10.12.13

Jesus, Paulo Fonseca e os sistemas tácticos

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Nos dias que correm parece não haver maneira de abordar o futebol de Benfica ou Porto sem se ouvir falar da questão do sistema. Que o Benfica devia jogar em 4-3-3, e que o Porto devia assumir uma estrutura de apenas 1 pivot. Em ambos os casos, o sistema é dado como um factor decisivo de inibição/potenciação do rendimento colectivo, sendo que aparentemente os treinadores são precisamente as únicas pessoas que parecem não perceber aquilo que é óbvio para centenas de milhares de adeptos.
Ora, vamos assumir então que tudo isto é verdade. Que uma mudança do sistema mudaria tudo na performance qualitativa das duas equipas e que isso é evidente para uma imensidão de pessoas, mas não para os treinadores das respectivas equipas. Dando como boa a ideia e sendo consequente com ela, há uma série de conclusões que inevitavelmente lhe têm de seguir. A saber: 1) Ambos os treinadores, Jesus e Paulo Fonseca, devem ser imediatamente demitidos porque estão a ser o entrave para uma melhoria significativa e imediata das respectivas equipas. 2) O treino é muito pouco relevante para a qualidade do desempenho táctico, porque se uma equipa que anda a desenvolver há meses/anos um modelo de jogo melhoraria tanto e de forma tão repentina (praticamente sem treinar) pela simples mudança de sistema, então só se pode concluir que o treino serve de muito pouco quando comparado com a importância do sistema. 3) Dos dois pontos anteriores decorre, trivialmente, que o perfil táctico do treinador também deve ser seriamente repensado, sendo muito mais importante que o treinador seja capaz de ter a "sabedoria das massas", nomeadamente a capacidade de mudar rapidamente para o sistema certo, tal como é sugerido por todos, do que propriamente ser capaz de desenvolver um modelo de jogo de características específicas através da sistematização e do treino.

Em filosofia e em matemática há um método de prova conhecido como "Reducio ad absurdum", que em latim significa 'redução ao absurdo'. Ora, não estou aqui a tratar de filosofia ou matemática, nem tão pouco tenho a pretensão de provar seja o que for a alguém, mas o seguimento deste raciocínio encerra em conclusões que, pelo menos para mim, são bastante absurdas. E aqui convém separar situações, porque se não estranho que a emoção sugira este tipo de raciocínios simplistas e falaciosos nos adeptos, já me é mais difícil de entender como é que o mesmo equívoco se instala de forma tão generalizada em quem tem como principal ocupação tentar entender o futebol de uma forma lúcida e imparcial.

Concluindo com a minha visão sobre este tema dos sistemas, dizer que os dois casos, de Benfica e Porto, são diferentes. No caso do Benfica, existe uma lacuna que é oferecida não tanto pelo sistema, mas pela sua dinâmica e que tem a ver com o número reduzido de soluções de passe no corredor central, que decorre do recuar permanente de um médio para a linha dos centrais. Isto pode ser corrigido com a inversão dessa dinâmica, ou pela introdução de mais unidades no corredor central, o que não implica forçosamente a mudança de sistema. Por exemplo, em alguns jogos recentes Enzo tem partido da direita mas aparecido recorrentemente sobre o corredor central em vez de permanecer aberto. O problema é assim atenuado sem mudança de sistema, mas com uma dinâmica que abre também outro tipo de lacunas, nomeadamente a perda de largura.
No caso do Porto, o problema tem a ver com a ausência de dinâmicas que consigam criar desequilíbrios sobre os corredores laterais, havendo nesta altura uma dependência excessiva em torno daquilo que a equipa consegue construir através do corredor central. Ora, neste caso o foco no sistema ainda é mais equivocado, porque se no caso do Benfica podemos identificar realmente uma perda de presença numérica no corredor central, por via da tal dinâmica de recuo de um dos médios, no Porto a equipa não deixa de ter profundidade nos corredores laterais por mera falta de presença numérica. Seja qual for a ordem do triângulo de meio campo, o problema só poderá ser colmatado pela dinâmica que for introduzida, nomeadamente na capacidade de envolvimento dos médios sobre os corredores laterais, algo que pode ser conseguido tanto dentro de uma estrutura de um pivot como de dois.
Em qualquer dos casos, porém, é claro que as equipas podem melhorar pela correcção destas lacunas no seu jogo, mas é - ou deveria ser - ainda mais claro que o potencial de ambos os conjuntos é muito mais limitado do que aquilo que os seus adeptos querem crer.

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