17.6.10

Diário de 'Soccer City' (#8)

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Ontem tinha deixado a opinião de que defrontar uma estratégia como aquela que a Costa do Marfim montou frente a Portugal seria um bico de obra para qualquer formação Mundial. Ora, nem de propósito, 24 horas depois tivemos um bom exemplo disso mesmo. Não que o jogo da selecção espanhola fosse idêntico ou, mais importante ainda, que se possa comparar a qualidade dos espanhóis com aquela que a selecção portuguesa apresenta na actualidade. As semelhanças estão, isso sim, naquilo que fizeram Suíça e Costa do Marfim, na sua proposta de jogo e numa abordagem que parece ter pegado moda neste Mundial. É disso que me parece mais interessante falar.

A ideia, em si mesmo, não é muito complicada de entender. Abdicar do pressing alto, baixar os avançados para trás do meio campo e subir a linha mais atrasada um bom par de metros acima da grande área. Assim, se cria a zona densa onde é difícil entrar sem ser de imediato apertado, onde se proporcionarão recuperações capazes de iniciar transições que tirem partido do espaço. Assim, e sempre dentro dessa zona, é possível ter uma presença pressionante a toda a largura do terreno.

Entre um caso e outro, são evidentes as diferenças do jogo português para o espanhol. Os portugueses, simplesmente procuravam um primeiro passe vertical, mas raramente dele conseguiam passar. Ou o receptor era de imediato apertado, ou a linha de passe seguinte não surgia a tempo de evitar o sufoco marfinense. No caso espanhol, a bola circulou com muito mais velocidade, com sucessivos apoios a serem criados e com uma velocidade de circulação que impedia que os defensores conseguissem estar permanente em cima do receptor.

A diferença passa, obviamente, pela qualidade individual, mas não só. Um dos requisitos para que se tenha uma boa circulação é conseguir criar também zonas de densidade ofensiva. Ora, isto parece contrariar o principio do “campo grande” que vem nos livros. Parece, e contraria mesmo, porque “campo grande” só tem utilidade quando a defesa é arrastada, porque quando a defesa define ela própria a zona em que quer actuar não serve de muito o “campo grande”. Talvez aqui resida uma primeira boa reflexão teórica, mas há mais...

Mas o que fez então de errado a Espanha? Não foi seguramente a qualidade de circulação. O que me parece não ter sido conseguido pelos espanhóis foi a capacidade de fazer “esticar” a zona suíça. Ou seja, obrigar a sua linha mais recuada a entrar dentro da área. Para isso, creio, o melhor caminho residiria em ter alguma profundidade nos flancos. Calma! Não convém confundir esta ideia com o eterno sofisma da necessidade de ter extremos a tentar permanentemente ganhar a linha para cruzar. Isso seria um “bónus” para a robusta defesa suíça.

Passo então a explicar... Para fazer a linha defensiva baixar e abrir espaços interiores, o melhor caminho é de facto pelas alas. É nos corredores que há menos congestionamento e nenhuma defesa se prepara especificamente para evitar a profundidade nos flancos, mas apenas para a controlar. Ora, se a bola passar a longitude da grande área, toda a defesa terá de recuar, abrindo espaços interiores. Se esta vier de novo para trás, ela terá de reajustar e de novo subir. É neste “vai e vem” que se criam as oportunidades de penetração para quem ataca. O exemplo disso está na jogada que terminou com a ocasião de Piqué, a melhor do primeiro tempo. O problema dos espanhóis, portanto, terá sido a falta de profundidade nos flancos na primeira parte, com a bola a circular, e bem, lateralmente, mas sem obrigar os suíços a “esticar” a sua zona. E assim praticamente voaram 45 minutos.

Uma nota final, porém. Desengane-se quem tirar muitas conclusões destes primeiros jogos. Ninguém ganhou, nem perdeu nada, e ninguém está significativamente mais perto nem mais longe de o fazer.



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