17.6.08

Alemanha: Uma força mental histórica

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Está confirmado que será a Alemanha o nosso adversário nos quartos de final. Esta é uma selecção que, creio que como mais nenhuma, suscita uma enorme divisão entre as análises qualitativas que lhe são feitas, sendo apontada, paralelamente, como uma das favoritas e uma equipa banal técnica e tacticamente. A verdade é que, de facto, dificilmente uma análise técnico-táctica à história do futebol germânico poderia alguma vez fazer alguém equacionar que esta nação tivesse no seu palmarés 3 títulos de campeão do mundo em 7 finais, tendo sido igualmente 3 vezes campeã da Europa, em 5 finais.

Olhando à história do futebol germânico, facilmente se comprova que, mesmo tendo os seus momentos negativos, os alemães parecem transformar a sua aparente frieza emocional numa qualidade que os tem catapultado ao longo dos anos para resultados que superam claramente o talento e qualidade das sucessivas gerações. Realmente, os alemães raramente falharam em grandes competições quando tiveram grandes equipas e, pelo contrário, foram protagonistas de alguns feitos bem acima daquilo que a qualidade futebolística dos seus protagonistas poderia fazer esperar. Outro aspecto revelador desta característica mental germânica é o histórico de reviravoltas que os alemães conseguiram protagonizar em jogos decisivos. Das 6 finais vencidas pelos alemães, 3 aconteceram depois de terem estado em desvantagem no marcador e 1 (1980, 2-1 frente à Bélgica), não tendo estado em desvantagem, o golo decisivo foi marcado apenas no minuto 90.

Os dois mais famosos exemplos da superação germânica nas horas de dificuldade estarão bem patentes na história dos mundiais de 54 e 74, onde a força mental alemã privou 2 das mais célebres equipas da história de se sagrarem campeãs mundiais, Hungria e Holanda:

O milagre de Berna (1954)
Depois da II guerra mundial esta foi a primeira aparição alemã ao mais alto nível. No comando desta formação estava um dos mais obcecados homens por futebol de que reza a história (no seu diário, os dias dramáticos vividos durante a guerra relatavam, quase exclusivamente, pensamentos... futebolísticos!): Sepp Herberger. A verdade é que os planos de longa data que Herberger tinha feito para a ressurreição da Selecção não convenciam ninguém à partida para a Suíça. A imprensa duvidava dos jogadores e da equipa e anunciava, de antemão, o seu colapso na prova. Tudo começou como se esperava: com muitas dificuldades. Derrota por 8-3 frente à colossal Hungria de Puskas na fase de grupos e uma qualificação obtida através de um playoff com os turcos. O panorama mudou radicalmente nos 2 jogos seguintes, com a qualificação para a final, graças a vitórias frente a Jugoslávia e Áustria.

Uma coisa, no entanto, era chegar à final. Outra, completamente diferente era... bater a Hungria. Aos 8 minutos, os húngaros já venciam por 2-0 e, reza a lenda, um tal de Morlock terá pegado na bola após o 2º golo dos húngaros e gritado para os seus “Agora, vamos a eles!”. Com 2-0 e a experiência recente dos 8-3, estas palavras só poderiam soar a delírio, mas a verdade é que 2 minutos depois estava Morlock a reduzir para 2-1, antes de, 8 minutos volvidos, Rahn empatar. O “milagre de Berna”, como ficou este jogo conhecido, ficou consumado aos 84 minutos com novo golo de Rahn. O mundo ficou em choque, a Alemanha em delírio (por razões que têm a ver também com uma afirmação de recuperação nacional no pós-guerra) e a o espírito vencedor da Mannschaft terá, diz-se, nascido naquele dia 4 de Julho de 1954!

Munique (1974)
Pode perguntar-se porquê que se considera este torneio, ganho em casa, como um feito notável dos Alemães? A verdade é que a história deste mundial esconde uma série de peripécias que, normalmente, faria qualquer equipa sucumbir.

Primeiro, os prémios de jogo. Não foi só em Saltillo que aconteceu uma revolta. Em 1974, os jogadores da Alemanha Ocidental estiveram perto de se retirar da prova. Uma discussão entre Beckenbauer (o capitão) e a federação alemã deu origem a uma votação que resultou num empate. Ou seja, metade da equipa considerava que os 70.000 marcos oferecidos em caso de vitória eram insuficientes, preferindo não participar na competição (Selecções como a Itália e Holanda iriam receber verbas acima dos 100.000 marcos). Foi Beckenbauer quem, finalmente, acabou por convencer os seus companheiros a continuar em prova apesar da discordância com a Federação.

Segundo, o jogo com a Alemanha de Leste. Embora esta surpreendente derrota por 1-0 da Alemanha Ocidental tenha até sido positiva por ter evitado o confronto com Brasil e Holanda na fase seguinte, provocou um sério choque psicológico na equipa, particularmente no seu líder. Helmut Schoen era originário de Dresden (Alemanha de Leste) e aquele jogo representava mais para ele do que muitos embates decisivos. Nos dias seguintes ficou fechado no seu quarto, deprimido, e chegou a ser equacionada a sua substituição em plena prova. A solução acabou por ser, mais uma vez, a liderança de Beckenbauer que se aproximou do treinador, tendo sido responsável por algumas decisões que, à partida, não caberiam a um jogador.

Finalmente, a final. É verdade que a Alemanha era uma excelente equipa, mas a grande formação daquele tempo era comandada por Johan Cruyff. A Holanda começou a final a ganhar e a sua superioridade era quase unânime. Tão unânime que gerou alguma displicência dos holandeses, fatal, mais uma vez, perante a mentalidade alemã. Os holandeses reconheceram, depois, que queriam humilhar o seu adversário, e o preço dessa pequena arrogância deu-se no resultado: 2-1 para Alemanha.
O sinal da desordem que reinava por trás desta conquista alemã ficou patente nos festejos do título, com os jogadores a afastarem-se do plano organizado pela federação e com 4 jogadores (incluindo Muller e Breitner) a retirarem-se precocemente do futebol de Selecções.
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Esta força mental aparenta estar presente nos momentos de maior dificuldade e este é um dos motivos pelos quais a avaliação das capacidades germânicas não se deve ficar por uma análise estritamente técnico-táctica. Está dado o sinal de aviso para uma grande desconfiança em relação à oposição de Quinta Feira...

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