O Mundial serviu, para mim, como o fim de todas as dúvidas em relação à capacidade táctica de Queiroz. Não tive a oportunidade de o explicar em detalhe na altura, e não vou voltar agora aos lances da África do Sul. Não vou, nem preciso, porque se há coisa que o jogo do Chipre serviu, foi para exacerbar todas as debilidades existentes num trabalho que, acredito, teve condições para hoje apresentar resultados práticos completamente diferentes.
O vídeo tem 7 lances com pormenores que considero, nesta altura e a este nível, crónicos e não pontuais. Inaceitáveis e não toleráveis. Antes dos lances, porém, deixo 3 pontos de síntese sobre esta temática:
1) Linha defensiva: As 3 semanas de trabalho antes do Mundial deveriam servir para adquirir comportamentos colectivos sólidos e coerentes. A estranha verdade? Portugal ficou pior. Escondeu-o no Mundial, porque baixou muito as linhas, e criou uma ilusão que confundiu "muito" com "bem" na arte de defender. Mesmo aí, porém, houve detalhes inaceitáveis ao nível do comportamento colectivo da linha defensiva. Detalhes com impacto decisivo e que limitaram drasticamente a qualidade de jogo da Selecção na África do Sul.
Frente ao Chipre, e com a equipa a tentar jogar mais alto, essas lacunas vieram ao de cima, até de uma forma exagerada, porque foi mau de mais para se acreditar que o que se viu possa ser “normal”.
A questão aqui não é filosófica. Ou seja, não passa por discutir entre a opção de se assumir um posicionamento alto ou baixo da linha mais recuada. Passa, isso sim, por uma exigência qualitativa. Porque, seja qual for a filosofia assumida, o mais importante é a qualidade do que se faz. Hoje – e vem do Mundial – vemos uma equipa com comportamentos tácticos de qualidade inaceitável nesta matéria e a este nível. Os custos, como se percebe, têm um potencial catastrófico.
2) Incoerência táctica: No Mundial vimos um modelo com princípios nunca antes trabalhados e testados. O sistema sim, mas os princípios, de bloco muito baixo e verticalizar constantemente para um Ronaldo isolado na frente, não. Incrível como isto aconteceu no planeamento de uma competição a este nível!
Contra o Chipre, tal como na questão do comportamento da linha defensiva, as coisas desceram ainda mais baixo. Qual a última vez que Portugal jogou com um “duplo pivot”? Quanto tempo de treino teve para trabalhar esse modelo? Pior é impossível? Por incrível que possa parecer, não! Tivemos ainda uma espécie de autismo ao longo do próprio jogo. As dificuldades da equipa neste aspecto repetiram-se ao longo dos 90 minutos, com golo atrás de golo e aviso atrás de aviso. Mas nada foi corrigido ou alterado em termos tácticos. Mesmo com o resultado a favor e tudo para assumir uma estrutura que garantisse mais estabilidade no “miolo”.
3) Critério de escolhas: Custa-me um pouco entrar por aqui, porque acredito que é a questão individual é sempre o ponto menos relevante. Ainda assim, há situações incontornáveis. Começou-se pela definição de uma inversão de política, um corte com os critérios do passado. Agora, só jogavam os melhores e não havia “lugares marcados”. Já houve outras incongruências com isto, mas com isso posso eu bem. Até porque acredito que menos capazes são aqueles que não mudam. Mas o que quero falar, hoje, é da utilização de Meireles neste jogo.
Começo por esclarecer que, por mim, Meireles teria “lugar marcado”. É um excelente jogador e, tenha os níveis mínimos de competição, creio que deve ser convocado. Daí até ser titular com "competição zero" em 3 meses, vai alguma distância. Mais difícil ainda se torna perceber como é que um jogador que normalmente não faz 90 minutos, no primeiro jogo competitivo da época e a jogar numa posição de maior exposição em termos de desgaste, de repente, joga 90 minutos. Meireles fez um jogo com erros pontuais e que lhe são incomuns, mas mesmo que não tivesse feito, as decisões em torno da sua utilização estão longe de ser compreensíveis e revelam um grande desnorte de quem lidera o processo.
É certo que o espaço que se abre entre as linhas defensiva e média começa por condicionar a pressão sobre o portador da bola, mas não isso não suficiente para que deixe de ser incrível como é que uma jogada em que só há 1 solução de passe, acaba desta forma. O problema da linha defensiva é que não assume nenhuma opção clara. Nem sobe para encurtar o espaço de ataque e usar o fora de jogo, nem desce para controlar a profundidade. Fica à espera do que o adversário possa decidir fazer.
