que Meireles e Lisandro tinha uma missão diferente da de Quaresma, fazendo uso das suas diagonais. Nesse Porto, não estranhou por isso que a equipa sentisse a ausência dos seus extremos. Quaresma – principalmente ele – porque a sua qualidade era altamente relevante e referência dos tais movimentos colectivos, não havendo outro no plantel. E Lisandro, porque a sua ausência significava a entrada de Alan ou Vieirinha, extremos que jogam mais junto à linha e que tornavam a equipa mais previsível. Entre outros motivos, a ausência e quebra de forma de Quaresma e a lesão de Lisandro foram, por tudo isto, as principais explicações para a quebra de rendimento na segunda metade de 05/06.

07/08
Se nas épocas anteriores, e independentemente dos modelos, Quaresma havia sido sempre utilizado junto à linha, 07/08 mostraria outra realidade que foi tomando corpo progressivamente ao longo da época, e que foi fruto de uma alteração em alguns princípios ofensivos. Tudo começa na frente. Sem um 9 que realmente apreciasse, Jesualdo utilizou Lisandro e, para tirar partido das suas características, deu outra mobilidade ao seu ataque. Primeiro, “puxou” Lucho para uma zona mais ofensiva, tornando-o num jogador com funções claramente diferentes das de Meireles. Hoje, vê-se Lucho a iniciar muitas vezes as jogadas perto dos centrais contrários, esperando o tempo certo para “baixar” e criar uma linha de passe à construção. Com isto, Lisandro pode mais vezes sair da zona central, fazendo apelo à sua mobilidade. A subida de Lucho, forçou, por outro lado, um papel mais vigilante de Meireles que tem de estar pronto para aparecer na segunda linha do pressing (que, diga-se, passou a ser mais alto fundamentalmente pelas novas funções de Lucho). Para Tarik, a novidade individual da época, foi dada uma liberdade para vaguear no espaço entre linhas, abrindo espaço para o “super sónico” Bosingwa – outro dos jogadores que estas alterações favoreceram. De tudo isto sobra Quaresma que, à semelhança do resto dos seus colegas também teria de se apresentar mais móvel, aparecendo noutras zonas, mais recuadas e interiores. Se estas alterações, tornaram o Porto numa equipa mais difícil de controlar, tirando maior partido das qualidades de Lisandro, Lucho (sobretudo estes) e Bosingwa, no caso de Quaresma sucedeu o contrário...

O grande desafio
Sem ter o trabalho de rever todas as actuações de Quaresma, basta reparar nas tais compilações que encantam meio mundo. Remates, trivelas, cruzamentos ou dribles aparecem, com raras excepções em jogadas a partir de posições exteriores. Habituado a receber e encarar de frente a marcação, com a vantagem de ter as linhas como um limite fixo e fiável para os seus dribles largos, o processo de decisão de Quaresma está “moldado” para a linha e é lá que ele é mais perigoso. A exigência de vir ao espaço entre linhas faz com que receba a bola com demasiada gente em seu redor, com que os seus dribles passem a estar vulneráveis a dobras que nem sempre consegue controlar e com que o dilema entre a trivela e o remate interior deixe de ser um problema para os defensores. Quaresma tem tentado, igualmente, tornar-se mais participativo na construção, vindo atrás para receber jogo mas, aí mais uma vez, o seu processo de decisão revela-se inadequado. Habituado a ter uma equipa atrás dele, os seus passes ignoram o risco em busca de um desequilíbrio que defina um jogo. Na fase de construção, obviamente, essa não é a realidade e as suas perdas de bola tornam-se uma ameaça séria para a equipa.
Independentemente de considerar que esta exigência não retira o melhor de Quaresma, e que o jogador deve sempre ser potenciado junto à linha, há algo de extraordinariamente importante na evolução que Quaresma possa ter no seu comportamento em espaços distantes da linha. É que o Quaresma de hoje apenas pode ser utilizado junto à linha, quase à margem da restante equipa que, naturalmente, se terá de adaptar a ele. Ora numa grande equipa (das grandes ligas europeias, entenda-se), repleta de outras estrelas até mais relevantes, Quaresma terá de ser capaz de aparecer noutros espaços, revelando um processo de decisão diferente daquele que tem junto à linha. Esse é um problema que, na minha opinião, se coloca já na formulação do modelo da Selecção para o Euro (estou curiosíssimo para ver o que vai fazer Scolari!) e, claro, definirá até que nível Quaresma poderá chegar. Afinal, e pegando noutro exemplo, foi em grande parte essa capacidade que distinguiu Luis Figo de outros extremos talentosos que nunca atingiram a sua projecção.

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