26.8.10

Domingos é "special"!

ver comentários...
Confesso que comecei por desconfiar dele. Quando chegou a Leiria, para suceder a Jesus, empregou um discurso que me pareceu algo utópico, sobretudo para quem ia para um clube com tão bons resultados sob a anterior orientação. Reconheço que hoje não pensaria da mesma maneira, porque também vejo muitas coisas de forma diferente. Domingos foi dando provas e os seus resultados nunca deixaram margem para suspeita em nenhum clube. Para mais, o seu futebol teve sempre uma qualidade apreciável, que combinava bem com o sucesso que ia conseguindo. Tubo bem. Domingos era um caso claramente a acompanhar e há ano aplaudi sem hesitações a escolha do Braga em recrutá-lo para substituir o “case study” Jorge Jesus. A partir daqui é que as coisas se começam a complicar.

Esperava o sucesso de Domingos em Braga, mas um sucesso ao nível das possibilidades do clube. 4º lugar, mesmo 3º, mas nunca aquele 2º, com aquela pontuação. A explicação da herança de Jesus sempre foi para mim um enorme sofisma, porque na diferença de modelos residia, precisamente, o motivo pelo qual Domingos, apesar de agradar, nunca me ter deslumbrado.

Modelo de jogo, bom mas não é por aí
Para avaliar um treinador utilizo sobretudo 1 vertente de análise. A qualidade do seu modelo de jogo. Com algum esforço e dedicação, isto é-me suficiente para antecipar com razoável clareza casos de sucesso emergentes. Foi assim que – e permitam-me que puxe agora um pouco dos “galões” – escrevi que o modelo de Jesus era um caso sério e com grandes possibilidades de “explodir” num “grande”, com a época de 08/09 ainda a meio, ou que, mais recentemente, antevi a ascensão meteórica de Villas Boas quando apenas tinha realizado 2 jogos na liga. Foi através desta “métrica”, também, que evitei destacar da mesma forma quaisquer outro treinador para além destes 2. Domingos incluído.

O seu modelo parece-me lúcido, sóbrio e bem trabalhado em todos os momentos, mas não me deslumbra. Não tem a agressividade e intensidade do que vira em Jesus, nem o perfume do de Villas Boas. Para mais – e sei que isto contradiz muito do que defendo – não sou apreciador do “duplo pivot”, o que também não ajuda à minha percepção. O ponto é que lhe vi sempre sustentar o carácter excepcional do sucesso – aquele que vai para além do expectável – numa eficácia para além dos níveis normais. Ora, se esse pode ser um acidente aceitável, começa a deixar de o ser quando certas tendências se prolongam no tempo. E é aí que, para um empírico como eu, o nariz começa a torcer significativamente.


O lado psicológico e “caso” das derrotas caseiras
Voltemos ao caso de Jesus. Depois de o seu sucesso se ter confirmado no ano passado, houve outra coisa que me chamou a atenção. A debilidade psicológica das suas equipas. Se o treinador era o mesmo, porque teriam as suas equipas tido um sucesso objectivamente inferior à qualidade do seu jogo? Na altura, e ainda a meio do ano, escrevi que algo de errado havia com as equipas de Jesus, que tinham sempre melhores diferenças de golos do que adversários melhores classificados e que o Benfica, apesar de dificilmente poder deixar de ser campeão tal a diferença de qualidade, também poderia não ter um aproveitamento totalmente de acordo com o seu futebol. E assim foi, pelo menos na minha visão.

Há dias voltei a este dilema e não sei bem como fui dar com um dado avassalador na carreira de Domingos. Não sei se isto já foi dissecado – há muito que não leio jornais – mas é espantoso o número de derrotas caseiras da sua carreira. Ao fim de 57 jogos em casa, e maioritariamente em equipas modestas, Domingos perdeu apenas por 5 vezes.

Escusado será lembrar quem também partilha de um registo incrível neste dado: José Mourinho, o paradigma do efeito psicológico que um treinador pode ter nas suas equipas. Mourinho tem várias qualidades, mas é esta – a do lado mental – que o torna “especial” e que o faz ganhar mais que os outros.

Mas quão fantástico e invulgar é o feito de Domingos? Bem, por comparação com os “grandes” não é nada de extraordinário. O problema é que Domingos treinou no Leiria, Académica e Braga. Podemos compará-lo com a expectativa das casas de apostas e temos o espantoso feito de ter perdido apenas 25% das vezes que estavam nas “contas” dos especialistas. Ou então, talvez mais interessante ainda, é comparar os trajectos de Domingos e Jesus antes deste ter chegado ao Benfica. São 4 épocas em que têm em comum a primeira e última, tendo Jesus a vantagem teórica de ter treinado o Belenenses enquanto Domingos passou por uma Académica mais modesta em recursos. O resultado é, de novo, assustador! Domingos perdeu apenas 5 enquanto que Jesus – um treinador de sucesso e com a qualidade que se sabe – perdeu 18 vezes. Aliás, se contarmos as derrotas caseiras nas épocas anteriores à chegada de Domingos a cada um dos clubes que treinou, temos, e em apenas 3 épocas, a soma de 19 derrotas caseiras (o treinador da Académica era Manuel Machado).

Nada disto pode ser considerado normal. Calculando, e mesmo assumindo alguma margem de erro no exercício, a probabilidade de Domingos ter perdido menos de 6 jogos no trajecto que realizou não chega sequer perto de 1%! É uma espécie de totobola, portanto!


Domingos é “special”!
Por tudo isto, tenho hoje a convicção de que Domingos foi um erro de casting meu, porque não lhe reconheci tanto potencial como agora assumo que possa ter, e de muitos clubes, por ainda estar em Braga.
Claro que, como expliquei, grande parte deste potencial surge por um factor que reconheço mas não compreendo totalmente e, por isso, tenho de assumir também alguma dose de incerteza na avaliação do impacto psicológico que tem nas suas equipas. O futuro confirmará, ou não, esta projecção mas, ao dia de hoje, há dados que me indicam que Domingos possa ter aquela estrelinha misteriosa e rara, mas que todos constatamos existir.

Já agora, também, e numa altura em que todos se desdobram em elogios a tudo o que está ou esteve em Braga, faço a projecção de que no dia em que Domingos sair, o Braga não cai, mas desce um degrau para o patamar onde esteve nos últimos anos. Infelizmente, acrescento.



Ler tudo»

AddThis