4.9.13

A turbidez do mercado

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Os primeiros dias de Setembro tornaram-se num ponto alto da época desportiva. Em número e valor, cada vez mais negócios parecem ser relegados para este dia, cativando o entusiasmado interesse de comunicação social e adeptos, quase como se de um grande jogo se tratasse. Não me incomoda o entusiasmo em torno do mercado de transferências - é absolutamente normal que os adeptos gerem expectativas em torno de novos jogadores para os seus clubes. Mas incomoda-me, e cada vez mais, a forma como o mercado parece funcionar. Ou melhor, incomoda-me o senso que consigo fazer da forma como funciona. E, por isso, há algum tempo que desisti de tentar acompanhar as contas das SAD dos principais clubes. Não que um relatório e contas seja difícil de entender, mas porque o volume de negócios dos clubes é absurdamente alavancado pelas verbas de transferências, e tentar ver nexo no mercado de transferências é um pouco como tentar descortinar limpidez em águas turvas. E o problema é precisamente este: a turbidez do mercado.

Quanto vale um jogador?
Esta devia ser a pergunta essencial para a gestão desportiva dos clubes, e a resposta até parece, à primeira vista, ser muito fácil de obter, porque quando jogador e clube chegam a acordo para os valores de contrato, estão precisamente a quantificar financeiramente os serviços prestados pelo atleta. O lado indesvendável deste mistério, como é óbvio, não reside aqui, mas antes na valorização que é dada ao passe do jogador.
Consideremos o caso hipotético de um jogador de 24 anos que vai ser contratado por 4 épocas, com salário anual de 500 mil euros. Ou seja, o valor dos seus serviços desportivos, na totalidade do contrato, será acordado pelas partes em 2 milhões de euros. Agora, vamos incluir um valor "normal" para a aquisição do passe de um jogador com este nível salarial e idade, digamos 2 milhões de euros. Ou seja, o clube que vai adquirir este jogador, irá pagar 4 milhões de euros por serviços desportivos que avalia em 2 milhões de euros. Uma inflacção de 100%! E porquê que o vai fazer? Não é por uma questão de oferta vs procura, mas antes porque ao pagar os 2 milhões de euros do valor de transferência está a considerá-los como um "investimento", havendo a expectativa de os reaver futuramente. A minha questão aqui é, até que ponto faz isto sentido, tendo em conta que o jogador um contrato de duração finita, ficando livre nessa altura, e que a sua idade é também um factor de rápida desvalorização?
Na minha leitura, não há lógica nenhuma para que os clubes paguem prémios tão altos de verbas de transferências, justificando-se apenas a expectativa de reaver o investimento por um constante inflacionamento do mercado. Ora, para este inflacionamento, traduzido na constante disponibilidade dos clubes para adquirir passes de jogadores a valores muito superiores ao que consideram ser o valor dos serviços desportivos prestados, eu só encontro dois factores verdadeiramente explicativos: 1) a motivação individual de quem faz os negócios (agentes, jogadores e dirigentes), pelas avultadas verbas em comissões que são geradas. 2) a constante injecção de capitais exteriores à dinâmica do próprio mercado, através em fundos e investidores, várias vezes de origens duvidosas.

Face a isto, pergunto-me quantas transferências veríamos se não houvesse comissões? E quanto tempo este frenesim duraria se a entrada de fundos e investidores externos fosse definitivamente abolida?

Pode haver - e haverá certamente - muitas coisas que me escapam em tudo isto, mas pela lógica que consigo fazer de toda esta dinâmica, a resposta a ambas as perguntas seria trivial e muito pouco simpática para os reais motivos de todas estas movimentações em torno dos negócios do futebol. É por isso que não consigo deixar de me espantar sempre que vejo gente, com um ar muito sério, a falar dos milhões da transferência A ou B. Como se tudo isto fosse muito lógico e normal, ou, se quiserem, como se o interesse real dos clubes (dos seus adeptos, entenda-se) fosse realmente a origem das verbas astronómicas que estes pagam e recebem.

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