O sistema não é um fim em si mesmo
O jogo de Setúbal, parece-me, é um bom exemplo - mais um - do equívoco que é concentrar no sistema toda a discussão em torno dos eventuais problemas tácticos das equipas (o que tem acontecido, quer com o Benfica, quer com o Porto). No caso, o Benfica sentiu de facto muitos problemas na sua fase de construção na primeira parte do jogo, o que impediu a equipa sistematicamente de chegar a fases mais adiantadas do seu jogo. Que solução haveria para o problema? Pois bem, mantendo o paradigma de centralizar tudo no sistema, a única resposta seria retirar uma unidade mais adiantada para acrescentar presença à referida fase de construção. Na verdade, Jesus fez o contrário, retirou uma unidade mais recuada (Fejsa) e introduziu um extremo (Sulejmani). Mas esta não foi a mudança que verdadeiramente mudou o jogo na segunda parte. A solução esteve, como todos viram, na troca de Perez por Matic no papel de segundo médio. Ou seja, com a alteração das características dos jogadores, nomeadamente oferecendo mais presença e capacidade de transporte de bola à fase de construção, o Benfica resolveu o seu problema. Sem alterações estruturais e com a vantagem de manter a elevada presença na zona criativa.
Este caso é interessante porque realça o ponto que tenho tentado passar recentemente: os problemas das equipas nunca residem no sistema táctico, mas sim no desempenho que estas revelam nas diferentes fases do seu jogo. Assim, o sistema é, na melhor das hipóteses, uma possível solução para ajudar a resolver eventuais problemas que possam surgir. Mas não é, nunca, um fim em si mesmo.
Matic "6" vs Matic "8" e a importância de Perez
Entre a primeira e segunda partes do Benfica salta a vista o desempenho da equipa na fase de construção. Aqui, parece-me, importa reflectir sobre as características dos papeis dos médios da equipa. O "6", no modelo de Jesus, tem uma envolvência quase inevitável na fase de construção da equipa, baixando muito e assumindo o jogo de forma confortável muitas vezes mesmo na linha dos centrais e quase sempre de frente para a oposição. O "8", porém, tem outra exigência, necessitando de se movimentar muito mais para oferecer soluções de passe em linhas um pouco mais adiantadas. É aqui, na diferença entre estes dois papeis, que reside o grande problema de Matic quando passa de "6" para "8". Em particular, quando os adversários adiantam um pouco mais a presença pressionante da linha média, como aconteceu por exemplo em Setúbal ou em Guimarães, o médio sérvio sente muitas dificuldades em manter a sua influência no jogo. E, para uma equipa que joga apenas com dois médios, é fundamental que isso não suceda com o seu "8". Já Enzo revela outra capacidade de envolvência e imunidade às variações na estratégia pressionante dos adversários, e daí o Benfica ter dado um salto qualitativo assim que o fez regressar a uma zona mais central. Uma evidência da importância do argentino na dinâmica do actual futebol do Benfica.
O valor de Rodrigo
Com tanta gente a sugerir a mudança para o 4-3-3, esta parece ser uma posição pouco valorizada em termos mediáticos. A minha opinião, porém, é que o papel de Rodrigo tem sido dos mais valiosos no jogo do Benfica, e parece-me muito questionável que se sugira que a equipa possa abdicar de uma unidade com as suas características e rendimento. Em particular, Rodrigo tem sido o "9-10" que Jesus tardou em encontrar no inicio de época, nomeadamente com o falhanço da aposta em Djuricic. A verdade é que não é fácil encontrar jogadores que possam preencher todos os requisitos desta posição, sendo necessário uma boa capacidade de movimentação para aparecer a jogar de costas em zona entrelinhas e, depois, sendo também importante que exista o instinto e qualidade para fazer a diferença em zonas de finalização. O exemplo que vem à memória no caso do Benfica é, claramente, Saviola, mas na ressaca do eclipse do argentino não tem sido fácil a Jesus encontrar novas soluções. Ora, Rodrigo tem interpretado este papel com grande qualidade, quer aparecendo muito bem entrelinhas, quer sendo uma unidade determinante em termos de presença nas zonas decisivas. Uma dupla influência que, na minha interpretação, acrescenta muito valor ao futebol do Benfica.
Mudança estrutural quando em vantagem
Para finalizar, uma pequena nota critica à intenção de Jesus em "congelar" os jogos assim chegue à vantagem no marcador. A ideia parece ser mudar de estrutura, nomeadamente retirando uma unidade mais ofensiva para garantir mais presença na linha média. "Congelar" o jogo parece ser uma redução do risco, mas não tem forçosamente se ser. Ou seja, se uma equipa tem dificuldades em controlar o jogo ofensivo do adversário, de facto, fará sentido em concentrar energias na correcção dessa vulnerabilidade mas se, pelo contrário, não for esse o caso, então a equipa estará sobretudo a desperdiçar a oportunidade de materializar a sua superioridade e aumentar a vantagem, o que dilata a exposição ao risco de um golo que no futebol, como sabemos, pode acontecer mesmo quando menos se espera. Em resumo, não discordo da ideia de ter uma alternativa para o melhor controlo defensivo do jogo, mas acho equivocado aplicar estratégias por defeito e sem ter em conta a especificidade de cada situação. E é por defeito que Jesus tem aplicado este plano de jogo.
Nos próximos dois dias farei uma pausa na actualização do blogue, planeando retomar antes do fim-de-semana com algumas notas sobre os jogos dos outros dois "grandes".
Um Bom Natal a todos!