Se ontem falei aqui de algum preconceito criado em torno da superioridade da equipa italiana, hoje tenho de chamar à atenção um outro, e em sentido contrário, em relação aos espanhóis. É verdade que a Espanha tem falhado sucessivamente e também sou da opinião de que há aspectos colectivos que não são explorados da melhor forma, mas não é pelo passado que uma equipa de jogadores jovens e muito talentosos deve ver a sua qualidade subvalorizada. O que se assistiu frente à Rússia foi, precisamente, uma prova da qualidade dos jogadores espanhóis, que fazem parte dos principais candidatos à vitória, ainda que discorde de algumas opções tácticas...
Primeiro os elogios à mais volumosa vitória até ao momento. A Espanha tem uma qualidade de posse de bola na sua primeira fase ofensiva sem rival ao nível de selecções. Adiantar as linhas para pressionar uma equipa que tem Xavi, Iniesta, David Silva e Senna no meio campo e que conta ainda com os apoios de Torres e Villa é uma espécie de kamikaze estratégico e foi isso que fez a Rússia no segundo tempo, originando assim aquela que terá sido a melhor série de jogadas do Euro até agora. Para além desta capacidade, os espanhóis contam com uma série de soluções para a frente de ataque que pode render vitórias em qualquer jogo. Particularmente, Villa e Torres são jogadores temíveis e de grande qualidade. Que o diga a Rússia!
Agora, o outro lado da equipa espanhola. Querendo confiar num pivot defensivo como Marcos Senna, com a qualidade de médios interiores que tem ao seu dispor e com a “obrigatoriedade” de jogar com 2 avançados, por que é que Aragones não opta por um meio campo em losango em vez do 4-4-2 clássico? A verdade é que ao optar por esta disposição a equipa espanhola parece incapaz de pressionar mais alto, o que seria aconselhável para uma equipa que gosta tanto de ter a bola. Ao invés, a sua linha de 4 homens permanece quase sem alterações quer a bola esteja do lado direito ou esquerdo, sendo obrigada a juntar-se à linha mais recuada, compondo um bloco demasiado baixo e pouco fiável (aqui a responsabilidade vai para alguma falta de capacidade defensiva da equipa espanhola). Mas também em posse a equipa espanhola pode ter algumas dificuldades com este dispositivo. É que mesmo com uma linha de quatro homens no meio campo, a equipa não encontra muitas referências de passe sobre os flancos (sobretudo sobre o lado direito, com Ramos como lateral e Iniesta permanentemente a surgir na zona de Xavi) e a sua progressão faz-se invariavelmente pelas soluções que os 2 avançados consigam oferecer à construção. Estes problemas foram evidentes na fase inicial da partida e, não fora a desastrosa prestação russa em termos defensivos e a qualidade dos seus avançados, bem poderia esta ter sido uma estreia mais complicada.
Por tudo o que referi, parece-me haver um misto de enorme potencial individual e melhorias a introduzir no plano colectivo. A Espanha tem margem de erro para evoluir mas, francamente, desconfio da visão de Aragones que, com a expressão desta vitória, ainda deve ter menos olho para os defeitos tácticos da sua equipa. Uma coisa é certa, da Espanha poderemos sempre esperar bons espectáculos.