Como qualquer jogo, este poderá ter alguns contornos surpreendentes, seja pelo efeito de um golo, por uma nuance estratégica inesperada ou, claro, por uma formulação errada das expectativas. Ainda assim, valerá a pena o exercício de antecipar o que poderá acontecer no jogo, que aliás me parece intelectualmente bem mais interessante do que a análise à posteriori, ainda que esta possa ser bem mais recompensadora para o ego. Assim sendo, em traços gerais diria que este me parece um embate com probabilidade para ter um bom controlo defensivo de ambos os lados, ainda que com o Porto a assumir mais tempo de presença em posse, pelo menos enquanto não estiver em vantagem. Entre estas duas ideias, a segunda (Porto a assumir mais tempo de posse de bola) parece-me mais segura de se verificar, mas passo a explicar mais detalhadamente a minha leitura sobre o que poderá acontecer...
Organização ofensiva, Porto / Transição ofensiva, Benfica
A tendência, de facto, parece-me apontar para que o jogo se instale mais no momento de organização ofensiva portista. Não porque o Benfica venha a conceder que assim seja, já que provavelmente não deixará de pressionar como sempre faz, mas porque é o Porto quem tem mais tendência para valorizar a sua posse, e jogando em casa essa característica provavelmente acentuar-se-á. Ainda assim, a minha perspectiva não aponta para que existam grandes problemas de controlo defensivo do Benfica. Isto porque, não jogando Quintero, o Porto deverá repetir a sua pouca capacidade de penetração pelo corredor central, apostando mais na sua habitual circulação lateral e na ligação de corredores. Se este cenário se confirmar, o sucesso das iniciativas ofensivas portistas neste momento táctico poderá depender sobretudo dos duelos individuais travados entre os jogadores que actuam junto às linhas, sendo que o Benfica habitualmente consegue um bom apoio defensivo dos seus dois extremos em embates deste tipo. A outra solução para a abordagem portista ao último terço será a exploração da profundidade, mas aí a linha defensiva do Benfica parece-me difícil de bater, desde que o seu meio campo mantenha uma boa presença pressionante, evidentemente. Uma eventual vulnerabilidade encarnada poderá passar pela resposta de Samaris aos movimentos na profundidade de Herrera, já que Jesus costuma pedir aos seus médios para fazer o acompanhamento correspondente, mas o grego tem dado sinais preocupantes ao nível da sua capacidade de resposta.
Outra questão determinante para o jogo será o que se vai passar nas fases iniciais do processo ofensivo portista. Na verdade, a equipa de Lopetegui tem uma % acima da média de ocasiões consentidas no momento de transição ataque-defesa, e muito desse problema passará pelo elevado número de perdas de bola que a equipa acumulou em fase de construção. Aqui, penso que Lopetegui e o Porto se apresentarão bastante avessos ao risco, pelo menos no arranque do jogo, e isso poderá ser importante para que a equipa consiga alguma estabilidade. Ainda assim, é impossível não identificar as fragilidades de vários jogadores, com Casemiro a denotar dificuldades em lidar com o pressing dentro do bloco contrário, com Herrera e Oliver a assumir níveis de risco em posse por vezes desproporcionados quando baixam para perto da primeira linha e com jogadores como Danilo e Maicon também a serem bastante irregulares na sua segurança em posse. Aspectos que, certamente, Jesus e o Benfica tentarão explorar...
Organização ofensiva, Benfica / Transição ofensiva, Porto
Uma das principais dúvidas que tenho passa por perceber que abordagem terá Jesus para a sua fase de construção. O Benfica de hoje é mais frágil a construir desde trás, perdendo muito com a saída de Garay e não tendo ainda em Samaris uma unidade muito fiável sobretudo ao nível da segurança em posse, mas não tem também uma unidade ofensiva como Cardozo, que durante muito tempo permitiu a Jesus apostar numa construção mais longa e menos arriscada em jogos de maior grau de dificuldade. A este nível, os centímetros poderão oferecer a Talisca alguma vantagem sobre Lima na corrida pela titularidade, caso Jesus pretenda ter uma opção estratégica para sair mais longo. A este propósito, já agora, penso que Lima seria globalmente uma melhor solução do que Talisca. Seja como for, não será fácil o papel do Benfica no seu momento de organização, porque o Porto tem revelado uma grande eficácia no seu desempenho perante o ataque posicional dos adversários, com um bloco alto mas geralmente muito compacto. É provável que o Benfica aposte bastante na presença interior de Gaitan, na mobilidade de Jonas, mas também na profundidade de Salvio que poderá causar alguns estragos caso o Benfica consiga a difícil tarefa de provocar a linha defensiva do Porto. Mas, reitero, não me parece fácil que isso aconteça, sobretudo enquanto as equipas conservarem a prudência com que penso abordarão o jogo.
Um dos grandes desafios para o Benfica, no meu entender, estará na capacidade de resposta dos seus médios, em particular de Samaris. Sobretudo se o número de duelos interiores se acentuar (neste ponto, a propensão portista para jogar por fora é uma boa notícia para o Benfica). Pegando no que aconteceu em Braga, por exemplo, vemos que esse foi um ponto decisivo para que o Benfica perdesse o controlo do jogo, e em particular do seu momento de transição ataque-defesa. Com jogadores como Tello e Brahimi à espera de ser lançados no espaço, será fundamental que o Benfica não permita que o Porto faça dos duelos dos médios um ponto de partida para conseguir ter, em transição, o que não terá em organização: espaço.
Quanto vale o clássico na corrida para o título?
Recuperando um exercício que partilhei e expliquei recentemente (e que, por isso, me escuso de o repetir), diria que o clássico terá um potencial para fazer variar as possibilidades de cada uma das equipas se sagrar campeã em cerca de 35% a 40%. Ou seja, se o Porto vencer, passará a ser o favorito, mas se for o Benfica a levar a melhor então a sua vantagem passará a ser bastante substancial e nada fácil de anular (na ordem dos 80%, segundo este modelo de previsão). Ou seja, se formos pelo seu significado literal, talvez seja excessivo apelidar este jogo de decisivo, mas não se poderá ignorar a sua importância na corrida para o título. Como nota final, recordar que estas estimativas têm por base o pressuposto de que Benfica e Porto têm um valor exactamente idêntico, o que obviamente é uma suposição subjectiva.