27.8.13

Benfica: o desafio de recuperar o entusiasmo

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Não tenho qualquer pejo em confessar-me apreciador das equipas de Jesus. Não será tanto pelo estilo, embora esse também seja um ponto apelativo, mas antes pela qualidade táctica que reconheço às formações que orienta. Qualidade táctica e identidade, porque há também algo de marcante no seu modelo de jogo. Para mais, acho que o Benfica ganhou significativamente a partir do momento em que teve a felicidade de contar com o treinador, parecendo-me ser necessário um grande esforço argumentativo para defender o contrário. Fica, então, claro que estou de acordo com o prolongar do seu ciclo? Bem, as coisas não são assim tão simples...

Do ponto de vista racional, e pelo que escrevi acima, sem dúvida que Jesus é uma activo importante para o Benfica, não se justificando o risco da sua substituição (aqui contemplo apenas o aspecto técnico). A minha primeira intuição é, como sempre, seguir o flanco lógico do raciocínio, mas também já acompanho o futebol há tempo suficiente para saber que há um outro lado que não deve nunca ser desconsiderado: a emoção, pois claro. O plano emocional, estamos fartos de ter exemplos, facilmente transborda e inunda tudo o resto, e se há coisa para a qual o plano emocional dos adeptos portugueses tem pouca paciência - para além de árbitros - é para treinadores. Por isso é que não se aconselha a algum clube português que alicerce as suas aspirações de médio/longo prazo numa única figura de treinador mas, antes sim, que seja capaz de regenerar, em ciclos relativamente curtos, a qualidade nessa função. Os 'case study' dos managers ingleses, por muito sensatos que pareçam, dificilmente terão uma aplicabilidade prática no contexto português.

E aqui está o problema da decisão do Benfica em manter o seu treinador: por muito acertada que tenha sido do ponto de vista racional, também acentuou o cansaço dos adeptos, retirando-lhes o indispensável entusiasmo de que se alimentam. Como o lado emocional tem uma volatilidade algo maniqueísta, depressa essa falta de entusiasmo transbordou para a contestação, afectando a própria equipa. O Benfica - ou melhor, a actual equipa do Benfica - tem agora pela frente o desafio de recuperar o entusiasmo nos seus adeptos, e se não o fizer dificilmente sobreviverá...

Aqui ficam as minhas considerações sobre o jogo:

- Ainda estou na dúvida sobre o que será mais improvável: que o Benfica tenha resgatado a vitória nos descontos, ou que lá tenha chegado em desvantagem no marcador. É que se a vitória foi arrancada a ferros, o que esteve prestes a acontecer foi do mais incrível que a minha memória me permite recordar. Uma equipa completamente dominadora, nem sempre com a melhor lucidez, é certo, mas criando um número significativo de ocasiões, não só não conseguia marcar como se via a perder por ter oferecido, ela própria, a única ocasião de golo de que o adversário desfrutou. Este instinto suicidário do Benfica vem-se prolongado, e continua a ser para mim um mistério os detalhes de tão minuciosa propensão para a desgraça. Não são só os erros individuais e os golos perdidos, é também a eficácia dos adversários. 3 golos sofridos em 3 ocasiões, na liga!

- O Gil apresentou-se na Luz num 4-1-4-1 muito compacto, com a linha defensiva a subir e o bloco a iniciar a pressão na linha divisória do terreno. A excepção era Bruno Moraes - o elemento mais adiantado - que tentava condicionar individualmente Matic, reduzindo a sua influência na primeira fase de construção. O Benfica demorou algum tempo a adaptar-se a esta estratégia, que encurtava o espaço entrelinhas e colocava sempre 3-4 jogadores sobre os corredores laterais, por onde o Benfica preferencialmente progride. A opção era explorar a forma como linha defensiva se expunha na profundidade, mesmo quando o portador da bola não estava condicionado, com passes para essa zona. O Benfica demorou a criar oportunidades de golo claras porque foi tangencialmente apanhado em fora de jogo nas suas primeiras investidas. No entanto, assim que começou a sentir-se desconfortável com o espaço nas costas, o Gil passou também a duvidar da eficácia da sua própria estratégia, defendendo mais intuitivamente e mais baixo, aumentando o espaço entrelinhas. No final da primeira parte, as ocasiões começaram a suceder-se, com o Benfica a ser mais repentista no ínicio dos seus ataques e a potenciar assim a desorganização momentânea no bloco contrário. Claramente, Gaitan foi a unidade mais inspirada e um elemento importante no crescimento da equipa ao longo do jogo.

- Mas o domínio completo que o Benfica impôs não se explica apenas por aquilo que aconteceu quando a equipa tinha a bola. Em construção, o Gil tentou colocar directamente a bola no meio campo contrário, mas nem usou uma referência fixa para esta iniciativa, nem revelou qualquer eficácia na sua intenção. Repetidamente, era o Benfica quem ficava com a bola, e o sentido de ataque mantinha-se. Por outro lado, quando recuperava a bola o Gil nunca conseguiu evitar a reacção à perda adversária, o que fazia com que o jogo se perpetuasse no meio campo da equipa de Barcelos.

- Na segunda parte, e com o Gil já a defender-se em zonas muito mais baixas do que inicialmente tentou fazer, o Benfica apareceu mais lúcido na circulação, ligando corredores para potenciar o espaço nas laterais e fazendo bom apelo ao espaço entrelinhas, especialmente com os movimentos de Rodrigo. A inspiração no último terço, porém, foi sempre escassa neste período do jogo e embora tenha criado algumas boas ocasiões, o Benfica ficou aquém do que poderia ter feito. Depois, subitamente, surgiu a oferta de um golo ao Gil, e tudo se complicou...

- Por vezes, questiono-me se os treinadores sabem que não são obrigados a fazer todas as substituições. Colocar Markovic e Djuricic, percebe-se. Tirar Salvio e Rodrigo, também, já que o rendimento de ambos não foi constante e o argentino vinha até de lesão. Agora, tirar Gaitan, a unidade mais inspirada no jogo, para introduzir Sulejmani (deve ter criado menos ocasiões em todos os minutos em que foi utilizado pelo Benfica, do que Gaitan em apenas meia parte deste jogo)!? É certo que foi o sérvio a cruzar para o golo milagroso de Lima, mas isso não pode invalidar a minha discordância com a decisão...

- Se foi efeito desorientador do golo sofrido, ou apenas o reflexo das alterações feitas, é impossível saber, a verdade é que o Benfica perdeu notoriamente lucidez nos últimos 15 minutos do jogo, o que vem acentuar ainda mais o carácter milagroso do que sucedeu nos descontos. Nesse período, e em contraciclo com o resto da equipa, porém, sobressaiu Markovic. Já havia ficado claro na pré época que o jovem sérvio é o grande reforço da equipa, e provavelmente uma das melhores aquisições do clube nos últimos anos, caso continue a progredir, como é expectável que aconteça.

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