A partir desta escassez de observações, talvez seja melhor começar pelos aspectos mais gerais da organização colectiva, que são aqueles que se detectam mais facilmente. Estruturalmente, o ponto que mais destaque me merece é o papel dos médios. Jardim distingue as relações entre os centro campistas em função de ter, ou não, a bola. Isto é, o 4-3-3 que se vê com bola, com um médio mais posicional, transforma-se num 4-4-2 quando a equipa aborda a organização contrária, definindo três linhas bem evidentes, com um dos médios (até aqui André Martins) a juntar-se ao avançado, e distribuindo simetricamente o papel dos dois médios que se posicionam na segunda linha defensiva. Num defeso que parece destinado a debates sobre "pivots" e "duplos-pivots", podemos perguntar se, afinal, o Sporting joga com "mono pivot" ou com um "duplo pivot"? ou se o seu sistema será 4-3-3, 4-2-3-1 ou 4-4-2? Honestamente, estas questões de nomenclatura dizem-me muito pouco, até porque, como é o caso, frequentemente quando escolhemos um rótulo passamos a omitir uma parte da história. Seja como for, esta opção de Jardim em relação ao papel dos médios parece-me ter implicações importantes em relação à dinâmica da equipa. Particularmente, o posicionamento dos dois médios mais adiantados, quando em posse de bola, tem uma tendência prevísivel para conservar alguma assimetria, com o lado direito a ter um médio com maior propensão ofensiva do que o seu homologo do lado contrário. Aliás, a julgar por estes dois jogos, a ideia pode até passar por promover uma permuta frequente entre o médio interior direito e o extremo do mesmo lado. Enfim, a consequência principal de tudo isto tem a ver com as implicações na dinâmica ofensiva da própria equipa, sendo provável que a assimetria seja uma das características deste novo Sporting.
É claro que as ideias estruturais definem sempre muito pouco do potencial colectivo, e quaisquer que fossem as ideias de Jardim, a questão decisiva seria sempre a mesma: eficácia! É esse o destino pretendido para a viagem, e para lá chegar, diria eu, é preciso uma filosofia de jogo ajustada à realidade, especificidade e, claro, qualidade. Destes três factores (que forçosamente interagem), parece-me que é no primeiro que o Sporting leva um trabalho mais adiantado. A equipa não fez dois jogos brilhantes - provavelmente não poderia mesmo fazer nesta fase - mas soube sempre adaptar-se às diversas circunstâncias que lhe foram surgindo. Em particular, foi sempre uma equipa bem organizada e solidária, conseguindo manter quase sempre uma boa presença numérica na zona da bola, o que facilitou a tarefa dos seus defensores. Paralelamente, foi também uma equipa pragmática com bola, cometendo muito poucos erros em fase de construção, o que é decisivo para precaver situações mais complicadas em termos de transição defensiva. Por tudo isto, parece-me que o ponto decisivo para a definição do patamar que este Sporting pode, ou não, atingir reside no binómio especificidade-qualidade. Apelando um pouco à memória, a boa equipa que Jardim conseguiu construir em Braga tinha precisamente na especificidade uma das suas marcas mais fortes (conjuntamente, também, com a assimetria), com as principais dinâmicas a ir ao encontro das características dos seus intérpretes. Neste aspecto, em Alvalade Jardim ainda tem um longo caminho a percorrer, mas sou da opinião de que é pela via da especificidade que o Sporting poderá alavancar a sua qualidade e, consequentemente, a eficácia dos seus processos.
No plano individual, o tempo de análise não me permite conclusões muito sólidas. Por isso, e apesar de ser sempre este o ponto que mais interesse gera nesta altura da época, não me quero alongar em grandes considerações. Ficam, ainda assim, as minhas notas sobre dois jogadores em destaque neste inicio de temporada, reforçando de novo que o tempo para grandes ilações é ainda escasso: William Carvalho e Maurício. Quanto ao primeiro, é de facto uma boa revelação, mas não posso ainda partilhar de algum entusiasmo excessivo. Surpreendente sobretudo a sua eficácia e sobriedade em posse, mas há um enorme exagero em relação à sua capacidade interventiva na fase defensiva. A sua imponência talvez sugira que seja um grande recuperador de bolas, mas creio que terá ganho essa reputação sobretudo por via das suas características físicas. Como todos sabemos, porém, o físico está longe de ser assim tão explicativo, e a verdade é que William Carvalho não protagonizou, em qualquer dos dois jogos televisionados, um número invulgar de intervenções defensivas. Quanto a Maurício, o tempo é ainda curto para conclusões e beneficiou do bom comportamento colectivo, mas revelou-se um jogador bastante assertivo nestes primeiros dois jogos. Com bola, não será provavelmente um primor técnico mas manteve sempre um bom critério, o que é o fundamental para a sua posição. Sem bola, revelou-se um jogador bastante dominador na sua zona de intervenção, ganhando a esmagadora maioria dos duelos, seja em organização, seja em transição. Provavelmente terá testes mais complicados, mas não deixa de ser um bom começo.