Começando pela saída de Leonardo Jardim para o Mónaco, devo confessar que é um desfecho que me surpreende por completo. Sublinho, desde já, que nada tem que ver com as capacidades do treinador e sua equipa técnica, que não tenho dúvidas estarão perfeitamente à altura do desafio que lhes foi proposto. O que se passa é que se olharmos para a situação da perspectiva monegasca, Leonardo Jardim é tudo menos uma opção lógica ou natural. Estamos a falar de um dos clubes com mais investimento no futebol europeu do último ano, prevendo-se que se possa manter nessa condição nos próximos tempos, e que opta por um treinador que teve sempre sucesso nas suas experiências, é verdade, mas que nunca competiu numa das principais ligas da Europa, tendo igualmente um número muito reduzido de jogos em competições europeias (e nunca tendo chegado até patamares mais avançados). Talvez seja um pouco mais difícil perceber o que quero dizer para quem vê tudo isto do ponto de vista português, onde há um reconhecimento praticamente unânime da qualidade do trabalho de Jardim, mas se nos distanciarmos um pouco desse prisma específico, creio que facilmente perceberemos o enorme paradoxo que é o Mónaco combinar a extravagancia de tantos milhões de investimento com um treinador que tem como traço mais marcante do perfil o facto de ser um "inconnu".
Passando agora para a perspectiva que mais interessará a quem me lê, que é a do Sporting, é natural que haja alguma apreensão em relação aos efeitos que a saída de Jardim possa vir a ter, dado o sucesso que a equipa teve sob a sua orientação. Pessoalmente, não creio que a sua substituição por Marco Silva possa vir a ter um peso assim tão grande nas perspectivas de sucesso da equipa. São dois treinadores competentes, com estilos e abordagens diferentes, é verdade, mas que fundamentalmente oferecem ao Sporting boas possibilidades de fazer um bom aproveitamento dos recursos que tem ao seu dispor. No futebol, há a tendência para que se exagere no nexo de causalidade entre a figura do treinador e o sucesso/insucesso das equipas. É inquestionável que é uma peça chave para o sucesso colectivo, mas está muito longe de haver uma relação linear entre causa e efeito, sendo que há muitos outros factores a interagir nessa equação.
No caso do Sporting, e como já escrevi, penso que esta será uma época de grandes desafios e grandes riscos. Por estar de regresso às competições europeias e por combinar essa sobrecarga competitiva com o elevar de uma fasquia, que decore dos bons resultados recentes mas que me parece também algo desfasada do real potencial oferecido pelo actual plantel. E desta ideia decorrem algumas conclusões facilmente deduzíveis: que será fundamental conseguir mais valias para o plantel do próximo ano (seja através do mercado ou da formação), e que para Marco Silva a oportunidade de chegar a um "grande" esconde atrás de si um desafio que pode ser muito complicado de superar, tal como seria para o próprio Jardim caso este tivesse continuado.
Abordando um pouco mais especificamente as características tácticas de Marco Silva, deixo alguns dos pontos mais característicos do seu modelo de jogo, sendo que alguns deles marcam um contraste importante com aquilo que idealizava Jardim, sublinhando eu que o modelo de Marco Silva é mais ambicioso, tanto nos momentos ofensivos como defensivos, oferecendo à equipa maior amplitude no binómio potencial-risco:
- Estrutura em 4-2-3-1, havendo uma simetria total dos dois médios defensivos, com um jogador mais declaradamente a jogar no espaço entrelinhas. Aqui, o contraste é apenas parcial relativamente a Jardim, que optava por um meio campo assimétrico, onde Adrien se juntava a William em organização defensiva, mas adiantava-se mais quando a equipa tinha a bola. Ou seja, a alteração em termos estruturais dar-se-á sobretudo na fase ofensiva. Uma nota também para sublinhar que não perspectivo grande versatilidade táctica por parte de Marco Silva relativamente à sua estrutura.
- Em organização defensiva, uma atitude pressionante em praticamente todo o campo, sendo que o objectivo é manter um bloco sempre muito curto, e com pouco espaço entre as linhas defensivas. Na comparação com Jardim, a diferença está sobretudo neste último ponto, já que o anterior técnico colocava também um grande foco na pressão defensiva, mas fazia-o com algum isolamento dos dois jogadores da frente, com vista a não assumir grandes risco na exposição dos espaços mais recuados.
- Ainda dentro do comportamento defensivo e do ponto anterior, sublinhar especialmente o papel da linha defensiva, que com Jardim raramente assumia riscos em termos de exposição das suas costas, mas que com Marco Silva certamente o fará, jogando muito com o fora-de-jogo. O Estoril fazia isto geralmente bem, mas pontualmente com abordagens a meu ver questionáveis. Aqui estará um desafio novo e muito importante para os defensores leoninos.
- Ofensivamente, o grande contraste está no papel dos médios. Jardim, como fui escrevendo e ao contrário do que era muitas vezes sugerido, não fazia grande apelo à intervenção dos médios na sua circulação baixa, optando muito pela verticalização ao longo dos corredores laterais, por onde a equipa concentrava a generalidade dos seus movimentos ofensivos, sem bola. Marco Silva, ao contrário de Jardim, apela bastante à intervenção dos dois médios na construção, o que oferece à equipa maior capacidade de afirmação em posse (um dos pontos fortes e mais marcantes do Estoril), maior potencial na criação de jogadas ofensivas, mas também maior risco de exposição com bola. Este último ponto é muito importante, porque com Jardim o Sporting conseguia expor-se muito pouco ao risco de perda em posse, e esse foi um dos factores que a meu ver mais contribuiu para a sua estabilidade defensiva. Com Marco Silva, previsivelmente, haverá maior ambição a este nível, mas também mais risco.
- Do ponto anterior resulta a ideia de que, com Marco Silva e relativamente a Jardim, o Sporting passará a colocar maior ênfase no papel dos seus médios, retirando esse peso da acção dos laterais e extremos, que com Jardim foram os elementos mais importantes das dinâmicas ofensivas da equipa, muito incidentes sobre os corredores laterais. Há, aqui, uma posição que me merece especial destaque e que é a do médio ofensivo, cujo papel no Estoril foi interpretado por Evandro. Esta é uma função muito difícil de desempenhar, especialmente em clubes "grandes" onde o espaço interior é quase sempre muito reduzido, devido à postura dos adversários. Para dar um exemplo recente, e sobre o qual escrevi bastante, temos o caso do Porto de Paulo Fonseca que utilizava uma estrutura muito parecida mas que, para além de Lucho (que tinha características muito raras), nunca conseguiu adaptar ninguém com sucesso a essa função. Esse será, do meu ponto de vista, outro dos desafios específicos que se perspectivam para o novo Sporting de Marco Silva.