3.1.08

Futebol Inglês: O erro de Charles Hughes

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A propósito da nomeação do novo treinador Inglês escrevi aqui sobre uma “visão estrategicamente errada” que aprisionou o futebol inglês a uma rigidez táctica que consistia na aplicação do 4-4-2 e de uma filosofia de jogo muito própria, conhecida como o “Kick ‘n rush”. Volto agora a esse tema para uma reflexão sobre o porquê do sucedido...

Começo por citar uma profecia de um tal de Charles Hughes em 1989: “O Brasil muito dificilmente poderá voltar a ser Campeão Mundial, a não ser que mude a sua forma de jogar..”. Este senhor referia-se concretamente àquilo que considerava ser um estilo de jogo que contemplava um exagerado número de passes entre os seus jogadores. O problema destas afirmações para a Inglaterra é que elas são o resultado de uma profunda convicção de um dos homens que mais influência teve na formação do futebol do país na segunda metade do sec.XX. Charles Hughes foi um dirigente da FA durante décadas e que sustentou a sua visão do jogo num pormenorizado e interessante estudo estatístico. Foram destacadas as zonas a partir das quais as equipas marcavam mais golos, a influência das situações de bola parada e o número médio de passes das jogadas que davam origem a golos. Fascinado com os resultados do estudo, Hughes precipitou-se para conclusões que ignoram o facto da estatística ser uma consequência do jogo, e não o contrário. Para ele, se das situações de bola parada resultava um elevado número de golos, então as equipas deveriam tentar maximizar o usufruto deste tipo de lances. Se o número médio de passes das jogadas que davam origem a golos era cerca de 5, então não fazia sentido valorizar a posse de bola. Se uma equipa marcava 20% das vezes em que chegava com a bola a uma determinada zona, então deveria tentar colocar o máximo número de vezes a bola nessa mesma zona. Todas estas, eu diria, enviesadas conclusões aconselhavam uma abordagem directa ao jogo e a influência de Hughes encarregou-se de fazer com que isso acontecesse no futebol Inglês, explicando-se assim o estilo que durante tantos anos o caracterizou.

Os ensinamentos de Hughes, que foram durante décadas reproduzids nos cursos de treinadores dos países britânicos, tinham igualmente o 4-4-2 como sistema preferencial, mas como se compreende, o “esqueleto” não era o essencial para o sucesso segundo a “fórmula Hughes”. Assim, as variações tácticas passaram a ser desvalorizadas pela cultura britânica que assumiram o 4-4-2 por ser o sistema que mais racionalmente dispõe os jogadores no terreno (curiosamente, em Portugal ouve-se dizer que é o 4-3-3, mas essa é outra discussão). Na cultura britânica um treinador raramente era responsabilizado pelas suas opções tácticas. Os adeptos, influenciados pela implementação destas doutrinas (e também pela sua natural relação com o jogo) responsabilizam muito mais facilmente um treinador pela falta de atitude da equipa do que pelas suas limitações tácticas. Por isso as equipas são sempre aplaudidas desde que os adeptos reconheçam o seu esforço e, também por isso, o futebol inglês mergulhou na inflexibilidade táctica do 4-4-2.

Sendo a Inglaterra um país reconhecidamente orgulhoso em relação às práticas e costumes, demorou muito tempo a reconhecer o falhanço da sua doutrina. Apenas no final dos anos 90 se começaram a verificar em campo as primeiras tentativas de mudança, com a importação de jogadores e treinadores capazes de introduzir outra mentalidade nas equipas da Premier League. Hoje, o futebol do primeiro escalão Inglês é marcadamente diferente e muito mais sensibilizado para as questões tácticas do jogo. Nomes como Wenger, Eriksson, Mourinho, Benitez, Houlier, Ranieri e agora Capello trouxeram ensinamentos importantes ao futebol Inglês e se, no caso da Selecção, os resultados podem ser mais demorados, no que respeita aos clubes, o nível do topo da tabela é já hoje superior a qualquer liga europeia, sendo a tendência, não tenho dúvidas, favorável à mais milionária liga do mundo.

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