27.6.14

A caminho do Maracanã #12 (Portugal - Gana)

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O jogo com o Gana
Diz-se que este foi o melhor jogo de Portugal no Mundial, e até aqui creio que não haverá grande margem para discussão. Já me parecem menos consensuais, porém, muitas das explicações que tenho encontrado para as diferenças observadas. Em particular, estabelecer uma ligação directa entre as mudanças nas primeiras opções e as melhorias, tanto ao nível do resultado como da exibição, parece-me no mínimo forçado. O futebol é, já de si, um jogo demasiado complexo para este tipo de reducionismo, mas no caso há outros factores que neste jogo mudaram, relativamente aos anteriores. E não foram propriamente pormenores. O adversário, porque nem o Gana é a Alemanha, nem as suas dinâmicas causaram tantos problemas como as dos Estados Unidos. O sistema táctico, porque Paulo Bento apresentou um 4-1-3-2 (losango) que difere de todos os registos tácticos que havíamos visto até aqui. E, claro, o clima, porque Brasília era, particularmente ao nível da humidade, muito diferente dos dois cenários anteriores, sobretudo Manaus. Motivos mais do que suficientes, portanto, para que exista alguma prudência no isolamento de factores explicativos.

Quanto ao que se assistiu, pessoalmente saúdo a mudança táctica encetada, mesmo se obviamente haverá aspectos a aperfeiçoar em termos de dinâmicas colectivas. Sobretudo, e como já venho escrevendo há algum tempo, parece-me lógico que Ronaldo seja liberto de acompanhamentos defensivos sem que isso ponha em causa o equilíbrio estrutural da equipa, sendo que também é benéfica a sua mobilidade nas acções com bola, particularmente a maior proximidade do corredor central, seja como elemento de ligação, ou presença na zona de finalização. Haverá a tendência para culpabilizar Ronaldo pelos golos que não foi capaz de concretizar, mas eu tenho uma visão diferente. É certo que o acerto na finalização é decisivo para a definição dos resultados - não é isso que discuto, obviamente - mas na minha análise o que separou Ronaldo de uma exibição histórica terão sido apenas pormenores muito difíceis de controlar, sendo notável que tenha conseguido chamar a si tantas ocasiões claras de golo num só jogo (até agora e a esse nível, a exibição mais expressiva de um só jogador, neste Mundial). Enfim, não só por ele, mas muito por Ronaldo e pelas suas características, parece-me que este poderá ser um bom sistema a adoptar por parte da Selecção no futuro próximo.

Para além de Ronaldo, e do 4-1-3-2 (losango), e não me querendo alongar muito mais neste ponto, queria deixar outras notas sobre o jogo: 1) Para o comportamento da linha defensiva, que arriscou menos no seu adiantamento, permitindo que o jogo se partisse mais, mas mantendo-se mais organizada perto da área, onde contou sempre com a proximidade do pivot. 2) Para o papel de William, muito posicional e com uma exibição bastante conseguida, o que lhe deverá ter garantido a titularidade. 3) Para o regresso de Moutinho a uma exibição de grande intensidade, ao seu nível, apesar de ter tido alguns problemas ao nível do passe (a perda na origem do golo ganês é sua). 4) Para o péssimo jogo de Veloso em termos defensivos, repetindo as indicações deixadas no jogo com os Estados Unidos, nomeadamente ao nível do posicionamento e da falta de celeridade que denotou no encurtamento de espaços. 5) Para Eder, a outra exibição de muito baixa qualidade, sendo que Varela acabou por mostrar que também ele pode vir a ganhar espaço caso se opte por um sistema que peça maior mobilidade aos avançados.

As razões do mau Mundial, e o valor da equipa
Já se tem falado e escrito muito sobre os motivos do insucesso da campanha portuguesa, e creio que o tema ainda terá algumas semanas até ficar esgotado. Também já escrevi sobre isto, nomeadamente na sequência do jogo com os Estados Unidos, e correndo o risco de me repetir, destacaria estes dois pontos: 1) a especificidade da prova, que sendo de curta duração coloca sempre grande dependência em factores menos controláveis, havendo depois pouca margem para os corrigir. Ora, se há coisa que é fácil de encontrar na prestação portuguesa, são precisamente factores menos controláveis. 2) o desfasamento, a meu ver claro, entre as orientações tácticas do modelo português - nomeadamente a exigência física do pressing que pressupõe - e as condições climatéricas que os jogadores encontraram para o interpretar. Moutinho, por exemplo, destacou esse como o factor mais relevante para as diferenças na sua própria performance individual, o que vai de encontro à ideia que também já me ficara, sobretudo depois do jogo com os Estados Unidos. Poder-se-á aqui criticar a equipa técnica por não ter antecipado o problema, mas também é verdade que se viram poucos seleccionadores a ter essa visão, acabando por ser as selecções com menor arrojo de exposição espacial a ganhar com a situação.

