Atl.Madrid - Chelsea
O sorteio, no caso desta meia-final, tinha o condão de poder ditar, logo à partida, embates de características muito distintas. Pela diferença entre o potencial técnico das 4 equipas, e pela própria abordagem estratégica que decorre em grande medida dessa condicionante. Ao juntar Atlético e Chelsea, as sortes praticamente sentenciaram um duelo muito fechado, onde a organização defensiva e a protecção dos espaços essenciais se sobreporia, previsivelmente, à capacidade e potencial ofensivo de qualquer dos conjuntos. E foi precisamente isso que sucedeu nesta 1ªmão, ainda que com diferenças óbvias entre a postura das duas equipas.
Um ponto interessante a explorar, parece-me, é a questão do peso do factor casa na eliminatória e na estratégia dos treinadores. Contrariando uma perspectiva mais distanciada da vertente emocional do jogo, poderíamos supor que não faria diferença jogar primeiro ou fora. A verdade, porém, é que a história dos confrontos europeus mostra que o factor casa no jogo decisivo acaba ser mesmo uma vantagem nada desprezível. Neste caso, essa ideia pareceu estar muito claramente absorvida por Mourinho e pelo Chelsea, já que, mesmo com o 0-0 a permitir dois resultados possíveis ao Atlético no segundo jogo, Mourinho pareceu apostar tudo em levar esse resultado para o seu estádio. Estará errado? Provavelmente não, se considerarmos o que escrevi atrás. Agora, se isso se vai provar decisivo a seu favor neste caso concreto, já é outra conversa...
Em relação ao jogo, quero começar por comentar a abordagem estratégica do treinador português. Será discutível a sua opção, sem dúvida, e a riqueza deste jogo passa precisamente pelo debate em torno das ideias que cada um tem sobre a melhor forma de potenciar a vitória. Mas, sublinho, tendo sempre e apenas esse fim em mente e nunca em favor de qualquer idiossincrasia que ceda à tentação de inventar dogmas e moralismos tácticos que, não só são desprovidos de qualquer sentido lógico como apenas servem para atrofiar a riqueza intelectual de uma discussão que se quer tão aberta quanto possível. Cada treinador é, neste sentido, livre de fazer as suas opções estratégicas de acordo com os seus interesses - sejam estas certas ou erradas - e, por isso mesmo, saúdo a postura de Simeone que não se desculpou com os "autocarros" do adversário - expressão que ironicamente foi inventada pelo próprio Mourinho. O que me parece claramente criticável, por outro lado, é a incapacidade de ter bola que o Chelsea revelou, de resto completamente contrastante com a qualidade com que se defendeu perto da sua área. É certo que há muitas ausências que podem explicar parte do défice de capacidade do Chelsea neste particular, mas este não é um problema que se possa circunscrever a este jogo específico, sendo uma fragilidade que se vem arrastando com a equipa ao longo da época e que constitui o grande desafio do treinador português para os próximos anos.
Da parte do Atlético, confesso que não esperava tanto domínio territorial. Na maioria dos jogos internos, o Atlético confronta-se com equipas de perfil mais defensivo e a verdade, ao contrário do que situação classificativa sugere, é que raramente os consegue ultrapassar com grande facilidade. Nesse sentido, este não foi um jogo muito diferente daqueles que a equipa habitualmente disputa no seu estádio, talvez com mais domínio territorial e menos ocasiões claras de golo construídas. Parece-me que a ausência de Arda em 2/3 do jogo foi bastante relevante, já que é a unidade que oferece maior mobilidade e presença em posse à equipa, virtudes que fizeram falta durante boa parte do jogo na abordagem ao último terço, a meu ver excessivamente directa. O Atlético está a fazer uma época fantástica, e já elogiei aqui diversos aspectos da equipa, mas mesmo com todo o mérito que tenha, para atingir este patamar de sucesso a equipa 'colchonera' depende muito mais do factor aleatório do que em equipas como Real Madrid ou Bayern, que conseguem um volume de ocasiões consideravelmente maior do que os seus adversários em cada jogo que disputam. Convém, a este respeito, não confundir as coisas.
Para a 2ª mão sobram-me algumas dúvidas, nomeadamente na abordagem que ambas as equipas terão - especialmente o Chelsea. A perspectiva é que as coisas não fujam muito do que vimos no Vicente Calederon. O Chelsea com outra estrutura (regressando ao 4-2-3-1) e discutindo mais o jogo territorialmente, mas a ideia deverá passar sempre por manter o bluff até que a eliminatória caia para algum dos lados. Estes eram dois dos 3 "dark horses" (o outro era o Dortmund) que aqui havia perspectivado como possibilidade para disputar o título até ao fim, mesmo tendo um potencial técnico significativamente inferior a outros emblemas. Uma delas estará, com certeza, na final de Lisboa, e isso em si mesmo já é um feito assinalável.