Uma nota mais. Este é o único lance em que, na minha opinião, há uma responsabilidade significativa de Eduardo. Com a bola a saltar e numa posição lateral, a sua saída não podia ser daquela forma.
2 – Novamente, o mesmo problema. O primeiro passe de transição apanha logo uma zona central com desvantagem numérica portuguesa. Também se volta a notar a distância entre o médio e a linha defensiva. Valeu, no caso, a lentidão de decisão do jogador cipriota.
3 – Uma jogada um pouco diferente, mas igualmente elucidativa das dificuldades da linha defensiva portuguesa em adoptar um posicionamento eficaz.
A posse cipriota é forçada a recuar, a jogada baixa para trás da linha de meio campo e é totalmente previsível. Um canto podia parecer inimaginável neste cenário, mas a verdade é que acabou por ser apenas um mal menor. E bastou 1 passe vertical.
4 – Estas duas jogadas não têm consequência prática, mas talvez sejam aquelas que mais evidenciam o pouco trabalho que existe. São os tais detalhes que dizem muito sobre o trabalho existente. Subir rapidamente, quer numa situação, quer noutra, é um comportamento básico, que deve ser exigido a qualquer equipa de escalões de formação. Na Selecção, porém, os jogadores não estão alertados para essa necessidade. Mais tarde isto vai custar o empate, mas, repare-se como no primeiro lance há já 1 jogador sozinho na frente de Eduardo e que é colocado em jogo pela lentidão irresponsável da saída de Hugo Almeida. Se a bola tivesse saído para ali...
5 – A primeira coisa a dizer sobre o terceiro golo cipriota é que não se passa em ataque rápido. Não há transição. A raiz está numa falta que devia ser suficiente para prevenir desequilíbrios posicionais. Isto talvez seja o pior que se pode dizer da qualidade defensiva do jogo português.
De resto, o mesmo de sempre, exposição do “duplo pivot”, espaço entre linhas e uma linha defensiva que não faz a menor ideia do que quer fazer em campo. A jogada é, de novo, muito previsível. Miguel e Coentrão percebem rapidamente a facilidade que têm em isolar os avançados cipriotas em fora de jogo. Carvalho percebe tarde, mas a tempo. Bruno Alves nunca percebe. Estão todos a pensar isoladamente, num comportamento que tem de ser colectivo.
6 – Parece mentira, mas não é. Acontece outra vez! Em construção, de novo a mesma “lenga-lenga”, com a exposição na zona central do “duplo pivot”, com a criação de espaço entre linhas e com um passe vertical no fim disto tudo. A diferença é que aqui a linha defensiva estava mais baixa e, por isso, houve mais dificuldade em encontrar uma diagonal livre nas costas da defesa.
Uma nota importante é que isto se passa já com 4-3. Ou seja, havia já uma "bíblia" de exemplos que alertavam para os problemas tácticos deste comportamento defensivo e, ainda por cima, a equipa ganhava, pelo que não precisava de assumir riscos. Nada foi feito, porém.
7 – Vendo as coisas nesta sequência, nada pode parecer mais óbvio. No momento em que a primeira imagem pára, dá para ver o desenho do 4-2-3-1 que, mesmo numa situação baixa, expõe posicionalmente o “duplo pivot”. Isto acontece, primeiro, porque a estrutura nunca se alterou e, depois, porque não há da parte dos extremos uma consciência das necessidades tácticas do modelo em que estão a jogar. Em particular, era fundamental haver uma proximidade de Nani a Coentrão para evitar situações de 1x1.
Aqui, a exposição do “duplo pivot” acontece, mas não pelos mesmos motivos de todos os outros exemplos. Desta vez a dificuldade não é no controlo vertical dos espaços, mas sim lateral. Sem a ajuda dos extremos, os 2 médios têm de vir à direita e abrem espaço do outro lado, onde, depois, se cria a situação de remate frontal. Ao contrário do que chega a ser sugerido no comentário, não há qualquer responsabilidade de Coentrão.
