Diz o ditado que "com quem ferro mata, com ferro morre!". Em boa verdade será abusivo aplicá-lo aos dois últimos jogos do Benfica, no sentido em que ao contrário do que sugere o ditado não há qualquer nexo de causalidade entre uma partida e outra, mas não se pode deixar de notar a ironia naquilo que foi o contraste entre o curso e o desfecho de ambos os jogos. Isto é, primeiro o Benfica vence um importante jogo beneficiando de um improvável e acentuado desnível de eficácia, e alguns dias depois a equipa torna-se ela própria vitima do mesmo tipo de fatalidade, ficando afastada da taça. Pode parecer uma espécie de justiça poética, mas na realidade não acredito que seja mais do que um capricho da aleatoriedade, e um bom exemplo da influência que esta pode ter no desfecho dos jogos.
No Benfica, e olhando mais para o futuro do que para este jogo, há alguns temas que me parecem importantes de abordar. Primeiro, a consequência da eliminação, que atribui ainda mais peso ao campeonato. Resumidamente, ou a época será um sucesso (porque conquistar o campeonato determina sempre que o seja), ou será um enorme fracasso, com eliminações precoces quer na Europa, quer na Taça. Não haverá meio termo ou atenuante, e o campeonato tudo. Depois, o tema do primeiro médio. É estranho que o Benfica se tenha dado sucessivamente bem com um determinado perfil, desde Javi Garcia até Fejsa, e que de repente tenha apostado tudo em dois jogadores com características muito diferentes para essa posição, Samaris e Cristante. Há um raciocínio que me parece importante e que gostaria de partilhar, e que tem a ver com a ideia da evolução táctica dos jogadores com Jesus. Essa é uma expectativa legítima a ter, já que têm sido vários os exemplos de progressão positiva e rápida nesse sentido. No entanto, não se pode partir do princípio de que isso seja suficiente para que os jogadores tenham um rendimento óptimo no desempenho das suas funções. Concretamente no que respeita aos aspectos defensivos, o posicionamento e trabalho táctico é obviamente fundamental, mas está longe de ser tudo, parecendo-me ser relativamente fácil desconstruir esse sofisma. É que se a noção táctica e posicional fosse tudo para um defensor, então encontraríamos vários candidatos improváveis ao desempenho óptimo dessas funções. Desde jogadores mais veteranos, que têm uma noção posicional mais apurada, até aos próprios treinadores, que devem saber melhor do que ninguém qual o posicionamento a ter em cada situação, já para não falar no crescente conjunto de curiosos que a partir de fora não se cansam de analisar e rectificar minuciosamente o posicionamento de equipas e jogadores. Ora, o problema é que de facto o posicionamento e trabalho táctico, sendo fundamentais para optimizar o rendimento dos jogadores, estão longe de definir em absoluto o seu rendimento defensivo, e no caso do Benfica 14/15 isto tem sido muito claro relativamente aos seus médios mais defensivos. Se estes continuarem a não ter capacidade de intervenção e agressividade para vencer os duelos na sua zona de acção, o trabalho táctico não deixará de continuar a ser importante, mas apenas servirá para atenuar a inevitável permeabilidade da equipa naquela zona.
Depois, para o Benfica abre-se também a incerteza do mercado e a importância decisiva de alguns jogadores. A perda de Salvio, ainda que apenas por tempo determinado, é um primeiro revés, e pode seguir-se também a de Enzo Perez, essa sim definitiva. A propósito disso, gostaria de escrever sobre Joaquin Correa, que foi dado como certo no Benfica até há alguns dias, mas que entretanto foi confirmado na Sampdoria. Conheço razoavelmente o jogador, e tinha uma grande expectativa para o ver evoluir em Portugal e no Benfica. Trata-se de um jogador jovem, com uma capacidade técnica excepcional, que combina com uma maturidade decisional muito acima daquilo que é comum na sua idade. Na Argentina jogava como ala, mas o seu perfil tinha tudo para que pudesse evoluir favoravelmente na posição que hoje é de Enzo Perez no Benfica, já que a sua vocação passa muito mais pelo envolvimento na construção do que na criação de desequilíbrios no último terço (ainda que tenha também essa capacidade). Não posso estar certo do seu impacto, como é evidente, mas é minha convicção de que o seu potencial seria suficiente para vingar no curto prazo no futebol português, e até para chegar rapidamente à selecção argentina, onde não abundam hoje jogadores com o seu perfil. A sua não vinda para o Benfica parece-me ter sido uma perda para todos...