15.10.07

O "problema do ponta de lança" - uma questão cultural?

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É um mal que afecta o futebol português há muitos anos e, se não constitui novidade, pode pelo menos dizer-se que já era tempo de haver um plano para que a nossa futebol ajudasse a dissipar o famoso “ problema do ponta de lança ”.
A lacuna percebe-se, numa primeira fase, pelo contraste entre as exigências do futebol de base e o de mais alto nível. Nos escalões mais jovens uma frente de ataque móvel e dinâmica é suficiente para garantir um numero considerável de golos e, por isso, características como a técnica e a velocidade são a primeira das prioridades. Jogadores habituados a muitos golos enquanto jovens encontram depois dificuldades para se adaptar à denominada “ posição 9 ”, acabando por encontrar mais enquadramento em zonas mais distantes da baliza contrária.
A formação é, sem dúvida, o primeiro dos factores para a razia de qualidade nos ponta de lança mas não é, no entanto, o único. Peguemos no exemplo do que aconteceu no fim de semana passado na Holanda, onde o brasileiro Afonso Alves marcou 7 golos num jogo em que o Heerenveen venceu por 9-0... Não é sequer preciso ser-se um observador atento do futebol português para se antecipar que este seria um cenário quase impossível em solo luso. Com efeito ser goleador em Portugal não é fácil, as equipas têm uma grande preocupação defensiva, concedem poucos espaços e, sobretudo, poucas oportunidades. Sendo a confiança uma característica fundamental da “ arte do ponta de lança ”, torna-se pois difícil que esta se desenvolva existindo tão poucas ocasiões. Um olhar mais atento ao passado recente do futebol português facilmente detectará que, não só Portugal tem dificuldade em formar pontas de lança, como as próprias equipas não encontram facilidades em contratar jogadores que vinguem nesse posição, apesar do muito investimento feito em potenciais goleadores. Não me parece, de resto, coincidência que Pauleta, o melhor ponta de lança luso dos últimos anos tenha feito a sua carreira além fronteiras. Teria Pauleta atingido o mesmo sucesso se, em vez de Salamanca, tivesse rumado a uma equipa de meio da tabela da nossa Liga?
A liga holandesa, pela sua dimensão comparável ao campeonato português, é um exemplo contrastante. Muitos foram os 9 que despontaram naquele campeonato, onde se marcam muitos golos e onde, também, aparecem jogadores com uma conta pessoal bem mais dilatada. Os holandeses fazem, de resto, do ponta de lança o seu principal “ produto ” de exportação, e se a qualidade é em muitos casos inegável, há que ter em conta que a filosofia futebolística da liga ajuda certamente, tanto no seu desenvolvimento, como na sua promoção. Outro exemplo, ainda que mais bem apetrechado financeiramente, é o da Bundesliga, e é aqui que chegamos ao caso do 9 mais recente da Selecção: Hugo Almeida. O avançado tem aparecido a marcar golos no Werder Bremen e dificilmente se pode dizer que tenha evoluído especialmente neste tempo. Simplesmente, a titularidade no Bremen, para um avançado, quase que obriga a marcar golos e é isso que tem acontecido com Hugo Almeida. Os efeitos que virão dos remates bem sucedidos para o instinto goleador do jogador são ainda desconhecidos, mas arrisco que a Bundesliga pode bem ter sido a melhor das decisões na carreira de Hugo Almeida e, possivelmente, um exemplo a ter em conta por aqueles que querem vingar como goleadores...

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