Não resto muito a fazer quando, a este nível e num contexto de tanto equilíbrio, uma equipa consegue o aproveitamento que o Real teve na primeira parte do jogo. A história da eliminatória ficou aí, e de forma praticamente irremediável, resolvida. Ou seja, o meu primeiro ponto vai para o peso da eficácia no resultado e na definição precoce de uma eliminatória que se pensava poder manter-se viva até bem perto do final. Agora, se a volumetria do placard se explica muito pelo capricho da eficácia, o mesmo não se pode dizer do desfecho da eliminatória ou de qualquer dos jogos que a definiram, com o Real a conseguir repetir um desempenho incomparavelmente mais bem conseguido, nomeadamente ao nível da proximidade do golo, por um lado, e do controlo defensivo, por outro.
Do ponto de vista do Real, já me havia confessado agradavelmente surpreendido na primeira mão, e a equipa voltou a mostrar-se muito forte dentro de uma estratégia diferente daquela que habitualmente utiliza, mas a meu ver perfeitamente adequada à especificidade do adversário. Aliás, mais do que os 5 golos marcados, surpreende a forma como o Real Madrid conseguiu anular quase que por completo o Bayern. E, aqui, não me reporto apenas à ausência de golos sofridos, mas sobretudo ao número muito escasso de ocasiões consentidas. Uma prova de qualidade e adaptabilidade estratégica que o Real não havia mostrado até aqui, mas que foi a meu ver absolutamente decisiva para o sucesso nestes dois jogos.
Se o Real me surpreendeu pelos motivos já expostos, diria que o caso do Bayern é ainda mais interessante, e por diversos motivos. Começo pelo tema da posse de bola, que parece servir para concluir tudo e o seu contrário, em função daquilo que os resultados vão sugerindo. Quando o Barça de Guardiola jogava no limite da perfeição, não faltava quem estabelecesse uma relação causal e linear entre estilo e sucesso. Agora, e particularmente para os criticos internos do treinador catalão, o estilo parece ser o que explica tudo aquilo que corre menos bem. Podem ser perspectivas radicalmente opostas, mas partilham do mesmo equívoco: confundem estilo com qualidade. É que, seja qual for o estilo escolhido, será sempre a qualidade da sua interpretação que irá determinar o sucesso ou insucesso da sua aplicação. E, aqui, chego ao segundo ponto, que tem a ver com a qualidade dos recursos do Bayern, comparativamente com o que tinha Guardiola no Barça. Já escrevi, e mantenho, que a qualidade do modelo do treinador é enorme, não fazendo sentido colocar isso em causa. Agora, uma coisa era implementar as suas ideias no Barcelona, onde a capacidade dos jogadores era, não só superior, mas perfeitamente enquadrada com o estilo pretendido, outra é fazê-lo no Bayern onde o potencial oferecido pelos recursos - ainda que sendo dos melhores planteis do mundo, obviamente - não é manifestamente o mesmo. A este problema junta-se um outro, e que tem a ver com o risco do modelo de Guardiola, algo a que também já me referi diversas vezes ao longo da época, nomeadamente por me parecer que o Bayern poderia ser relativamente vulnerável a este problema. Ou seja, nem todos os modelos de jogo têm o mesmo nível de risco e quanto maior este for, maior a sensibilidade à eficácia na interpretação das ideias que servem de base a esse mesmo modelo (e, por consequência, maior será também a exigência do modelo para quem o vai interpretar). Por exemplo, quando um treinador pretende pressionar a todo o campo, usar uma linha defensiva mais alta ou colocar sempre muita gente à frente da linha da bola, está implicitamente a expor-se a riscos mais elevados do que outros treinadores com uma visão mais prudente nestes aspectos tácticos do jogo. E é pela conjugação destes dois factores (risco elevado do modelo e menor capacidade dos jogadores para fazer frente a certos problemas) que a meu ver se explicam as duas derrotas pesadas caseiras que a equipa sofreu recentemente em casa, tendo ficado excessivamente exposta à volatilidade da eficácia no aproveitamento das ocasiões de golo: 0-3 frente ao Dortmund, e 0-4 frente ao Real.
Do ponto de vista de Guardiola, parece agora mais claro que a sua missão no Bayern será bem mais complicada do que aquela que teve em Barcelona. Por tudo o que escrevi acima, mas também pelo facto do título da Bundesliga lhe ser colocado como uma obrigação, ficando o grande peso da avaliação da sua performance relegado para a Champions, onde o formato da competição - a eliminar - torna muito mais difícil garantir uma relação directa entre o mérito/demérito próprio e o sucesso/insucesso. Do ponto de vista do clube, parece-me um disparate colocar o treinador em causa, não só pela qualidade que este obviamente acrescenta, mas porque seria uma aberração o mesmo motivo - estilo de jogo - servir para, primeiro, contratar o treinador e, ao fim de 1 ano, prescindir dele. No futebol, porém, já vimos de tudo. Pessoalmente, espero que o privilégio de assistir às equipas de Guardiola não seja de novo interrompido. Não tanto pelo estilo - estilos diferentes é o que não falta por aí -, mas sobretudo pela qualidade, essa sim rara e valiosa.