Seria manifestamente exagerado atribuir ao embate um peso decisivo, mas a calendarização permitiu que, pela primeira vez em algum tempo, o derbi fosse disputado com a esperança do título ainda bem presente no pensamento dos adeptos de ambos os lados. E é neste sentido que o empate, tantas vez um resultado bem aceite pelas duas partes em derbis e clássicos, me parece um mal um pouco mais do que menor para qualquer das equipas. Ainda que sem dramatismos, bem entendido. Para o Sporting, porque a sua entrada fulgurante é interrompida, colocando algum travão num sonho que os adeptos começavam verdadeiramente a acreditar. Para o Benfica, porque os pontos perdidos na Madeira deixaram irremediavelmente a equipa sob pressão, e um resultado que vem deixar a equipa a mais pontos da liderança só pode ser considerado como negativo. É por isto que o empate no derbi me pareceu especialmente bom... para o Porto.
Sobre o jogo propriamente dito, estou tentado a concordar com a análise de ambos os técnicos, o que só é possível porque os dois ter-se-ão apenas reportado a parte dos factos ocorridos. É verdade, tal como disse Jardim, que o Sporting dominou a generalidade dos indicadores estatísticos, o que revela que a equipa conseguiu, em grande parte do jogo, impor a sua estratégia. Mas é também verdade, que foi o Benfica a equipa que mais perto esteve do golo ao longo dos 90 minutos, sendo esse o indicador sempre mais relevante a considerar, para quem tem a vitória como objectivo. De resto, não foi um jogo bem jogado do ponto de vista técnico, com ambas as equipas a protegerem-se do risco em posse, o que determinou um jogo muito directo e pouco ligado. Outro ponto a realçar é a importância das bolas paradas - que acabou por não se traduzir no resultado por mérito defensivo de ambas as partes - com um número excepcionalmente elevado de cantos, lançamentos laterais e faltas. Ou seja, à boa moda de um derbi, este foi um jogo mais intenso do que bem jogado.
Sporting - A meu ver, o Sporting conseguiu mais um bom jogo, sendo capaz de impor a sua estratégia desta vez perante um adversário mais forte. Não foi, aliás, por ter jogado contra o Benfica que o Sporting alterou os traços marcantes que vinha revelando até aqui: vimos a equipa a arriscar pouco em construção, procurando fazer uma ligação mais directa nos corredores laterais (com incidência no lado esquerdo), fugindo ao perigo do corredor central. Vimos também o pressing alto da primeira linha de pressão, com André Martins a juntar-se a Montero, tentando impedir que o adversário se impusesse pela posse. Em tudo o isto, o Sporting foi eficaz o quanto baste para chamar a si maior tempo de protagonismo durante os 90 minutos, tendo porém sido menos competente nos pormenores, assim que a bola entrou no último terço de ambos os lados do campo.
Ofensivamente, a equipa não conseguiu repetir a objectividade nas suas acções pelos corredores e, apesar de ter voltado a mostrar um bom aproveitamento de Jefferson sobre a esquerda, a única coisa que conseguiu extrair dessas iniciativas foi um número invulgarmente elevado de cantos, porém sem grandes consequências práticas. Aliás, no capítulo ofensivo, o Sporting revelou-se até mais ameaçador na exploração do espaço entrelinhas, com Montero em destaque ao realizar um jogo muito bom em termos de envolvimento colectivo, ao contrário do que acontecera em Coimbra, por exemplo.
No capítulo defensivo, a equipa também sentiu dificuldades, especialmente para lidar, quer com as iniciativas individuais no corredor central, quer com a compensação a Cedric, quando este era atraído para zonas mais altas no seu corredor. Aqui, destaque para as enormes dificuldades de William Carvalho nos duelos individuais, tendo sido diversas vezes batido no corredor central, o que expôs a linha defensiva. Tenho a noção de que esta não é uma visão consensual, mas o jovem médio parece-me ter dois lados bem distintos na qualidade do seu jogo, e se é fácil constatar a evidência da mais valia que representa para a posse, também me parece importante para o Sporting que as suas limitações defensivas sejam tidas em conta, porque só assim a equipa se pode proteger delas. Gaitan primeiro, e Markovic depois, exploraram uma vulnerabilidade que nunca foi corrigida.
