Do entusiasmo da estreia à depressão colectiva!
A goleada sofrida por Portugal frente à Alemanha traz, como sempre acontece, uma onda de pessimismo e censura sobre tudo o que envolve a Selecção. As derrotas, mesmo as mais pesadas como foi esta, oferecem a oportunidade de se questionar o que está ser feito, e isso pode ser até muito positivo. Menos lúcido, porém, será o diagnóstico catastrófico que se formula sobre tudo e todos nestas ocasiões. Ainda assim, e de acordo com o que tantas vezes escrevo, toda esta irracionalidade é na minha óptica uma consequência incontornável da dimensão emocional, o motor daquilo que o futebol é hoje enquanto fenómeno social. Neste sentido, e por muito que tente ter uma perspectiva diferente das coisas, não serei certamente eu a lamentar esta volatilidade emocional generalizada, que tanto deprime quando se perde, como leva à euforia quando se ganha. Preocupante, mesmo, era se não fosse assim!
Enfim, indo então de encontro às questões sobre o jogo de Portugal frente à Alemanha, gostaria de começar por recuperar muito daquilo que escrevi a propósito da goleada sofrida pela Espanha, há uns dias a esta parte. Em particular, para referir que se existem muitos pontos questionáveis e até censuráveis - segundo a opinião de cada um, evidentemente - naquilo que fez Portugal, também é preciso compreender a verdadeira origem do resultado, que não resulta de um desequilíbrio extremo de forças como o resultado sugere, mas muito mais de uma sequência de acontecimentos que foram compondo o cenário final. Mais concretamente, se nos fixarmos no minuto 37, quando acontece a expulsão de Pepe (que na prática é o 'knock-out' das aspirações portuguesas no jogo), vemos que o que sucedeu até então não foi um jogo desnivelado. Aliás, muito pelo contrário, se contabilizarmos as situações de desequilíbrio que as ambas as equipas tinham sido capazes de criar até esse momento, encontramos um cenário marcado pela equivalência de parte a parte, explicando-se o resultado fundamentalmente pelo sempre decisivo pormenor da eficácia. A partir daí, evidentemente, tudo foi diferente. A minha conclusão de tudo isto, para Portugal, também é mais ou menos a mesma que aquela que partilhei no rescaldo da derrocada espanhola, ou seja que a goleada deve servir para questionar e rever situações que de facto existem, mas que o resultado está muito longe de traduzir a real diferença de valor entre as equipas, ou sequer de sentenciar as aspirações portuguesas nesta competição.
Passando à discussão sobre algumas questões tácticas, vou dividir por pontos a minha opinião sobre cada um dos aspectos que me parecem ser susceptíveis de debate:
Estratégia e risco defensivo - Contextualizando, a opção de Paulo Bento passou por tentar um condicionamento muito arrojado sobre a construção alemã. A Alemanha não fez o mesmo, e talvez à excepção do Chile, não creio que neste Mundial alguma outra equipa se tenha proposto defender numa extensão tão grande de terreno. Ou seja, existe aqui um risco implícito do momento de organização defensiva portuguesa, que será obviamente questionável. Não creio que Portugal se tenha dado mal com esta estratégia em particular, já que conseguiu provocar o erro na selecção alemã, potenciando situações de transição e diminuindo o tempo de presença em posse do seu adversário, que com outra estratégia teria sido seguramente maior. Por outro lado, e se nos reportarmos ao tempo em que ambas as equipas estiveram em igualdade numérica, a Alemanha não criou qualquer situação de golo por via deste tipo de risco. Em suma, parece-me arriscado defender assim, mas aceito perfeitamente a opção e - aqui sem margem para dúvidas! - prefiro-a à postura submissa e meramente reactiva que Portugal apresentou no Mundial 2010.
