Contexto: para ganhar não basta ser "bom"
Pegando no exemplo de Mourinho em Espanha, o problema é que, por vezes, ser-se "bom", "muito bom", ou mesmo "excepcional", pode não chegar. É preciso ser "melhor", e isso, por muito frustrante que seja, nem sempre é controlável. No caso de Domingos, por exemplo, se o Porto repetir o rendimento deste ano, ganhar ou sequer ficar próximo disso será um objectivo irrealista de exigir. Esta é a primeira e mais importante ressalva sobre a missão a que Domingos se propõe: se estou certo que garantirá um salto qualitativo no rendimento e aproveitamento da equipa, também me parece bastante claro que a qualidade que Porto e Benfica apresentam no momento, não reservam tarefa fácil para o novo treinador do Sporting.
Salto qualitativo não depende de reforços
Diz-se e escreve-se que o Sporting precisa de uma "injecção" de qualidade no seu plantel para fazer melhor do que tem feito. Como fui escrevendo, é uma tese com que discordo. A qualidade pode não ser tanta como em casa dos rivais, mas é seguramente suficiente para que seja possível fazer muito melhor. O Sporting fê-lo no passado recente (com Paulo Bento), e com Domingos terá novamente condições para o fazer. Isto, é claro, não invalida que mais qualidade seja, no mínimo, aconselhável.
Táctica: Qual será o sistema?
Começando pelo lado mais popular da "táctica", o sistema está longe de ser uma certeza. É verdade que o seu Braga se caracterizou pelo 4-2-3-1, mas também é um facto que utilizou outras estruturas noutras experiências e, mesmo, que no Braga não revelou grandes problemas a promover alterações pontuais (por exemplo, na final de Dublin). Que a qualidade esteja muito mais alicerçada nos princípios do que na estrutura, é uma virtude que diz muito da maturidade táctica das suas equipas, mas isso não implica que se possa esperar de Domingos um perfil de "camaleão táctico", como foi Paulo Sérgio, por exemplo. A sua escolha para sistema base pode não ser uma certeza, mas é improvável que Domingos fuja da sua estrutura, uma vez escolhida.
Táctica: Privilégio pela lucidez
O (1)reconhecimento lúcido das prioridades objectivas do jogo, a (2)estabilização emocional pelo reforço da confiança nos processos e possibilidades de sucesso da equipa e, claro, a (3)organização colectiva, são os pilares do invulgar sucesso de Domingos. Aqui, reforço a importância das palavras "lucidez" e "confiança", porque se há marca nas equipas de Domingos que justifica a sua superação, é a resposta no campo emocional. É isso que justifica, por exemplo, a extraordinária resposta das suas equipas nos grandes jogos, ou a sua carreira em casa. Será um foco de curiosidade continuar a acompanhar a evolução destas tendências, agora no Sporting.
Táctica: o "mito" da transição
Depois do "mito" da herança de Jesus, esboçou-se outro, como forma de relativização do trabalho de Domingos: o "mito" de que teria um tipo de jogos com mais espaço do que acontece com os "grandes", e que, por isso, tiraria partido sobretudo dos momentos de transição. Mesmo que seja discutível a opinião sobre a qualidade das suas equipas nos diversos momentos do jogo, há um dado nesta tese que é absolutamente falso: há muito que as equipas "pequenas" abordam os jogos com o Braga da mesma forma que o fazem com os "grandes", e não é verdade que o Braga tenha tido, com Domingos, jogos de características diferentes, por exemplo, das que teve o Sporting. Como na tese da herança de Jesus, só não sabe quem não viu. Como disse, pode discutir-se a qualidade das suas equipas nos diversos momentos, mas não na base de "mitos".
Táctica: o desafio
O ponto de maior curiosidade que tenho ao nível táctico, passa por aquilo que Domingos tentará, ou não, fazer com mais qualidade no elenco. Ou seja, tendo melhores recursos técnicos ao seus dispor, é possível trabalhar-se melhor certos aspectos, particularmente em ataque posicional. Domingos tem-se destacado pela prioridade à segurança na fase de construção, reservando maior ênfase criativo para o último terço, seja em ataque rápido, ou posicional. Pessoalmente, não prevejo grandes alterações neste perfil de jogo. Neste sentido (e noutros), Domingos tem semelhanças com Paulo Bento, sendo previsível que a primeira fase de construção possa ser foco de atracção para grande parte das embirrações mediáticas, nos piores momentos.
Consequências na liga
A mudança de Domingos, de Braga para Alvalade, terá como primeira consequência previsível uma maior ameaça a Benfica e Porto na luta pelo primeiro lugar, e promete fazer dessa uma disputa a três, algo que já não acontece desde o fim da "era Paulo Bento". Por outro lado, porém, é previsível que o fosso entre os "grandes" e os outros seja de novo maior. Particularmente, será difícil esperar que o Braga volte a repetir feitos do passado recente. Não tenho opinião muito formada sobre o que poderá valer Leonardo Jardim, mas, seja quem for, será sempre improvável que os feitos de Domingos voltem alguma vez a ser repetidos. Ou seja, e repetindo que nada tem a ver com o sucessor de Domingos, parece-me que a aproximação do Braga aos "grandes" pode agora sofrer um retrocesso significativo. Esperemos por surpresas agradáveis...