27.3.14
Porto - Benfica (I): Aspectos colectivos
Vitória justa e de quem mais a desejou
A vitória coube de facto bem ao Porto que foi quem melhor esteve no jogo, e praticamente durante a totalidade dos 90 minutos. Ainda assim, não me parece avisado analisar o jogo e as suas incidências sem ter em conta alguns factores que, a meu ver, foram muito importantes para a sua definição. Em primeiro lugar, claro, a diferença na importância que as duas equipas atribuíram ao embate, que pareceu prioritário para o Porto, mas de uma importância secundária para o Benfica. Depois, e igualmente relevante, o facto do Porto ter conseguido extrair cedo eficácia das suas acções ofensivas, o que nem sempre é possível, mas que neste caso em concreto me parece ter oferecido à equipa de Luís Castro um capital de confiança importante e que possivelmente não conseguiria sem a vantagem no marcador. Não quero com isto retirar mérito ao triunfo portista - cujos méritos abordo no ponto seguinte - mas, como referi, há factores que não me parecem poder ser desprezados.
A estratégia de Luís Castro
Abordando mais concretamente o jogo, e os pontos que ajudaram a definir a superioridade do Porto, penso que é incontornável a referência à importância estratégica dos médios em organização ofensiva. O Porto vinha sentindo muitos problemas no início de construção, o que face à vocação pressionante do Benfica se constituia num risco previsível para a equipa neste jogo. A resposta de Luís Castro, que me pareceu estratégica, foi pedir maior profundidade aos seus médios, com movimentos nas costas, quer dos extremos, quer do próprio Jackson. Este comportamento não foi imediatamente assimilado pelo Benfica, nomeadamente com a perda de controlo sobre a acção de Herrera nos minutos iniciais. No entanto, assim que a ameaça se tornou clara, os médios do Benfica (Fejsa e Amorim) permaneceram mais contidos no seu adiantamento posicional, o que por um lado ditou melhor controlo do Benfica no último terço, mas que, por outro, acabou por comprometer também a capacidade pressionante da linha média encarnada, isolando mais os avançados no condicionamento mais alto, e criando o tal espaço que poderia faltar à construção portista. Assim, o Porto acabou por respirar relativamente bem na totalidade do jogo, ao contrário do que havia acontecido, por exemplo, em Alvalade, expondo-se muito menos a erros comprometedores na sua fase de construção.
Outro aspecto importante para o sucesso do Porto surgiu no momento táctico inverso, ou seja no efeito do seu próprio pressing perante a construção do Benfica, que causou quase sempre muitos problemas à circulação encarnada. Aqui, porém, não há qualquer surpresa, já que este é um comportamento habitual da equipa portista, nomeadamente adiantando muito os dois médios interiores na acção pressionante ao longo do corredor central. Neste sentido, parece-me que o Benfica respondeu relativamente mal a esta ameaça previsível (mais sobre isto no ponto seguinte).
Seja como for, e para além da importância que a vitória teve por si só, este pareceu-me um jogo muito positivo da parte do Porto. Como fui escrevendo, os jogos recentes da equipa - e apesar de algumas vitórias importantes - não me impressionaram muito, com muitos pontos que pareciam ser urgentes melhorar. Neste jogo, porém, o Porto não revelou vários desses problemas, desde logo com a questão - já abordada - da fase de construção, mas também com menor exposição das costas da sua linha defensiva e também com maior qualidade no movimento dos seus médios interiores. São bons sinais, que surgem numa altura em que o tempo para treinar é escasso, e que se constituem como pontos de interesse acrescidos para os próximos jogos.
Benfica: Incapacidade para ter bola, sem Enzo e Gaitan
De facto, e à margem do mérito que o Porto teve nas dificuldades que criou ao Benfica, é incontornável a forma como Jesus geriu este jogo, aparentando ter sempre a visita a Braga como prioridade. Isto, tanto ao nível das escolhas iniciais, como na gestão dos recursos ao longo do jogo e, até, pela forma como estrategicamente o Benfica se preparou pouco para um adversário cujo valor justificava outra atenção específica. Em particular, e na minha leitura, foi marcante a ausência de Enzo Perez para responder ao pressing que o Porto implementou e que, durante grande parte do tempo, reduziu muito a qualidade das acções ofensivas do Benfica. Não se trata tanto de fazer incidir a critica sobre Ruben Amorim, que até foi das unidades de maior rendimento individual no jogo se considerarmos todos os planos de avaliação, mas parece-me inegável que nenhuma outra solução oferece a mesma capacidade de envolvimento e qualidade no transporte de bola de Enzo Perez. Neste sentido será, até, das unidades mais difíceis de substituir na equipa base de Jesus. E podemos relembrar vários episódios nesta época onde a presença de Enzo foi fundamental neste aspecto. Por exemplo, frente ao Sporting - que também fazia do condicionamento pressionante uma prioridade estratégica, mas que nunca conseguiu lidar com a resposta individual de Enzo - ou mais recentemente em White Hart Lane, onde apesar do bom controlo defensivo o Benfica teve muitas dificuldades em ter bola, invertendo completamente esse cenário assim que Jesus lançou Enzo e Gaitan. O extremo argentino, aliás, era outro elemento que poderia ajudar a criar soluções de qualidade para "saltar" o pressing portista, e a sua mais-valia em termos de capacidade para ter a bola, relativamente a Sulejmani, sentiu-se sem surpresa após a sua entrada. Com tudo isto, e mesmo não discutindo a prioridade que Jesus oferece ao campeonato, fica clara a minha opinião de que o treinador teria tudo a ganhar em fazer uso de Enzo, nem que fosse apenas para uma parte da partida como fez em Londres.
Relativamente à opção de Jesus não dar prioridade a este jogo, este era um dilema que já havia antecipado, no sentido em que se a gestão é bem aceite pelos adeptos até na Liga Europa, tudo fica mais complicado quando se trata de um embate com um rival. Essa era a tentação de Jesus, romper com a rotatividade que oferece toda a prioridade ao campeonato, em razão do maior impacto mediático do clássico. O treinador não cedeu e manteve-se fiel ao plano, independentemente do adversário, e se muitos gostariam de outra conduta, esta parece-me no mínimo uma opção respeitável. Se havia dúvidas para alguém, fica agora claro: a prioridade é, mesmo, o campeonato! Olhando um pouco mais para a frente, não fica difícil de antever uma inversão de prioridades assim que a liga interna fique garantida - e na hipótese de isso acontecer antecipadamente. Por exemplo, não é de excluir um cenário em que o Benfica jogue todos os seus trunfos na segunda mão desta eliminatória para, depois, vir de novo ao Dragão com algumas segundas linhas, mas agora para o campeonato.