A este propósito, aliás, há um momento que entendo ter sido chave no jogo. O Sporting estava a vencer, com o seu adversário já sem hipóteses de alterar as suas opções a partir do banco, e Jardim mexeu, de facto, no tempo certo. Só não entendo é o porquê daquela alteração, que introduziu Dier para trocar de central, de lateral esquerdo e de médio esquerdo, tudo ao mesmo tempo. Não me parece inocente que Jardim se tenha decidido pela substituição imediatamente após um cabeceamento de Cardozo, só que o Benfica nunca alicerçou as suas jogadas ofensivas em cruzamentos para o jogo aéreo dos seus avançados, tendo sido essa jogada a excepção e não a regra. O problema central do Sporting, na minha leitura, esteve sempre nas dificuldades de controlo sobre acções individuais no corredor central, e essa substituição apresentava-se como uma oportunidade importante para o corrigir, numa altura em que o Sporting ainda usufruía de vantagem no marcador. A meu ver, foi, no mínimo, uma oportunidade desperdiçada.
Benfica - Jesus tem razão quando refere que foi a sua equipa quem mais perto esteve do golo. Tem, também, a atenuante de ter sido forçado a fazer três substituições, nomeadamente duas em unidades chave do jogo ofensivo da equipa (Gaitan e Salvio). Mas, mesmo assim, pedia-se mais ao Benfica, e eu particularmente esperava mais capacidade de afirmação da equipa na imposição do seu jogo. O Benfica cometeu poucos erros ao longo dos 90 minutos, o que é um dado positivo numa equipa episodicamente propensa ao deslize individual e colectivo, mas não teve capacidade para contornar de forma continuada os problemas que foram colocados à sua fase de construção, o que hipotecou as suas hipóteses de afirmação no jogo. Perante a pressão do Sporting, a equipa passou a preferir sair de forma mais directa, não retirando grande eficácia nessa iniciativa (neste aspecto, faz falta Cardozo, e será também por isso que Jesus valoriza a estatura nos seus avançados), mas exigia-se mais capacidade de envolvimento, até porque a equipa tem qualidade suficiente para isso. A habitual ideia de baixar Matic para a primeira linha de construção nunca resultou, sendo aliás uma opção que tende a favorecer uma estrutura pressionante com duas unidades na primeira linha, tal como é idealizado por Jardim. O Benfica teve sempre uma boa presença no espaço entrelinhas, nas costas dos dois médios do Sporting, mas como a sua circulação baixa não se conseguia soltar, a equipa acabou por tirar partido dessa presença de forma bastante descontinuada.
Estes problemas revelado, nomeadamente a dificuldade de impor o seu jogo, serão relevantes tendo em conta os embates que a equipa terá na Champions, onde o potencial qualitativo dos adversários é superior. Neste sentido, é bastante provável que Jesus venha a optar por uma estrutura diferente a esta, incluindo maior presença ao corredor central nos jogos fora. De resto, também me parece possível especular que essa pudesse ser a opção do treinador caso a equipa tivesse chegado a este jogo com outra pontuação. E talvez até se tivesse dado melhor...
Do ponto de vista individual, o destaque vai claramente para Markovic, pela acção preponderante que teve na segunda parte, e no papel decisivo que assumiu no resgate do empate. Com 19 anos, o sérvio pode ser um caso sério para futuro, mas o seu desempenho não pode ter apanhado de surpresa quem já acompanhara a sua pré época. Markovic é, de resto, um oásis entre os reforços, quase todos eles em fase pouco adiantada do seu processo de integração. Neste aspecto, Jesus terá na minha opinião tido uma opção importante ao lançar Cardozo em vez de Sulejmani, por exemplo. Mas também Gaitan esteve perto de semelhante protagonismo na primeira parte, tendo sido a grande fonte de problemas para o Sporting, com as suas incursões no corredor central. Será inclusivamente possível questionar se a presença de Gaitan e Markovic, em simultâneo, não poderiam ter acentuado ainda mais o bom momento do Benfica, no inicio da segunda parte. A lesão dos dois extremos argentinos podem constituir-se agora como um problema potencial para o futuro imediato do Benfica, numa altura em que a equipa mantém um grande nível de pressão e quando Markovic tem revelado também alguma instabilidade em termos físicos. Neste sentido, a semana de pausa vem a calhar.