Ao terceiro dia, e depois de vários aperitivos, chegou o primeiro dos pratos principais do Euro. O destaque é claramente a formação holandesa, mas o meu primeiro comentário vai para a ironia do futebol depois de tudo o que se leu e ouviu sobre a selecção italiana. Que está na primeira linha de candidatas ao título, sendo forte táctica e tecnicamente, parece-me óbvio. Agora que seja uma super potência do futebol europeu, que exista uma desigualdade no conhecimento táctico entre os italianos e o resto da Europa, quase como se tratasse de um segredo que mais ninguém tem, aí, parece-me simples preconceito. A ironia surgiu ao primeiro jogo e vestida de laranja. É que a selecção holandesa começou por se superiorizar no jogo pela estratégia táctica e pela forma como induziu o meio campo italiano a cometer os erros que, normalmente, é a “azzurra” a explorar nos adversários.
A surpresa de Van Basten esteve, em termos posicionais, na opção por 2 pivots no meio campo defensivo, Engelaar e De Jong. Mas, como tantas vezes defendo, o segredo estratégico nunca está apenas no confronto de sistemas, sendo o aspecto mais fundamental as orientações dos jogadores para os seus comportamentos, com e sem bola. Foi aqui, precisamente, que a astúcia “laranja” foi mais brilhante.
Sabe-se que a Itália é fortíssima nos momentos de transição, esperando muitas vezes pelos erros da posse de bola adversária para lançar contra golpes onde a qualidade técnica e táctica (capacidade de leitura dos espaços, entenda-se) dos seus avançados faz a diferença. O que fez Van Basten foi introduzir 2 apoios recuados para a posse de bola e dois garantes de equilíbrio em caso de perda, prevenindo deste modo os tais momentos que os italianos tanto gostam de explorar. Assim, a posse de bola holandesa teve como principal mérito a paciência, não tentando furar o bloco italiano mas antes convidá-lo a abrir espaços que depois pudessem ser aproveitados. Foi isso que aconteceu na primeira parte, com o trio de meio campo italiano a cair no engodo de uma posse de bola baixa e sem grande progressão dos holandeses. Ao tentar pressionar essa circulação recuada, o meio campo italiano abriu um buraco nas suas costas que foi aproveitado pelas diagonais de Kuyt e Sneijder, para além do próprio Van der Vaart. Foi pelo aproveitamento desses espaços entre linhas que surgiram os principais lances de perigo dos holandeses num primeiro tempo de grande superioridade táctica.
Mas também sem bola há que elogiar a performance dos holandeses. Mais uma vez a presença do tal “duplo-pivot” foi fundamental. A pressão feita à posse de bola era feita não de uma forma cega mas escolhendo os momentos aconselháveis para o fazer. Aqui, destaque para a presença de Van der Vaart na zona de Pirlo e para a disponibilidade dos laterais (particularmente Van Bronckhorst) para pressionar mais alto quando a bola saia pelos flancos, havendo sempre a tal protecção do tal duplo pivot que garantia o equilíbrio colectivo.
Independentemente da superioridade holandesa no jogo – particularmente em termos estratégicos – fica uma nota para o resultado e outra para as implicações do jogo no futuro da competição. (1) O 3-0 foi apenas um dos resultados possíveis de um jogo com várias ocasiões de parte a parte e onde os italianos até poderiam ter marcado em diversos momentos do jogo. (2) Para o futuro da competição fica a importância do desfecho em termos do apuramento para os quartos de final, mas nem a Holanda vai conseguir encaixar esta estratégia de forma tão certeira em todos os seus adversários, nem a Itália está fora do Euro. Aliás, depois do que se viu entre França (para mim, bem mais desapontante do que a Itália) e Roménia, os italianos podem manter uma dose considerável de optimismo.