Defender mal... com bola
A teoria que vigora nos tempos que correm distingue 4 momentos de jogo, em bola corrida. 2 ditos defensivos e 2 ditos ofensivos. “Ditos” porque na verdade o que os distingue é a posse da bola. Como o futebol é jogado em acto contínuo, é fundamental não ser demasiado ortodoxo na interpretação da separação dos momentos do jogo. Ou seja, o que uma equipa faz num dado momento, a sua qualidade, começa no momento anterior, e isso é sobretudo relevante para os momentos de transição.O ponto de tudo isto é que é completamente diferente estarmos a avaliar a resposta de uma equipa à perda de bola quando esta acontece numa fase precoce de construção ou, ao invés, quando esta acontece numa fase de criação. E isto, no Benfica, é perfeitamente evidente.
No vídeo estão seleccionadas 6 perdas de bola da equipa encarnada no jogo de Leiria. Nenhuma delas originou lances eminentes de golo, mas todas elas ofereceram ao adversário boas condições para o fazer. Noutros casos – e quem acompanha este blogue não terá dificuldade em enumerar muitos – o resultado foi diferente e a equipa foi severamente penalizada por isso.
Quer isto dizer que o Benfica seja uma equipa fraca na resposta à perda de bola? Não. Na verdade é uma equipa muito forte a fazê-lo, como aliás tantas vezes foi realçado no ano anterior. Pressiona com prontidão e eficácia e tem uma excelente capacidade de manter a sua organização em recuperação. Em vários aspectos, mesmo notável. O problema está na perda de bola em si mesmo, sendo que é absolutamente impossível pedir-se a uma equipa – seja ela qual for – que seja eficaz a responder a perdas de bola em zonas tão comprometedoras como frequentemente acontece no Benfica. Ou seja, o Benfica não defende mal sem bola, mas, pode dizer-se, defende mal... com bola.
Javia Garcia e a importância do “pivot”
Começo por uma estatística colectiva antes de ir ao pormenor individual:Em matéria de perdas de bola, do mesmo tipo das que estão ilustradas no vídeo, o Benfica tem 6,1 por jogo, sendo que Porto e Sporting apresentam valores muito mais baixos do que o dos encarnados: 4,7 para ambos. Ou seja, há uma tendência claramente superior do Benfica para este tipo de erros comprometedores.
Se há posição importante em termos da resposta em transição é a do “pivot”. É uma posição que tem uma forte característica posicional, sendo responsável pelo equilíbrio da equipa na sua zona mais recuada, quando um dos defesas sai da sua posição, mas também pela contenção que é feita no corredor central, no inicio de transição do adversário, tendo a possibilidade de "matar" a transição ou, se tal não for possível, de atrasar o ataque rápido contrário, permitindo o reequilíbrio posicional dos restantes jogadores. Não é, portanto, difícil de perceber a importância desta função para a eficácia da resposta em transição.
Esta posição funciona em termos posicionais muito bem no Benfica, com Javi Garcia a interpretar perfeitamente os seus ajustes posicionais. Mas, noutros aspectos, há alguns problemas que penalizam fortemente a equipa.
Primeiro, com bola, há uma grande falta de segurança nas acções de Garcia. Em média, a posição de médio defensivo é responsável por 1,5 perdas por jogo em zona de construção, comprometendo a equipa com grande regularidade. Mas, mesmo descontando este relevante aspecto, há também um défice de presença em termos de posse por parte desta posição, invariavelmente interpretada por Garcia. Ou seja, para que haja maior segurança em zona de construção seria importante ter uma maior presença do elemento que joga à frente da defesa, mas, também aqui, a participação em posse do médio defensivo é muito menor no Benfica do que nos seus rivais.
Já agora, e a título de curiosidade, assinale-se que é no corredor central que o Benfica mais erra em posse em relação aos rivais. Para além do "pivot", também a posição 10 comete um número elevado de perdas, com Aimar em principal destaque neste aspecto.
Outro problema que afecta o equilíbrio posicional é a frequente saída em construção dos centrais, normalmente David Luiz. À primeira vista, este tipo de situação parece não originar grandes problemas, precisamente pelo papel de Javi Garcia: o médio baixa para a posição de central e restabelece o equilíbrio na zona mais recuada. O problema, aqui, é que este tipo de subidas dos centrais não são meras trocas posicionais com Garcia, e assumem uma postura muito mais arriscada. O que acontece, na prática, é que a equipa perde a presença do “pivot” e quando perde a bola deixa de ter um elemento de contenção à frente dos centrais. A dificuldade de resposta a um transição nestas condições é, como é óbvio, muito mais difícil.