23.6.14

A caminho do Maracanã #11 (EUA - Portugal)

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Há muito para dizer sobre o que aconteceu em Manaus, mas começaria pelo resultado, que me parece justo em face das ocasiões que ambas as equipas criaram, embora estas tenham tido prestações muito diferentes, com Portugal a sentir muito mais dificuldades do ponto de vista da organização e consistência colectiva. A este respeito, de resto, a exibição portuguesa foi absolutamente desastrosa, e até difícil de acreditar. E é sobre isto que, a meu ver, mais importa reflectir...

Mundial 2014, um universo paralelo?
À primeira vista, e olhando para este jogo, dir-se-ia que Portugal é uma equipa com enormes fragilidades defensivas, sobretudo a nível individual, tendo uma proposta de jogo completamente desajustada à sua realidade. Mas isso era se víssemos apenas este jogo. Já vimos outros, sendo o Euro'2012 o exemplo mais fácil de relembrar, onde esta mesma equipa sentiu menos problemas frente às duas melhores selecções europeias (Alemanha e Espanha), juntas e em 210 minutos, do que em 90 minutos frente aos Estados Unidos, neste Mundial. Depois, este também não é um problema singular da equipa portuguesa, mas transversal ao que se tem visto em praticamente toda esta prova. Ainda ontem escrevia sobre isso, e praticamente todos os dias somos surpreendidos com incidências altamente surpreendentes, em jogos onde o desnível esperado entre as equipas é enorme, mas em que depois o que se passa em campo diverge completamente dessa expectativa. A Espanha será o exemplo mais evidente, e em sentido contrário o da Costa Rica, mas esses serão sobretudo os casos em que o resultado acabou por ser claramente afectado, porque também já assistimos a jogos absolutamente inesperados onde o desfecho acabou por não ser tão chocante, como o Austrália - Holanda, o Alemanha - Gana ou o Argentina - Irão, só para citar alguns exemplos. Ora, é-me muito difícil explicar qualquer destes fenómenos que se vêm sucedendo, mas ao considerá-los a todos em conjunto torna-se muito plausível a existência de um factor comum entre todos, que creio terá a ver com as condições climatéricas que as equipas têm encontrado. E, aqui, há outro ponto característico deste Mundial, e que tem a ver com as dificuldades que as equipas vêm sentido para manter uma atitude pressionante eficaz. Não me lembro de ter visto nenhuma equipa a conseguir grandes proveitos de uma estratégia mais pressionante sobre a posse contrária (eventualmente com resultados pontuais, como no caso do Chile), e inúmeras vezes tem-se assistido mesmo a problemas de agressividade e ajustamento posicional dentro do próprio bloco defensivo. Neste último caso, o exemplo de Portugal neste jogo será dos mais flagrantes.

Portugal: Péssimo ajuste estratégico
Em face do que escrevi acima, parece-me que Portugal - conjuntamente com outras selecções europeias - será das equipas mais afectadas por esta aparente condicionante em que se disputa o Mundial. O modelo táctico português é completamente dependente do pressing. A equipa propõe-se pressionar qualquer adversário em praticamente toda a extensão do terreno, e mesmo em zonas mais baixas existe uma orientação muito forte para que a equipa mantenha uma atitude permanentemente pressionante, inclusivamente com a linha defensiva a aproximar-se muito da linha média. Ora, se os jogadores não conseguem pressionar os adversários, se chegam sempre tarde na contenção sobre o portador da bola, é inevitável que se criem muitos espaços disponíveis para ser explorados, e foi isso que na minha leitura sucedeu frente aos Estados Unidos. A nível individual, podemos encontrar um excelente exemplo deste problema nas exibições de Moutinho, que é um jogador normalmente fulcral na dinâmica defensiva portuguesa, exactamente pela sua invulgar capacidade de preenchimento de espaços numa área muito alargada, mas que neste Mundial tem surgido absolutamente irreconhecível a esse nível, perdendo diversas vezes o seu enquadramento posicional ao longo das jogadas.

Nesta realidade, diria, Portugal, assim como outras selecções terão negligenciado os efeitos das condições climatéricas na eficácia da implementação da sua proposta de jogo. Paulo Bento afirmou que a equipa não tinha apostado num pressing alto, mas se olharmos às incidências do jogo, vemos que as cautelas do treinador português foram ainda demasiado aventureiras para aquilo que era recomendável, com vários jogadores a serem atraídos pela circulação adversária, e a perderem posição por não serem capazes de ser eficazes em termos de condicionamento pressionante. A este nível, por exemplo, os Estados Unidos fizeram um jogo incomparavelmente mais adequado, com um jogo posicional muito mais equilibrado e também com maior densidade numérica na zona média. É verdade que na segunda parte a equipa portuguesa melhorou (paradoxalmente, foi quando sofreu os dois golos), mas fê-lo jogando num sistema e num comportamento a que está pouco habituada, cometendo alguns erros de posicionamento que lhe foram fatais (tal como tento evidenciar no vídeo).

O que fazer contra o Gana?
Portugal está numa situação que, não sendo impossível, é seguramente bastante difícil. Se este Mundial estivesse a ser jogado em condições normais, não me pareceria tão inverosímil assim o cenário de que Portugal precisa, mas neste momento eu nem sequer daria por garantido que a Alemanha vença os Estados Unidos, que à partida seria um encontro francamente desnivelado.
De todo o modo, e apesar do que escrevi acima, penso que Portugal não terá outra possibilidade que não seja apostar tudo na sua ideia de jogo, nomeadamente no condicionamento pressionante que tanto a tem deixado ficar mal. Portugal precisa de um jogo excepcional frente ao Gana, e a sua melhor chance de o conseguir será seguramente através da forma para a qual está preparado para jogar. Brasília será certamente muito diferente de Manaus, ou mesmo de Salvador, e resta esperar que a equipa possa, nessas condições, encontrar maior eficácia na implementação do sua ideia de jogo. Com William no meio campo, porque entrou muito bem, e Veloso à esquerda, porque Portugal precisa de golos e não há outra solução. Mais do que a qualificação, diria, Portugal joga frente ao Gana boa parte do seu brio, e não há tempo para se reinventar até lá.

Depois do Mundial, e não sabemos ainda que implicações esta prestação virá a ter, há alguns aspectos que merecem revisão. Sendo certo que não é preciso colocar tudo em causa, até porque como escrevi parece-me haver aqui um enorme efeito do contexto competitivo, parece-me claro que se deverá pelo menos rever a forma como Portugal se defende ao longo do corredor esquerdo. 

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