Sobre a parte final do lance, fica evidente o ponto que considero fundamental (e gritante!), aliás, já antecipado em exemplos anteriores. É importante notar que a acção de Eduardo não é tão fácil como pode parecer. O remate é frontal, executado de primeira e numa jogada em movimento. É perfeitamente admissível que tenha dificuldade em controlar a trajectória da bola. O que não é admissível é haver 2 jogadores em condições de abordar a recarga a 2 metros da baliza. O que não é admissível é que Miguel não esteja precavido para a necessidade de subir assim que a opção do extremo foi no sentido de vir para dentro e não para a linha de fundo.
Frente ao Chipre, e com a equipa a tentar jogar mais alto, essas lacunas vieram ao de cima, até de uma forma exagerada, porque foi mau de mais para se acreditar que o que se viu possa ser “normal”.
A questão aqui não é filosófica. Ou seja, não passa por discutir entre a opção de se assumir um posicionamento alto ou baixo da linha mais recuada. Passa, isso sim, por uma exigência qualitativa. Porque, seja qual for a filosofia assumida, o mais importante é a qualidade do que se faz. Hoje – e vem do Mundial – vemos uma equipa com comportamentos tácticos de qualidade inaceitável nesta matéria e a este nível. Os custos, como se percebe, têm um potencial catastrófico.
2) Incoerência táctica: No Mundial vimos um modelo com princípios nunca antes trabalhados e testados. O sistema sim, mas os princípios, de bloco muito baixo e verticalizar constantemente para um Ronaldo isolado na frente, não. Incrível como isto aconteceu no planeamento de uma competição a este nível!
Contra o Chipre, tal como na questão do comportamento da linha defensiva, as coisas desceram ainda mais baixo. Qual a última vez que Portugal jogou com um “duplo pivot”? Quanto tempo de treino teve para trabalhar esse modelo? Pior é impossível? Por incrível que possa parecer, não! Tivemos ainda uma espécie de autismo ao longo do próprio jogo. As dificuldades da equipa neste aspecto repetiram-se ao longo dos 90 minutos, com golo atrás de golo e aviso atrás de aviso. Mas nada foi corrigido ou alterado em termos tácticos. Mesmo com o resultado a favor e tudo para assumir uma estrutura que garantisse mais estabilidade no “miolo”.
3) Critério de escolhas: Custa-me um pouco entrar por aqui, porque acredito que é a questão individual é sempre o ponto menos relevante. Ainda assim, há situações incontornáveis. Começou-se pela definição de uma inversão de política, um corte com os critérios do passado. Agora, só jogavam os melhores e não havia “lugares marcados”. Já houve outras incongruências com isto, mas com isso posso eu bem. Até porque acredito que menos capazes são aqueles que não mudam. Mas o que quero falar, hoje, é da utilização de Meireles neste jogo.
Começo por esclarecer que, por mim, Meireles teria “lugar marcado”. É um excelente jogador e, tenha os níveis mínimos de competição, creio que deve ser convocado. Daí até ser titular com "competição zero" em 3 meses, vai alguma distância. Mais difícil ainda se torna perceber como é que um jogador que normalmente não faz 90 minutos, no primeiro jogo competitivo da época e a jogar numa posição de maior exposição em termos de desgaste, de repente, joga 90 minutos. Meireles fez um jogo com erros pontuais e que lhe são incomuns, mas mesmo que não tivesse feito, as decisões em torno da sua utilização estão longe de ser compreensíveis e revelam um grande desnorte de quem lidera o processo.
Os lances
1 – Os problemas duraram até ao fim, mas os sintomas do descalabro começaram cedo. No primeiro golo, ficam patentes os 2 problemas crónicos da defensiva nacional ao longo do jogo. O primeiro, a dificuldade do “duplo pivot” em controlar a zona central. O segundo, a incompetência do comportamento colectivo da linha defensiva.É certo que o espaço que se abre entre as linhas defensiva e média começa por condicionar a pressão sobre o portador da bola, mas não isso não suficiente para que deixe de ser incrível como é que uma jogada em que só há 1 solução de passe, acaba desta forma. O problema da linha defensiva é que não assume nenhuma opção clara. Nem sobe para encurtar o espaço de ataque e usar o fora de jogo, nem desce para controlar a profundidade. Fica à espera do que o adversário possa decidir fazer.
Uma nota mais. Este é o único lance em que, na minha opinião, há uma responsabilidade significativa de Eduardo. Com a bola a saltar e numa posição lateral, a sua saída não podia ser daquela forma.
