2.10.14

Notas da Champions #2

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Sporting - Chelsea
Esta passagem de Mourinho por Alvalade fez-me lembrar a popular fábula de La Fontaine, do corvo e da raposa. Mourinho, qual raposa, queria roubar o queijo (3 pontos) ao Sporting, e para tal resolveu começar por elogiar a coragem do seu adversário, convidando-o a cantar, que é como quem diz a "jogar para ganhar". Ou seja, sugeriu Mourinho que o Sporting jogasse de forma aberta perante um adversário mais forte, coisa que como sabemos bem ele próprio não faz em idênticas circunstâncias. Seja ou não pelo incitamento da raposa, a verdade é que o Sporting, tal e qual como o corvo, cantou. Abriu o bico, e ao fazê-lo facilitou de sobremaneira a tarefa à raposa. Mas há uma diferença fundamental entre esta história e a de La Fontaine. É que ao contrário da ave necrófaga na fábula, o Sporting não se achou iludido pela raposa, culpando ao invés a má fortuna do queijo lhe ter caído do bico enquanto cantava, como se fosse provável que outra coisa tivesse acontecido. E, assim, tudo acabou em bem, a raposa satisfeita com o queijo e o corvo conformado com a má sorte, mas agradecido à gentil raposa por tão simpáticas palavras na sua visita.
Não quero com isto dizer, obviamente, que o Sporting devesse ter tido grandes ilusões neste jogo, mas estou em completo desacordo com os elogios à prestação da equipa. O ponto mais grave - e é grave! - tem a ver com as dificuldades e debilidades reveladas no processo defensivo. O Sporting pode resignar-se à sorte de não ser capaz de vencer uma equipa que lhe é indiscutivelmente superior, mas o mesmo não deverá fazer relativamente à qualidade dos seus comportamentos defensivos. Já havia antecipado aqui dificuldades específicas para este jogo no que respeita ao controlo da profundidade, mas ainda assim tenho de me confessar surpreendido pela vulnerabilidade da equipa nesse ponto particular. E aqui estendo a minha critica à opção estratégica, que abordei no primeiro parágrafo, porque se o Sporting tinha tantos problemas no controlo da profundidade e ia jogar perante uma equipa cuja principal força residia precisamente no bom aproveitamento que faz do espaço, então não se pode entender que faça sentido algum abordar este jogo assumindo tanto risco no adiantamento do bloco e da última linha. Não admira que Mourinho tenha sugerido que o Sporting jogasse "para ganhar"! Há obviamente aspectos positivos a retirar da exibição, e continuo a pensar que existe esta época maior potencial, nomeadamente em termos ofensivos, mas o Sporting só poderá ser uma equipa na plenitude das suas potencialidades - e isso poderá até não chegar para se bater com o Chelsea de igual para igual, ou até para ombrear pelo título até ao fim - se tiver patamares de organização mais elevados do que os actuais. E, a este respeito, a tendência mediática é e tem sido para olhar para o lado individual da questão e crucificar, um a um e a gosto de cada qual, os diferentes protagonistas. Ora, a mim essa parece-me uma perspectiva meramente destrutiva de ver as coisas, e por duas razões. Primeiro, porque se é inquestionável que existem lacunas do ponto de vista individual, o que se detecta é uma dificuldade transversal de todos os jogadores para interpretar alguns dos comportamentos que lhes são pedidos (alguns desses comportamentos parecem-me, em si mesmo, questionáveis). Depois, porque no que respeita ao processo defensivo o peso da componente colectiva é enorme e muito maior do que no processo ofensivo, não faltando exemplos de jogadores que, de uma época para outra, apresentam níveis exibicionais completamente diferentes, apenas por mudar de contexto colectivo. Ou seja, os problemas defensivos não me parecem um fado pelas limitações individuais, mas sê-lo-ão seguramente se  colectivamente não houver capacidade para corrigir estes aspectos. Por fim, deixo uma questão sobre a exibição de Rui Patrício: em média, qual a probabilidade de um jogador isolado perante o guarda-redes (1x0) fazer golo? Talvez não seja tanto quanto à primeira vista se possa pensar...

