22.1.10

Holanda: do futebol de sonho à ilusão dos golos

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É frequentemente apontado como o país com mais proximidade futebolística com o nosso. E, em vários aspectos, realmente as semelhanças são inegáveis. Começando pela distinção técnica das respectivas escolas de formação, passando pela prioridade dada ao 4-3-3, e acabando, num outro contexto, na própria característica dos respectivos campeonatos. Toda esta aparente proximidade futebolística esbarra, no entanto, numa simples e relevante estatística: o número de golos. É que, se em todos os parâmetros anteriores, Holanda e Portugal caminham lado a lado, em matéria de golos estão em extremos opostos entre as 10 principais ligas europeias. De facto, se tivessem o mesmo número de jogos – que não têm – e mantendo a mesma média de golos, assistir-se-ia a mais 130 golos em terras holandesas. Só!

De facto, tudo isto parece contraditório e, realmente, pode não ser fácil de explicar. Eu, pelo menos, nunca vi ninguém fazê-lo. Mas tenho, eu próprio, a minha própria ideia do porquê.


Treinadores: mercado fechado
Comecemos pela análise dos treinadores, afinal, quem pensa e determina a característica das equipas. Neste aspecto, uma olhada pela generalidade dos clubes holandeses revela um dado comum: a aversão a importações. De facto, são raros os casos de treinadores estrangeiros em solo holandês. Pode dizer-se, então, que neste aspecto partilham mais um dado com o nosso futebol... Sim? Não. É factual que Portugal tem “fechado” o seu mercado em anos recentes, mas o que se passa na Holanda não é, como cá, um fenómeno novo.

Se olharmos aos últimos 30 anos, nos 3 principais clubes holandeses, encontramos uma espantosa marca de apenas 5 lideranças técnicas não holandesas. No PSV apenas Robson representa uma importação filosófica, já que o outro estrangeiro, o belga Gerets, fez o seu percurso futebolístico no próprio clube de Eindhoven. No Ajax, o alemão Kurt Linder liderou 2 vezes a equipa nos anos 80 e, mais recentemente, Morten Olsen foi escolhido para suceder a Louis Van Gaal. No Feyenoord, o último caso de liderança técnica não holandesa terminou em 1982, com o checoslovaco Jezek. Estes casos são os mais mediáticos mas encontram espelho na generalidade dos clubes do país.

Esta constatação, evidencia uma espécie de isolamento filosófico desde a explosão do “futebol total” (anteriormente, curiosamente, abundavam estrangeiros), nos anos 70. Daqui resulta, portanto, uma evolução, se não totalmente autónoma, bastante desligada do que por outros países se vai fazendo. Assim, tal como os ingleses se fecharam no “Kick n’ rush” e os italianos no “Catenaccio”, os holandeses parecem ter evoluído para um futebol que, embora não tenha merecido designação específica, tem também características altamente marcantes e uma obsessão: a posse de bola.

A obsessão da “bola no pé”
Não haverá liga com menos pontapés para a frente do que a holandesa. Esse é sempre o último recurso para iniciar as jogadas, seja qual for a equipa, seja qual for o campo. Uma consequência disso é a preferência por centrais tecnicamente evoluídos, ainda que sejam comprometedores noutros aspectos. Casos como Salcido (PSV), André Bahia (Feyenoord) ou Vertonghen (Ajax) encaixam neste perfil. É curioso como este tónico se generaliza ao ponto do Twente, do inglês McClaren, não diferir em nada deste registo, sendo, aliás, a equipa que melhor tem trabalhada a posse de bola, mesmo não tendo as armas individuais de outros.

Defender. Será que treinam?
Mas, se a obsessão pela posse de bola explica a qualidade ofensiva de muitas das equipas, ela não é, de todo, suficiente para explicar tão elevado número de golos. De facto, essa estatística não abona a favor do futebol holandês, simplesmente porque resulta essencialmente do outro lado desta tão característica marca futebolística. As fragilidades defensivas. Se os aspectos ofensivos são amplamente trabalhados, atingido-se uma elevada qualidade em termos gerais, já em matéria defensiva, é caso para perguntar se as equipas treinam, ou então, o que é que treinam? Uso ineficiente da linha de fora de jogo, demasiada valorização de referências individuais na marcação, incapacidade estratégica ao nível do pressing, desequilíbrio na hora da perda de bola ou um excessivo risco em posse, são, realmente, as fontes do diferencial de golos entre a Holanda e outros campeonatos da sua dimensão. Nada positivo, portanto.

Por tudo isto, pode concluir-se que no país das tulipas, dos canais e dos moinhos de vento mora também um futebol característico e próprio. Tão deslumbrado com a bola, que se esquece do que fazer quando não a tem. Um futebol tão sonhador que acabou iludido no meio... de tantos golos.



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