Real Madrid - Bayern
De facto, não podia ter características mais diferentes este segundo embate das meias-finais. Grande potencial individual e, de parte a parte, uma mentalidade muito orientada para a vertente ofensiva... Bem, na verdade não foi exactamente assim que tudo se passou, e em grande parte porque o Real se apresentou estrategicamente diferente em relação àquilo que é habitual e que eu próprio esperava. A meu ver bem, mas já irei aos motivos concretos dessa minha opinião. Para já, fazer notar que tinha como expectativa ver mais ocasiões claras do que aquelas que o jogo ofereceu, e para isso foi decisiva, precisamente, a tal postura estratégica do Real.
Abordando separadamente as equipas, começo pelo Bayern. Guardiola congratulou-se pelo domínio que a equipa exerceu, o que face ao resultado final servirá para aguçar os anticorpos internos em relação ao estilo do treinador. "De que serve a posse de bola se foram eles quem tiveram as melhores ocasiões?", dirão. E com razão. No entanto, isso não implica que a satisfação de Guardiola não faça, também ela, todo o sentido, sem que isso implique qualquer contradição entre as duas ideias. Explicando melhor o meu ponto, se Guardiola vê na posse e no domínio através dela o melhor caminho para aproximar a equipa do sucesso, é normal que se sinta realizado pela imposição que a equipa conseguiu nesse aspecto específico do jogo, perante um adversário tão forte como é o Real. Pessoalmente, não dava como certo que o conseguisse de uma forma tão clara. Agora, isso não implica que a equipa não tenha de melhorar noutros capítulos, e que por via disso não tenha estado tão perto da vitória quanto o pretendido. O que sucede, na minha leitura, é que o Bayern tem uma proposta de jogo que assume muito risco em qualquer dos momentos tácticos defensivos. Em transição, porque a abertura posicional da equipa implica, forçosamente, uma grande exposição espacial. Em organização, porque a intenção de recuperar imediatamente a bola implica também que se adiantem muitas unidades em missão pressionante, o que prejudica o equilíbrio defensivo em zonas mais recuadas, sempre que essa primeira fase é superada pelo adversário. Dado o potencial técnico do Real, e como também referiu Guardiola, era expectável que a equipa acabasse por sofrer um pouco dos efeitos secundários da sua proposta de jogo. O outro lado menos conseguido da exibição da equipa, foi a abordagem ao último terço, zona a que chegou com enorme frequência mas sem as consequências certamente desejáveis. Dentro de tudo isto, não vejo muito por onde se possa criticar o que fez o Bayern. A equipa faz tudo com um critério e intencionalidade notáveis, desde o jogo posicional dos laterais até à movimentação de Mandzukic (sempre a procurar potenciar duelos com os laterais, ao segundo poste, para retirar vantagem de estatura e criar espaço para a entrada dos médios). Agora, houve muito mérito no desempenho do Real, e a própria formação bávara terá os seus limites, possuindo enorme qualidade nos seus recursos, é verdade, mas ainda a alguma distância do que Guardiola contava no Barça. Também na reacção à perda, penso que a equipa justifica os mais rasgados elogios, com uma excelente entrega dos seus jogadores, ainda que como referi atrás fosse muito difícil conseguir 100% de eficácia ao longo do jogo.
Pois, se o Bayern justifica elogios e mesmo assim a derrota não causa qualquer surpresa, então só resta concluir sobre os méritos que o Real teve neste triunfo. À luz do que havia sucedido frente ao Barça, esperava um Real pouco ajustado à especificidade do adversário (com vulnerabilidades, nomeadamente nas no espaço entrelinhas), e confesso-me surpreendido pela abordagem de Ancelotti, que no meu entender acabou por se revelar francamente feliz. O Real não deixou de pressionar e potenciar o erro do adversário no seu meio terreno, mas fê-lo com muito mais critério do que noutras ocasiões. Nomeadamente, a sua linha média esteve bastante mais lúcida no jogo posicional, guardando melhor o posicionamento e a protecção dos espaços essenciais, mesmo que isso tivesse de implicar o reconhecimento do mérito do adversário e a submissão a dilatados períodos sem poder ter posse de bola. Aqui, há também que destacar o aspecto estrutural, já que Ancelotti definiu duas linhas de 4 muito claras, deixando mais à frente e ao centro Ronaldo e Benzema, também eles sempre com uma grande disponibilidade para defender. Tenho escrito aqui muito sobre a importância do lado estratégico para o sucesso a este nível, e se o Real havia sido até aqui um exemplo negativo a esse respeito, nomeadamente no tal jogo frente ao Barça que tanto complicou as suas contas do título, agora pode ter ganho uma vantagem importante para chegar à tão ambicionada "décima".
Dentro de 1 semana, teremos o desfecho de mais um fantástico duelo, numa Champions 13/14 riquíssima e que, confesso, me tem enchido completamente as medidas!