4.1.11

Sálvio & Gaitan: 2 casos

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Dois casos semelhantes em muitas coisas, mas também distintos noutras. Dois casos que, para o Benfica, devem representar muita esperança para o futuro, porque, tanto ao nível da qualidade como da velocidade de afirmação, os indícios são bastante bons. Dois casos que conheço bem, mesmo antes de Portugal ser, sequer, um destino provável, e que, por isso, tenho especial interesse em acompanhar. Dois casos de que discordo de muitas opiniões, entretanto generalizadas. Aqui fica a minha opinião sobre alguns pontos...

Posição: Extremos, ou não?
Sálvio – Na Argentina jogava, ora como ala direito, ora como avançado, sempre (ou quase) em 4-4-2 clássico. No Benfica, o papel prevê-lhe a missão de ala interior, mas Sálvio será sempre menos interior e mais ala. Na verdade, creio que a sua posição ideal é de falso extremo, jogando por fora, na linha, quando a bola está do seu lado, mas aparecendo como segundo avançado quando a bola está no outro flanco. É que a área é também um “habitat” onde se dá muito bem. Ou seja, Sálvio pode jogar como ala no modelo de Jesus, mas será sempre um ala muito mais próximo dos avançados do que aquilo que está previsto no papel, e isso tem de ser considerado.

Gaitan – Vou-me repetir, mas a coisa mais fantástica nas apreciações feitas a Gaitan é a conclusão sobre a sua “posição ideal”. Nomeadamente, porque 90% das pessoas que afirmam ser um jogador de posições interiores só o viram jogar no Benfica, onde, por sinal, só jogou nas alas. A verdade é que é mesmo um ala, e até quando, na Argentina, jogava como avançado móvel, era sempre nas alas que aparecia. De qualquer modo, Gaitan está bem onde está, especialmente forte na esquerda por causa do seu cruzamento, e sem a necessidade de jogar demasiado perto dos avançados, onde não tem espaço para o seu futebol de transporte de bola e drible largo. Tem que evoluir em alguns pontos, mas está bem onde está.

Defender: problema ou mito?
Sálvio – O jogador argentino tem uma vantagem: a capacidade de trabalho. Não é uma regra de ouro, aplicável a todos, mas é uma característica do futebolista das “Pampas”, que lhe confere uma vantagem em relação a outras escolas. Sálvio não é excepção. A sua capacidade de trabalho é inatacável: é agressivo, disciplinado e culto o suficiente para defender correctamente ao longo do corredor. O número de intercepções que consegue por jogo é bastante elevado para a posição que ocupa e isso confirma precisamente a ideia da sua utilidade nos momentos sem bola.

Gaitan – Não é tão agressivo como Sálvio, nem tem a mesma potência física, mas partilha com o seu compatriota da sua capacidade de trabalho e da disciplina táctica. Aliás, os números de Gaitan são, tal como os de Sálvio, inequívocos: as intercepções que consegue são superiores a jogadores como César Peixoto, Aimar ou Carlos Martins. Bastante superiores. A realidade, ao contrário do que tantas vezes é dito e escrito, é que Gaitan tem uma capacidade de trabalho boa e bem acima de outros casos análogos, tanto no Benfica, como noutros clubes. A ideia que "não defende" ou que "defende mal"? Um mito!

Decisões: o fosso cultural
Sálvio – Não será um caso especialmente problemático, até porque Sálvio não se aventura muito em zonas de construção. Ainda assim, a sua vida foi passada com mais espaços, com mais momentos de transição, com mais liberdade para definir e desequilibrar em ataque rápido. No Benfica – e no futebol europeu – as coisas são diferentes: é preciso mais razão na decisão sobre o que fazer a cada posse e não há apenas que pensar na baliza mas também no que pode acontecer em caso de perda. Como disse, não é um caso problemático, porque Sálvio sabe bem onde gosta de jogar. Aliás, o principal problema de Sálvio é precisamente o facto de se envolver pouco nos momentos de construção, criando poucas soluções à dinâmica na primeira fase de circulação. Algo que normalmente é mais exigido à sua posição, dentro do modelo de Jesus.

Gaitan – Aqui sim, está o problema de Gaitan. Ou seja, apesar de, ao contrário de Sálvio, ser um jogador que gosta de vir à fase de construção dar o seu cunho pessoal, a verdade é que o seu jogo se torna muitas vezes demasiado arriscado para zonas tão baixas. Um drible ou uma combinação mais rápida em certas zonas podem tornar-se, de repente, numa ameaça para a própria equipa e isso, esta época, já aconteceu muitas – demasiadas! – vezes. Perceber o “onde” e o “quando” deve ser a sua principal preocupação em termos de evolução nos próximos tempos.

Potencial: inegável
Sálvio – Há ainda quem pense que há por aí muitos “Sálvios” de 20 anos e desate a criticar jogador e quem o contratou. O desencanto, é que não há. Não há em Portugal, na Argentina ou em praticamente lado nenhum. Ou melhor, haver, há, mas os que há são quase todos incomportáveis para o futebol português – tal como era o próprio Sálvio quando veio para a Europa. Os outros, os que são mais acessíveis, são muito mais raros e estão ainda incógnitos. É possível, mas é preciso muito “olho”. Ou seja, Sálvio é, nesta altura da sua carreira, um jogador de qualidades raras, ficando agora por definir até que ponto poderá evoluir. Uma coisa me parece clara: a experiência no Benfica está a ser muito positiva e com os níveis de confiança que actualmente demonstra, o melhor é que dele se espere continuidade ao que tem feito, com muitos golos à mistura - porque tem apetência para os marcar. Isto, claro, se a aposta se mantiver.

Gaitan – Ao contrário de Sálvio, nunca foi uma estrela de selecção nacional como “teenager”, nem tão pouco foi fácil a sua afirmação no Boca. A sua “gambeta” e qualidade de definição eram óbvias, mas o estatuto nunca foi tanto que fizesse supor os 8 milhões que o Benfica por ele pagou. Ainda assim, creio que acabará por render mais do que suficiente em termos desportivos, correspondendo quase em absoluto às expectativas que dele tinha. Faz-se a comparação com Di Maria e diz-se que com o seu tempo em Portugal Di Maria não rendia tanto. Inquestionável. Porém, há algo em Gaitan que pode limitar-lhe a ascensão a patamares ainda mais elevados: o carácter. Não é um jogador muito confiante e parece encolher-se em alguns momentos. Ou seja, tem uma qualidade óbvia, mas precisa de ser constantemente “empurrado” por quem o dirige.



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