2 – Novamente, o mesmo problema. O primeiro passe de transição apanha logo uma zona central com desvantagem numérica portuguesa. Também se volta a notar a distância entre o médio e a linha defensiva. Valeu, no caso, a lentidão de decisão do jogador cipriota.
3 – Uma jogada um pouco diferente, mas igualmente elucidativa das dificuldades da linha defensiva portuguesa em adoptar um posicionamento eficaz.
A posse cipriota é forçada a recuar, a jogada baixa para trás da linha de meio campo e é totalmente previsível. Um canto podia parecer inimaginável neste cenário, mas a verdade é que acabou por ser apenas um mal menor. E bastou 1 passe vertical.
4 – Estas duas jogadas não têm consequência prática, mas talvez sejam aquelas que mais evidenciam o pouco trabalho que existe. São os tais detalhes que dizem muito sobre o trabalho existente. Subir rapidamente, quer numa situação, quer noutra, é um comportamento básico, que deve ser exigido a qualquer equipa de escalões de formação. Na Selecção, porém, os jogadores não estão alertados para essa necessidade. Mais tarde isto vai custar o empate, mas, repare-se como no primeiro lance há já 1 jogador sozinho na frente de Eduardo e que é colocado em jogo pela lentidão irresponsável da saída de Hugo Almeida. Se a bola tivesse saído para ali...
5 – A primeira coisa a dizer sobre o terceiro golo cipriota é que não se passa em ataque rápido. Não há transição. A raiz está numa falta que devia ser suficiente para prevenir desequilíbrios posicionais. Isto talvez seja o pior que se pode dizer da qualidade defensiva do jogo português.
De resto, o mesmo de sempre, exposição do “duplo pivot”, espaço entre linhas e uma linha defensiva que não faz a menor ideia do que quer fazer em campo. A jogada é, de novo, muito previsível. Miguel e Coentrão percebem rapidamente a facilidade que têm em isolar os avançados cipriotas em fora de jogo. Carvalho percebe tarde, mas a tempo. Bruno Alves nunca percebe. Estão todos a pensar isoladamente, num comportamento que tem de ser colectivo.
6 – Parece mentira, mas não é. Acontece outra vez! Em construção, de novo a mesma “lenga-lenga”, com a exposição na zona central do “duplo pivot”, com a criação de espaço entre linhas e com um passe vertical no fim disto tudo. A diferença é que aqui a linha defensiva estava mais baixa e, por isso, houve mais dificuldade em encontrar uma diagonal livre nas costas da defesa.
Uma nota importante é que isto se passa já com 4-3. Ou seja, havia já uma "bíblia" de exemplos que alertavam para os problemas tácticos deste comportamento defensivo e, ainda por cima, a equipa ganhava, pelo que não precisava de assumir riscos. Nada foi feito, porém.
7 – Vendo as coisas nesta sequência, nada pode parecer mais óbvio. No momento em que a primeira imagem pára, dá para ver o desenho do 4-2-3-1 que, mesmo numa situação baixa, expõe posicionalmente o “duplo pivot”. Isto acontece, primeiro, porque a estrutura nunca se alterou e, depois, porque não há da parte dos extremos uma consciência das necessidades tácticas do modelo em que estão a jogar. Em particular, era fundamental haver uma proximidade de Nani a Coentrão para evitar situações de 1x1.
Aqui, a exposição do “duplo pivot” acontece, mas não pelos mesmos motivos de todos os outros exemplos. Desta vez a dificuldade não é no controlo vertical dos espaços, mas sim lateral. Sem a ajuda dos extremos, os 2 médios têm de vir à direita e abrem espaço do outro lado, onde, depois, se cria a situação de remate frontal. Ao contrário do que chega a ser sugerido no comentário, não há qualquer responsabilidade de Coentrão.
Sobre a parte final do lance, fica evidente o ponto que considero fundamental (e gritante!), aliás, já antecipado em exemplos anteriores. É importante notar que a acção de Eduardo não é tão fácil como pode parecer. O remate é frontal, executado de primeira e numa jogada em movimento. É perfeitamente admissível que tenha dificuldade em controlar a trajectória da bola. O que não é admissível é haver 2 jogadores em condições de abordar a recarga a 2 metros da baliza. O que não é admissível é que Miguel não esteja precavido para a necessidade de subir assim que a opção do extremo foi no sentido de vir para dentro e não para a linha de fundo.