9.9.13

Portugal e os "known unknowns" de Belfast

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Com a vitória em Belfast e o empate em Ramat Gan, a hipótese de Portugal não disputar sequer o playoff ficou reduzida a pó. É certo que dificilmente dará para o apuramento directo, mas isso não parece preocupar. Afinal, tudo isto não passa de um cenário mais do que previsível, de um déjà vu, e está na "nossa natureza" complicar, porque só jogamos quando sentimos verdadeiramente a pressão de ter de ganhar. Então, já não sabemos como são os playoff? Sai-nos "uma Bósnia", e a gente resolve!
Que Portugal será quase inevitavelmente favorito, caso se confirme a necessidade do playoff, parece-me incontornável. É a sina, traçada no ranking da FIFA. Agora, também me parece que as experiências de 2010 e 2012 vêm acentuar a ilusão colectiva, que resulta do menosprezo pelos riscos escondidos por detrás do mais do que certo favoritismo para uma eliminatória a duas mãos. E, para quem quis ver, esses riscos foram-nos todos relembrados em Belfast.
Segundo Daniel Kahneman, quando avaliamos uma situação temos a tendência para considerar primeiramente o que sabemos que sabemos ("known knowns"), mas frequentemente ignoramos ou menosprezamos o que sabemos que não sabemos ("known unknowns"), alimentando assim o lado mais falacioso do nosso optimismo. Aqui, o que sabemos que sabemos, são o nosso mais do que provável favoritismo, e o facto de termos superado o mesmo tipo de obstáculo das duas vezes que se nos deparou semelhante destino. Mas também sabemos que não sabemos se outro árbitro irá ser sensível a um qualquer encosto de cabeça de um jogador português, se outro auxiliar irá ignorar um fora de jogo crucial, ou se Ronaldo irá ter de passar por nova ressonância magnética, desta vez com prognóstico ainda mais reservado. Tudo isto aconteceu em Belfast, e se é certo que ainda assim redundou num final feliz, também me parece claro que, numa qualquer Atenas ou Estocolmo, um destes "known unknowns" terá um potencial bem superior para colocar tudo em causa.


- Relativamente ao jogo, começo por elogiar a Irlanda do Norte. Pela forma como condicionou o jogo ofensivo português, este nunca poderia ter sido um jogo fácil, e mesmo podendo estar a cometer um erro por não ter visto esse jogo, não me custa imaginar esta equipa a vencer a Rússia, num dia um pouco mais favorável. De facto, os irlandeses, conseguiram controlar sempre muito bem os espaços fundamentais da sua zona defensiva, nomeadamente as costas da sua defesa, o espaço entrelinhas e os corredores laterais. Tudo isto era complementado pela presença de duas unidades mais adiantadas e que iam conseguindo condicionar a fase de construção portuguesa. O papel deste duo, aliás, foi fundamental nas dificuldades criadas, ficando isso bem claro quando o jogo foi relegado para um 10x10.

- Com duas linhas de quatro muito compactas, a meu ver era importante que Portugal tivesse conseguido outro desempenho na sua fase de construção, nomeadamente para tentar atrair os médios irlandeses para fora da sua zona de conforto. Portugal começou por ensair a ligação rapida dos corredores (a ligação entre Pepe e Coentrão, foi repetidamente tentada), mas mesmo havendo eficácia no desempenho técnico, esta iniciativa produzia poucos efeitos práticos, porque as 4 unidades da linha média irlandesa permitiam uma boa presença à largura. Depois, a equipa portuguesa foi tentando maior envolvimento dos extremos no corredor central, o que poderia ser uma alternativa, mas revelou sempre pouca paciência e pouco envolvimento na fase de construção, o que penalizou a ligação do seu jogo. Veloso, por exemplo, envolveu-se muito pouco, deixando-se neutralizar pela acção defensiva dos dois homens mais adiantados da Irlanda. Este tipo de dificuldade de envolvimento no jogo de Veloso, de resto, não é novidade. Também os médios poderiam ter baixado para assumir o jogo e criar a dúvida na acção do duplo pivot, mas tal raramente aconteceu, com a sua acção a estar fundamentalmente orientada para as habituais dinâmicas nos corredores laterais. No entanto, como eram sempre acompanhados pelos médios contrários quando entravam nesse espaço, também os Moutinho e Meireles não encontraram grande sucesso nas suas iniciativas. Sobra-me a dúvida do porquê desta abordagem, mas será também possível que Portugal não quisesse deliberadamente assumir grandes riscos na sua primeira fase de construção, o que não pode deixar de ser compreensível, tendo em conta o preço que alguns erros já custaram para as contas deste apuramento.

- Perante esta dificuldade de Portugal em entrar no último terço, e com a Irlanda do Norte também a não se aventurar com frequência em termos ofensivos, a expressividade do marcador só se explica por um aproveitamento absolutamente invulgar das ocasiões criadas, nomeadamente dos pontapés de canto (4 golos!). Neste particular, e não sendo de todo inédito ou irrepetível, também não será seguramente fácil recordar muitos jogos em que tal tenha acontecido. Se considerarmos que, em média, haverá 1 golo por cada 20 cantos, então poderá ser normal ter de esperar mais de 500 jogos só para assistir a outro fenómeno deste tipo.

- Face à estratégia que havia montado, as expulsões acabaram por ser tudo menos benéficas para as aspirações da Irlanda do Norte. Não que Portugal tenha feito um jogo extraordinário, assim que voltou a estar em igualdade numérica, mas porque perdendo uma unidade na frente, a Irlanda deixava de conseguir condicionar a primeira fase de construção portuguesa, passando o jogo a instalar-se com muito maior facilidade no último terço ofensivo português. Isto explica o domínio territorial conseguido nessa fase, e sobretudo a diferença em relação ao que sucedeu na primeira parte. O resto, só explica pela eficácia de Ronaldo.

- Sobre Ronaldo, terá sido o seu primeiro hat-trick ao serviço da Selecção, mas não foi seguramente a sua melhor exibição. A mais eficaz, talvez, mas de forma nenhuma, a melhor. Aliás, a constatação mais impressionante sobre este caso à parte do futebol português é que mesmo depois de um hat-trick em que resgata uma vitória em 15 minutos, é possível encontrar, só ao serviço da Selecção, um punhado de exibições que conseguem rivalizar com esta. Para mim, a mais extraordinária de todas terá sido contra a Holanda, no último europeu.

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