14.8.14

Porto 14/15: notas no arranque de temporada

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Revolução e política desportiva
E a revolução anunciada, aconteceu mesmo! Era um desfecho intuitivamente sugerido pela carga negativa de uma época mal sucedida, mas não me posso confessar um grande adepto das alterações que estão a ser realizadas no Dragão. Tanto relativamente ao diagnóstico que dá origem à revolução, como às mudanças propriamente ditas. Ou seja, não sou da opinião de que o insucesso decorresse de uma fraca qualidade da generalidade dos jogadores - pelo contrário, acho que o Porto 13/14 tinha vários jogadores de grande qualidade - e, tão pouco, me entusiasma a ideia de adquirir, de repente, uma série de jogadores cujo principal ponto de contacto é a proveniência da liga espanhola (nada contra a liga espanhola, obviamente, antes pelo contrário). Aliás, este tipo de gestão é bastante atípica no percurso de sucesso portista, ao longo dos últimos 30 anos, onde quase sempre o protagonismo do defeso foi deixado para os rivais. Também aqui, os tempos parecem ter mudado, no futebol português.

Porto 14/15: diferente, e favorito
Apesar de não me rever na revolução, não posso esconder o interesse que ela terá do ponto de vista da análise. Lopetegui traz consigo uma ideia de jogo com características muito vincadas e que, creio eu, nenhum treinador português escolheria. Independentemente do sucesso que vier ou não a ter, a sua presença no futebol português será benéfica para a discussão do jogo em si mesmo. Quanto às hipóteses de sucesso, que é o que realmente interessa a adeptos e administração, concordo com a ideia de que, no arranque, o Porto é a equipa que mais favoritismo justifica para chegar ao título. Não porque esteja necessariamente mais forte do que estava há um ano por esta altura (não tenho a certeza de que seja o caso), mas porque a concorrência me parece apresentar-se agora com mais fragilidades.

Potencial do modelo de jogo: a largura e posse de bola
Partindo para as minhas considerações mais concretas sobre o modelo de jogo do Porto de Lopetegui, diria que a palavra chave é, claramente, largura.
Defensivamente, a equipa encurta de forma extremamente acentuada o bloco na profundidade, propondo-se pressionar muito alto e condicionar ao máximo as possibilidades do adversário circular dentro do seu bloco. Para tal, a linha defensiva sobe imenso, socorrendo-se para tal da regra do fora de jogo, e sendo por vezes forçada a arriscar muito nesse comportamento. A implicação desta postura é que o adversário passa a ter muita dificuldade em fazer uma circulação mais elaborada e é rapidamente tentado a fazer lançamentos na profundidade. Ou seja, os tempos de ataque são tendencialmente reduzidos.
Ofensivamente, Lopetegui introduziu outra característica marcante e que tem a ver com a propensão para mudar o corredor de jogo. Os extremos estão permanentemente abertos, os médios orientam os seus movimentos de rotura para os corredores, e até o avançado revelou alguma propensão em aproximar-se do extremo. A equipa apresenta-se bastante orientada para este tipo de circulação, o que lhe permite desgastar repetidamente o bloco contrário, obrigado-o a flutuar repetidamente de um corredor para o outro. Também aqui, o Porto 14/15 tende a acentuar o seu tempo de presença em posse, sendo que, tudo considerado, não se prevê fácil a qualquer adversário controlar o jogo com bola, frente a este Porto.

