10 é o número mitico do futebol. Um número que imediatamente nos remete para os grandes génios da história do futebol mundial e que, talvez por isso, deposita nos ombros de quem o carrega (ou, neste caso, de quem desempenha a função que normalmente lhe está implícita) um peso enorme, normalmente mesmo desfasado da realidade. Um 10 tem de ser perfeito do ponto de vista técnico, pegar no jogo quando as jogadas se iniciam, aparecer com dribles ou assistências mágicas e ainda marcar um número considerável de golos. A utopia é a consequência do mito e por isso é que quase todos os adeptos têm um 10 no top das necessidades do seu clube.
No Sporting, curiosamente, há muito que se pede a afirmação a 10 de um jogador que, vendo bem, não tem muitas das características dos miticos que utilizaram esse número. Moutinho é tecnicamente muito evoluído mas é fundamentalmente um jogador de grande intensidade e utilidade prática. Não é um driblador ou um inventor de espaços. Não é um passador visionário, nem um temível finalizador. Moutinho é, porém, prático, objectivo, inteligente, intenso e competente e a verdade é que dentro do actual contexto táctico do Sporting, ele pode mesmo ser muito útil como 10.
Com Vukcevic, o Sporting ganha explosão, largura, improvisação e objectividade ofensiva. No funcionamento do losango, porém, o montenegrino tem algumas lacunas, particularmente em transição defensiva. O facto de ser mais arrojado ofensivamente e menos culto defensivamente (mais uma vez, tem a ver com cultura e não com velocidade, como ultimamente se vem lendo e ouvindo) leva Vuk a comprometer no momento da perda de bola. Ora é aqui que surge Moutinho, não só compensando muitas vezes no restabelecimento do equilíbrio defensivo mas também sendo um elemento muito mais perturbador em termos de pressão. Estar aqui a falar de aspectos defensivos para uma função eminentemente ofensiva pode parecer um disparate, mas, para os mais distraídos, basta ver a importância desta outra característica do 10 como fonte de desequilíbrios no recente jogo do Bonfim.
Moutinho pode ser mesmo a melhor solução para 10 do losango do Sporting. Eu arrisco, no entanto, que tal só ocorrerá, se a equipa não exigir dele uma súbita mudança genética. Moutinho não tem o perfil de Romagnoli, e para que o rendimento seja o ideal, o colectivo deve encontrar formas de colmatar os aspectos em que não é tão forte, pedindo-lhe o que de melhor ele tem para oferecer.