Há, agora e em face do insucesso, a tendência para se desvalorizar potencial da equipa, colocando-a num patamar mediano, tal como assumiu o próprio Ronaldo, numas declarações a meu ver muito infelizes. Dada a especificidade do contexto e a aleatoriedade própria do jogo, não creio que este Mundial seja um motivo para que se mude muito a avaliação que era feita sobre esta equipa, da mesma forma que o Mundial de 2002 não serviu para concluir que todos aqueles jogadores não prestavam. Se começasse hoje o Mundial da Rússia, e com estas mesmas equipas, eu voltaria a colocar a Espanha entre o leque dos principais favoritos, e Portugal entre as equipas com uma palavra a dizer. A minha convicção só seria afectada se, de novo, o cenário fosse nos trópicos.

Paulo Bento e o futuro
Sobre Paulo Bento, devo dizer em primeiro lugar que penso que tanto a Federação como o próprio treinador teriam a ganhar se tivessem decidido antecipadamente por uma mudança de ciclo, após o Brasil. Não tem a ver com o treinador ou com a Federação, tem a ver com a cultura do país, onde o desgaste sobre os treinadores se acumula rapidamente, e quase sempre através de criticas muito forçadas. A decisão, porém, foi exactamente a oposta, e também não vejo especiais problemas por isso. Haveria outras soluções com capacidade para orientar a Selecção, sem dúvida, mas vejo com grande cepticismo a hipótese de se darem grandes melhorias apenas pela alteração do treinador. Pelo contrário, acho que o risco de haver um retrocesso até será grande, quando chegar a hora de escolher o seu sucessor. Pelo menos, é isso que me é sugerido quando olho para a lista dos seleccionadores que antecederam Paulo Bento.

Mais importante - bem mais importante! - do que a questão do seleccionador, é a questão do futuro da Selecção, em termos de jogadores. Todos estão alarmados com a falta de soluções de qualidade em gerações mais jovens, e eu não fujo a essa regra, sendo-me difícil antever outro cenário que não seja uma queda acentuada de qualidade na Selecção, e num prazo temporal já não muito distante. Sobre isto, porém, gostaria de acrescentar alguns pontos: 1) Esta equipa - que, reforço a ideia, me parece ter bastante qualidade - deverá ainda ter condições para fazer o próximo ciclo, que terminará em 2016, pelo que até lá e salvo qualquer imprevisto, ainda deverá haver motivos para ter boas expectativas relativamente ao desempenho da Selecção. 2) No futebol, as coisas mudam muito mais rapidamente do que pensamos, e se melhor exemplo fosse preciso, basta olhar para o que sucedeu em 2002, quando uma geração fantástica de jogadores parecia terminado o seu ciclo. A esse Mundial não foram Miguel, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche, Deco e Cristiano Ronaldo, mas a verdade é que todos eles foram titulares na final do Europeu, apenas dois anos depois, dando inicio a uma nova geração que, embora não tivesse um rótulo dourado a embalá-la, acabou por atingir resultados muito mais consistentes do que os talentos anteriores. Isto não quer dizer que seja lógico esperar que nova fornada de jogadores surja do nada, mas no futebol nem sempre o facto de não vermos qualquer luz ao fundo do túnel significa que não exista uma saída surpreendente prestes a aparecer. 3) A exigência em torno de Portugal aumentou muito nos últimos 20 anos, e hoje estamo-nos permanentemente a comparar com as melhores selecções da Europa, o que no passado era relativamente absurdo. Sobre isto, parece-me possível perspectivar boas, e por vezes até óptimas equipas, mas já não me parece muito realista a comparação com o leque de seleccionáveis de países muito mais populosos, e com uma base de praticantes incomparavelmente superior. Ou seja, será possível formar equipas competitivas, centradas em elites de 10-20 jogadores, sem dúvida, mas não me parece aconselhável pensar o futebol português com o objectivo de ser uma potência europeia, que pela sua dimensão natural, nunca poderá ser.

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