21.12.09

Benfica - Porto: na qualidade táctica se fez a diferença

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Resumir “táctica” a uma questão sistémica é algo que vai para além do redutor. “Táctica” é, essencialmente, a qualidade da acção colectiva nos diversos momentos do jogo. Ora, mais do que em qualquer outra coisa, é nessa “qualidade da acção colectiva” que o Benfica marca hoje a diferença no futebol português. Não é a primeira vez que reforço esta ideia e muito menos será este jogo a inspiração da mesma, mas foi, num clássico de poucas oportunidades, este o principal suporte para a vitória encarnada.

Benfica
Começo por falar das opções de Jesus no “remendar” da equipa. Reconheço-lhe grande acerto essencialmente porque mexeu o menos possível na estrutura base, acabando por jogar apenas em 2 posições sem os jogadores habituais. Para mais, Urreta manteve a característica de Di Maria sobre a esquerda. Ou seja, um jogador capaz de dar profundidade e desequilíbrio individual àquela ala. Assim, mudaram pouco as referências individuais para o jogo colectivo da equipa, tornando-a mais confortável tacticamente.

O clássico, pode dizer-se, foi ganho na primeira parte. Foi aí que o Benfica se superiorizou ao Porto, que o asfixiou e que jogou sempre mais perto da baliza contrária. O motivo? A tal qualidade táctica. Ou seja, a equipa conseguiu responder sempre colectivamente melhor aos momentos do jogo. Conseguiu ter mais jogadores na zona média em situações divididas, garantindo sucessivas superioridades numéricas que lhe permitiram ganhar mais bolas para sair a jogar. E conseguiu, também, marcar a diferença no “pressing” que fez na saída de bola. Ao contrário do Benfica, o Porto nunca conseguiu pensar o seu jogo e foi sempre condicionado desde o primeiro passe. O resultado foi uma diferença de domínio que, ainda assim, não teve grande expressão na proximidade com o golo, já que foram poucas as ocasiões. Valeu, portanto, também a eficácia. Já agora, fica um pormenor que se verificou em todo o jogo e que tem a ver com as bolas paradas. Apesar da zona nas bolas paradas, houve sempre uma atenção individual sobre Bruno Alves, que nunca conseguiu sequer abordar nenhum lance nesse tipo de situações. E, digo eu, é assim que deve ser.

A segunda parte foi diferente, sem repetição do domínio encarnado. Ainda assim, o Benfica controlou quase sempre o jogo, excepto num curto período que antecedeu as substituições que afectaram um meio campo que caíra drasticamente em termos de intensidade no segundo tempo. A partir daí, sim, o Benfica controlou verdadeiramente o jogo e a vantagem que conseguira.

Em termos de individualidades, não posso deixar de fazer um primeiro destaque para o mais negativo: Carlos Martins. Não é pelo que aconteceu quando a bola lhe chegou aos pés, mas pela forma como não esteve à altura em termos defensivos. Sem intensidade no pressing e muitas vezes não acompanhando os movimentos colectivos retirou capacidade para o Benfica poder fazer mais. Já várias vezes referi a importância de Aimar nos momentos defensivos do jogo, e foi aí que o argentino fez muita falta. De resto, Cardozo fez um óptimo jogo em termos colectivos, participando até mais do que é costume e quase sempre com qualidade. David Luiz esteve excepcional, com uma intensidade que não está ao alcance de muitos centrais no mundo. O melhor, ainda assim, foi Saviola. Pelo golo e pela forma como tantas vezes se tornou útil colectivamente, quer com bola, quer sem ela, baixando até à linha média (inclusive, trabalhando em zonas “perdidas” por Martins).

Porto
Jesualdo abordou um aspecto importantíssimo no lançamento do jogo, a resposta emotiva dos jogadores durante um clássico como este. É verdade que alguns dos seus eleitos não estiveram à altura nesse plano, mas não foi por aí que o Porto viu definida a sua derrota.

Mais uma vez, cair-lhe-ão em cima pela opção individual por Guarin, e se acho que ela é discutível, tenho a certeza que, mais uma vez, essa é uma questão de pequeno relevo. Os problemas do pressing fizeram-se sentir, tal e qual se vem discutindo aqui há bastante tempo. O Benfica passou facilmente a primeira fase de pressão, aproveitando o grande espaço entre Falcão e a linha média e o Porto foi baixando no campo. Acontecendo isto, mesmo que recuperasse a bola, era muito mais difícil ser perigoso em transição. Para além deste aspecto, o Porto pode lamentar-se de outros 2 detalhes tácticos onde ficou a perder no primeiro tempo. Ambos têm a ver com zona central do seu meio campo. Com maior espaço entre os seus jogadores, o “miolo” ficou reservado ao seu trio de médios, perdendo em número para um Benfica mais elástico tacticamente e capaz de aproximar mais gente nas bolas que se dividiram nessa zona. Mas os médios, embora vitimas neste último detalhe, também são réus. Guarin tentou muito, mas nunca foi capaz. Meireles, irreconhecível, não teve intensidade nem capacidade para se impor minimamente na sua zona e, perante isto, Fernando acabou também com muitas dificuldades para controlar as aparições de Saviola e Cardozo no espaço entre linhas. Com bola, nem Meireles, nem Guarin ofereceram soluções de passe e, por isso, também na saída de bola a equipa “emperrou”, ficando montado o filme completo para uma primeira parte comprometedora.

Na segunda parte, melhorias... insuficientes. Ainda que o Benfica também tenha quebrado, a atitude foi melhor. Varela deu qualidade à posse, segurando bem a bola e Rodriguez, jogando dentro, ofereceu mais soluções para evitar o pressing encarnado. O Porto chegou a ter um período em que o seu domínio lhe permitiu andar perto da baliza de Quim, mas voltou a afastar-se quando o Benfica recolocou energia na sua linha média. Muito pouco para quem precisava de forçar o empate.

Individualmente, e além dos médios, falta falar da frustrante performance de Hulk. É um jogador absolutamente invulgar em certos aspectos e isso fará dele sempre um caso sério, mas também estão ainda evidentes os degraus que tem de percorrer para chegar ao patamar que acredito lhe poder estar destinado. Não falo só em termos de decisões no próprio jogo, mas também de resposta motivacional que apresenta nos grandes jogos. É que são mais os fiascos do que as facetas nos grandes momentos e um ‘craque’ tem de o ser sobretudo nestes jogos.
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