Risco do modelo de jogo: pouco jogo interior e exposição da profundidade
Começando pelos riscos defensivos, destacaria dois pontos. O primeiro, mais óbvio, tem a ver com o momento de organização defensiva. A tentação dos adversários, perante o encurtamento do bloco, é solicitar imediatamente a profundidade, com lançamentos directos para as costas da linha defensiva, nomeadamente para avançados e extremos. Na minha perspectiva, e embora o risco exista sempre, esta é a solução que mais beneficia as intenções portistas, porque a defesa tem normalmente tempo para antecipar este tipo de jogada. As dificuldades serão, porém, acentuadas caso os adversários consigam entrar e enquadrar dentro do bloco (com a exposição que a equipa assume, bastará 1 passe para que a linha defensiva fique imediatamente em grandes apuros, o que implica um acréscimo de responsabilidade para a pressão exercida nas primeiras linhas), ou caso optem por solicitar na profundidade jogadores vindos de trás (por exemplo, laterais). São situações que, a acontecer, representarão um risco muito acentuado, mas que também não serão fáceis de realizar por parte dos adversários.
O outro ponto tem a ver com o jogo posicional e o momento de transição. Aqui, a nota mais óbvia vai para a ausência de um jogador mais posicional, o que poderá acarretar algum risco para a eficácia da reacção à perda. Depois, a própria variação constante de corredor dificulta que a equipa se mantenha permanentemente bem posicionada para reagir à perda eventual, assim como aumenta o número de passes lateralizados para o corredor central, que é normalmente um momento de pressão para os adversários. Também aqui (e como sempre!) o sucesso dependerá da eficácia, exigindo-se ao Porto bastante competência na gestão da sua posse.

Finalmente, no capítulo ofensivo a equipa aparece nesta altura quase exclusivamente vocacionada para entrar através dos corredores laterais. Uma das situações que a mudança de corredor potencia é o aumento dos espaços laterais entre os defensores, o que pode permitir explorar situações de rotura no corredor central. No caso do Porto, porém, raramente surgem movimentos de rotura enquanto a bola viaja de um corredor para o outro. A viagem lateral, para já, ainda é uma finalidade em si mesmo, e não um meio para criar o desequilíbrio. Aqui, é interessante notar o jogo posicional da equipa, nomeadamente a abertura posicional dos extremos, que raramente surgem por dentro, mesmo quando a bola está no flanco oposto. A implicação, aqui, é que o número de apoios no corredor central fica mais reduzido. A minha percepção, porém, é que Lopetegui terá tendência a tentar a atenuar esta situação, nomeadamente apelando a movimentos mais interiores de pelo menos 1 dos extremos. Aliás, ofensivamente parece-me provável que a equipa ainda venha a ajustar muitos dos seus comportamentos actuais, pelo que alguns destes sinais poderão vir a revelar-se pouco relevantes no decurso da temporada.

Algumas notas individuais
Jackson - Na minha leitura, é uma peça chave na equipa, e seria muito mais céptico em relação às suas possibilidades de sucesso caso tivesse saído. Tanto mais nesta altura, em que a equipa se inclina tanto para os corredores laterais, acabando por recorrer muito a cruzamentos.

Tello - Um dos meus principais pontos de discórdia em relação às mudanças encetadas tem a ver com o pressuposto de que os jogadores vindos de clubes como Real Madrid ou Barcelona representarão mais valias claras dentro do actual plantel portista. No passado do futebol português encontramos alguns exemplos em que tal sucedeu, mas também outros em que essa ideia é muito claramente desmentida. O caso de Tello não se me afigura, de forma nenhuma, como uma certeza.

Quaresma - Fui bastante céptico em relação à mais valia do 'Mustang', na época passada. A entrada de Lopetegui, porém, poderá vir a revelar-se num ponto de viragem nesta segunda passagem de Quaresma no Dragão. Estar permanentemente aberto, quase restringido às acções junto à linha e distante de incursões interiores ou movimentos de rotura, é o cenário ideal para Quaresma. Se é isso que Lopetegui quer dos seus extremos (ou pelo menos de 1 deles), então dificilmente haverá no plantel uma solução melhor do que Quaresma, e se isso acontecer é bem possível que venha a ter um protagonismo que, francamente, já não pensava poder ter.

Quintero - Há muitos jogadores novos e talentosos no Porto 14/15, mas pessoalmente não vejo nenhum que se aproxime do potencial que Quintero tem para oferecer. Para mim, potenciar a genialidade deste jogador, conseguindo enquadrá-lo melhor colectivamente, deveria ser uma das prioridades mais evidentes para esta temporada. Lopetegui, porém, não parece ter conseguido muito mais do que os seus antecessores, e o colombiano parece estar mais próximo de se tornar num excedentário do que numa figura do Porto 14/15.

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