Shakhtar - Porto
Lopetegui pode ter conseguido resgatar um resultado positivo da Ucrânia, mas receio que o seu estado de graça esteja definitivamente encerrado com as opções que tomou para esta partida. Aliás, os golos de Jackson têm esse duplo efeito de, por um lado, salvarem o treinador da derrota, e por outro reforçarem o erro que terá sido deixar o colombiano de fora. Mas, terá sido mesmo um erro? É que Lopetegui diz que o jogador tinha problemas físicos, e sendo assim não haverá muita margem para críticas. E relativamente a Marcano? Pois, já sabemos que existe o preconceito negativo, entre adeptos e crítica, relativamente ao uso de defesas centrais nessa posição, talvez por dar uma imagem muito defensiva, mas a verdade é que os factos acabam por dar razão ao treinador espanhol nesta sua opção. Marcano teve, efectivamente, uma exibição irrepreensível, com boa capacidade de intervenção defensiva na sua zona e praticamente sem mácula do ponto de vista da presença em posse, como o próprio Lopetegui salientou.
Bem vistas as coisas, o Porto fez um bom jogo na Ucrânia, perante um adversário complicado, e se esteve tão perto da derrota isso nada teve que ver com alguma perda de controlo defensivo, porque tudo o que o Shakhtar criou foram as duas situações de golo, e ambas na sequência de erros individuais. A maior crítica, na minha perspectiva, deve estar novamente orientada para o futebol algo estereotipado da equipa, que voltou a procurar incessantemente os corredores laterais (excepto após a entrada de Quintero, claro) e que raramente conseguiu, em organização, aproveitar o potencial que a equipa tem.
Algumas notas mais sobre a exibição do Porto. Primeiro, sobre a ausência de Ruben Neves, que não me parece assim tão surpreendente depois das dificuldades que o jogador denotou frente ao Sporting. Depois, sobre os erros em posse, um ponto que tende a ganhar peso quando o patamar competitivo se eleva e a sublinhar a importância da segurança em zonas mais recuadas. Daí, discorde do ênfase que é dado à qualidade técnica dos centrais, quando o foco deve estar essencialmente no critério em posse. Finalmente, nota para a importância decisiva que tem tido a qualidade transversal do plantel nos momentos de dificuldade da equipa. Frente ao Sporting, Lopetegui fez entrar Tello e Oliver, mudando o jogo, agora introduziu Jackson, Quintero e Adrian, não só oferecendo à equipa características diferentes, como acrescentando-lhe até qualidade, relativamente ao que já tinha em campo. Não é comum.

Leverkusen - Benfica
Jesus afirmou no final do jogo que já esperava o tipo de jogo que o Leverkusen impôs e que a equipa perdeu simplesmente porque o seu adversário lhe foi superior. Confesso que, ao ver o jogo, fiquei com uma ideia diferente. Aliás, uma ideia fortemente reforçada pela agitação do treinador na linha lateral logo nos primeiros minutos, nomeadamente pedindo à equipa que deixasse de sair de forma apoiada a partir de trás. Se não foi surpreendido pelo pressing do Leverkusen, pelo menos foi surpreendido pela efectividade com que este foi implementado. Enfim, surpreendido ou não, a verdade é que o Benfica foi praticamente atropelado pela verticalidade e intensidade do seu adversário, não se apresentando devidamente preparado para fazer face a algumas das suas especificidades. Há a tal questão da construção, onde o Benfica não conseguiu soltar-se do pressing através de um jogo mais apoiado, nunca conseguindo encontrar espaços para fazer passes interiores, e solicitando quase sempre os laterais quando o Leverkusen estava preparado para pressionar os corredores. Neste particular, se o Benfica queria sair de forma apoiada (e Jesus rapidamente deixou de o querer), teria a meu ver de fazer mais uso do guarda redes para não ter de verticalizar quando e para onde o adversário queria. Não o fez. Outra opção passava por construir de forma longa, usando Derley como referência para a primeira bola, mas o problema aqui é que o Benfica nunca se posicionou bem para este tipo de solução, nomeadamente com os dois médios a baixar para receber e o próprio Talisca a aproximar-se muito de Enzo. Naturalmente, foi o Bayer quem ficou quase sempre com as segundas bolas e, tudo somado, o Benfica acabou encurralado no seu meio campo. Mas há ainda o processo defensivo, porque se o Benfica não se preparava para as segundas bolas ofensivamente, também não o fez no processo defensivo. A equipa pressionava a saída de bola do Leverkusen, que ficava sem linhas de passe para sair curto, mas colocava muitas unidades nas costas dos médios do Benfica, e por isso acabava quase sempre por ficar com a segunda bola, acelerando rapidamente e com boa presença numérica para abordar o último terço. Nota, ainda no que respeita ao desempenho defensivo, para o tempo que o meio campo levou para pressionar o portador da bola em diversas situações, deixando exposta a linha defensiva a situações muito complicadas de controlar. Um problema que tem acontecido com alguma recorrência recentemente.
O Benfica podia ser o primeiro cabeça de série do grupo, mas na prática há muito equilíbrio entre estas 4 equipas. Talvez o Benfica não esteja ainda num patamar que lhe permitisse bater-se de forma mais competente pelo apuramento - com Jesus, o "ponto de rebuçado" costuma vir mais tarde -, ou talvez a forma como a equipa abordou os jogos não o tivesse permitido, nomeadamente ao dar prioridade clara ao campeonato. O certo é que o Benfica é neste momento o mais forte candidato do grupo a ficar fora da Europa em Dezembro, e por isso esse é um cenário que nesta altura não deve estar fora das contas de ninguém, por muito que possa custar. A este respeito, o Benfica está neste momento numa posição oposta à do Porto, já que no campeonato usufrui de uma vantagem que lhe pode ser muito útil na luta pelo título e na Europa as contas estão muito complicadas. A boa notícia para Jesus é que, como bem sabemos, no final é quase sempre o campeonato que mais conta...

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