Posicionamento defensivo de Ronaldo - Não é um tema novo, e já aqui havia discordado desta opção, onde me parece estar a grande fragilidade defensiva da Selecção. Se olharmos para a primeira parte do jogo, de resto, veremos que foi quase sempre pelo seu lado direito que a equipa alemã conseguiu encontrar espaço para progredir e evitar o pressing alto português. Portugal defende com uma estrutura que deveria contemplar 2 linhas de quatro elementos, adiantando Moutinho para perto do avançado. O que sucede, porém, é que há uma assimetria deliberada entre o comportamento dos alas (Ronaldo e Nani), com o capitão português a não fechar ao longo do seu corredor. A consequência é que Portugal acaba por defender muitas vezes com uma linha média de apenas 3 unidades nos últimos 25-30 metros, aumentando muito a exigência sobre o papel defensivo de Meireles. Por exemplo, no lance do primeiro golo, que tem origem exactamente nesse corredor, Portugal não envolve 3 unidades nos últimos 25 metros (Ronaldo, Moutinho e Almeida). Pessoalmente, mantenho que este é o ponto que mais fragilidade provoca à Selecção portuguesa, parecendo-me que seria preferível que Ronaldo defendesse na primeira linha do corredor central.
Comportamento defensivo individual - Depois dos jogos é sempre fácil criticar este ou aquele comportamento individual dos jogadores. É, certamente, um exercício necessário e muito útil para se detectar erros e corrigir aspectos de pormenor, mas quando se passa disso para uma tentativa de assassinato público das competências dos jogadores, já se está entrar num campo onde a desonestidade intelectual e o mesquinhismo se sobrepõem a tudo o que de positivo pode haver neste tipo de análise. Sobre isto, quero apenas recuperar o primeiro ponto desta discussão e que tem a ver com o risco e exigência táctica que estavam implícitos na proposta de jogo portuguesa, para mais frente a um dos adversários mais fortes em termos de mobilidade e qualidade de circulação (apenas a Espanha poderia causar mais problemas a este nível). Ou seja, é fácil encontrar e isolar vários lances onde as opções poderiam ter sido outras (ainda que a tese de que o resultado seria diferente, não passe de uma mera conjectura), agora tenho sérias dúvidas que houvesse assim tantos que fossem capazes de fazer melhor...
Risco (pouco), em organização ofensiva - Se Portugal assume muito risco na sua postura em organização defensiva, o mesmo não se pode dizer quando a equipa tem a bola. Portugal denota uma grande aversão ao risco de perda em posse, o que significa que facilmente a equipa opta por um jogo mais directo perante o condicionamento do adversário. Mais uma vez, é fundamentalmente uma questão de opção. Portugal não tem uma equipa especialmente forte para ser radical a este nível (como a Espanha ou a Alemanha, por exemplo), mas tem certamente capacidade para definir uma abordagem mais arrojada para a sua fase de construção. Aqui, tendo a estar de acordo com a ideia de que Portugal deveria exigir mais de si próprio e envolver mais gente na circulação baixa, em vez de projectar tanto os médios em profundidade, algo que acontece sobretudo perante equipas de maior dimensão como foi o caso da Alemanha.
Lado esquerdo e a ausência de Coentrão - Este era um cenário que já havia explorado num comentário recente, e Paulo Bento aparentemente pagará mesmo a imprudência de não ter trazido outro lateral esquerdo de raiz para o Mundial. Pessoalmente, vejo com muito maus olhos a entrada de André Almeida para aquele corredor, tanto mais num modelo onde é ao lateral quem cabe normalmente oferecer profundidade ao lado esquerdo, dada a propensão interior de Ronaldo. Honestamente, e mesmo havendo outros riscos (nomeadamente defensivos) envolvidos, preferia ver Veloso adaptado ao lugar, entrando William ou Amorim para o meio campo. Mesmo em relação a André Almeida, penso que Ruben Amorim poderia ser melhor opção, devido à maior qualidade da sua presença em posse. Seja como for, se tivesse de eleger um aspecto onde a decisão de Paulo Bento me parece mais criticável, seria certamente na negligência da importância das características do lateral esquerdo para o modelo de jogo da Selecção, na definição da sua convocatória.