A meia final “do costume” não teve em termos estratégicos uma história muito diferente do passado, isto apesar da ausência de Mourinho. Sem surpresas em termos de sistema (4-4-2 do Liverpool, com Gerrard a fazer a ligação entre o meio campo e Torres, e o 4-3-3 do Chelsea onde sobressaia a ausência do “pulmão” Essien) e também em termos de abordagem ao jogo.
Os primeiros minutos foram marcados, como no passado, por uma preocupação mutua pelo controlo do jogo. Em termos práticos, isto significou, sem bola, dois blocos que definiam a linha de meio campo como o inicio da sua zona de pressão, que esperava por um passe mais arriscado para dar inicio a uma transição. Claro que ambas as equipas estavam alertadas para esta “ratoeira” e por isso a posse de bola era marcada por muitas cautelas, mais valendo o recurso ao jogo directo do que o risco de um passe vertical para a respectiva zona. Como um jogo de xadrez, a partida seguiu dentro destas coordenadas à espera de um desequilíbrio pontual que o mudasse. Aqui é fundamental um aspecto: a concentração.
O primeiro tempo reservou alguns momentos que poderiam ter rompido esta espécie de pacto estratégico. Um notável passe de Xabi Alonso que encontrou na perfeição a diagonal do extremo Kuyt, um erro de Arbeloa que reagiu erradamente a um momento de pressão do Chelsea, efectuando um passe que deu inicio a uma rara e perigosa transição do Chelsea. Uma transição defensiva menos conseguida pelo Chelsea, não controlando uma jogada que se iniciou com um 1x1 de Babel e que terminou com Torres na cara de Cech após alguns ressaltos que o Chelsea não conseguiu ganhar. Até que, finalmente (aos 42’), surgiu o lance que mudaria as coordenadas para o segundo tempo, o golo de Kuyt. A jogada surge de um duplo erro de Lampard. Primeiro, deixando que o Liverpool cobrasse rapidamente um livre a meio campo, com a sua defensiva desposicionada (o que lhe diria Mourinho se fosse treinador!). Depois, facilitando à entrada da área e numa posição pouco favorável para sair a jogar. Finalmente, nota para a forma acidental como a jogada foi construída, o que terá também contribuído para a abordagem disparatada de Makelele que possibilitou que Kuyt ganhasse condições para finalizar.
A segunda parte tinha de trazer, forçosamente, mudanças da parte do Chelsea. Elas sentiram-se num recurso mais declarado ao jogo directo, tendo sempre Drogba como referência. Cech, por exemplo, passou a colocar permanentemente a bola no costa marfinense. Outro aspecto foi o carácter menos posicional do bloco perante a posse de bola do Liverpool. A verdade é que foi o Liverpool quem mais partido tirou destas alterações. Primeiro porque controlou sempre o recurso a Drogba e, depois, porque foi inteligente e capaz em posse de bola, fazendo um bom uso dos espaços (lateralmente) e ultrapassando sempre o primeiro “pressing” do Chelsea. Mas o Liverpool não saberia manter este controlo na partida. Aos 66’ acontece um lance que marca os 20 minutos seguintes, invertendo a tendência do jogo. Algo irracionalmente, o Liverpool passou a tentar pressionar alto a partir de certas jogadas, criando um espaço entre linhas que a boa qualidade de circulação de bola do Chelsea passou a saber explorar e que proporcionou, nessa altura, uma ocasião flagrante a Malouda. Por estranho que parecesse, o Liverpool perdera parte do controlo do jogo por permitir que o Chelsea fosse ameaçador em transição, mostrando-lhe um caminho alternativo à solução Drogba.
Se a eliminatória frente ao Arsenal havia tido uns 10 minutos finais atípicos, Anfield foi novamente palco de uma oscilação de emoções, agora desfavorável ao seu público. A tal tendência ascendente do Chelsea foi perdendo gás e parecia completamente evaporada quando dois erros em posse de bola (1 sob pressão, o outro num passe precipitado de Makelele) proporcionaram, primeiro a Gerrard, depois a Torres dar outro rumo à eliminatória. Para que o golpe de teatro fosse ainda maior, Anfield terá sentido alguma injustiça um pouco antes do minuto final, quando Torres falhou mais uma oportunidade, após ficar livre num canto que ilustra a queda de concentração do Chelsea nos últimos minutos. Eis que, então, surgiu o tal golpe de teatro – uma novidade em relação às meias finais entre estas 2 equipas – com Riise a medir mal o efeito que a bola ganhou ao bater na relva e, com isso, um cruzamento desesperado de Kalou num precioso empate.
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Contas feitas, o Chelsea conseguiu um golpe de felicidade quando menos o merecia, num jogo em que o Liverpool parecia, mais uma vez, levar a melhor com a sua estratégia do “erro minímo”. Para a segunda mão, creio estar tudo em aberto. Há uma nuance importante e que foi determinante nesta fase da competição em 2007. O Chelsea joga uma partida decisiva no fim de semana, ao contrário do Liverpool e isso deverá ser determinante para as condições de ambas as equipas no segundo jogo.