15.10.14

Dinamarca - Portugal (I): aspectos colectivos

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Jogo equilibrado - No futebol, e na minha análise, o sucesso faz-se muito pela capacidade (talvez "felicidade" seja um melhor termo) que as equipas têm de extrair bons resultados, mesmo quando a exibição não os torna absolutamente evidentes. Portugal foi, a este nível, muito penalizado frente à Albânia, mas acaba agora por resgatar alguma fortuna, num dos jogos mais dificeis que o calendário lhe reservava, e onde a vitória nunca foi um cenário evidente, pelas dificuldades que a Dinamarca lhe colocou. Aqui, e para além do resultado, haverá sempre margem para ver o copo, meio-cheio ou meio-vazio, em função da perspectiva de cada um, e sobretudo em função da valorização que se dê ao adversário. Pessoalmente, penso que a Dinamarca é um adversário muito complicado de contrariar, especialmente em sua casa, e se os resultados recentes de Portugal em Copenhaga ajudam a sustentar esta opinião, há outras características no jogo dinamarquês que me parecem ter bastante qualidade e que previsivelmente criariam problemas a Portugal. Em particular, a capacidade da Dinamarca para assumir o jogo em posse, chamando a si boa parte do tempo de jogo. Portugal acabou por responder com bastante prudência, preferindo proteger-se nas zonas essenciais, mesmo que para isso tivesse de abdicar de ter a bola durante longos períodos. Como nem a Dinamarca conseguia penetrar no último terço português, nem Portugal conseguia inverter a tendência de maior domínio e presença em posse da Dinamarca, o jogo foi tendendo naturalmente para o nulo, sendo este apenas desfeito por aquilo que, afinal, determina o maior potencial da equipa portuguesa: a qualidade individual. Ter 3 pontos nesta altura não é ideal, mas é apesar de tudo melhor que estes tenham sido conseguidos frente a um adversário directo, do que frente à Albânia.

O 4-4-2 losango - O nome dos sistemas, 4-3-3 e 4-4-2, acaba por dar uma ideia trocada daquilo que realmente se passa em campo. Na sua última versão do 4-3-3, Portugal tendia a defender com uma linha média de 4 elementos, ou por vezes mesmo 5. Neste novo 4-4-2, e olhando para a disposição real da equipa, identificam-se, 4 defesas, 3 médios e 3 jogadores mais adiantados. Ou seja, ao contrário do que o nome sugere, é neste 4-4-2 que Portugal está mais desprotegido na sua linha média, libertando mais unidades na frente. É claro que não tem de ser forçosamente assim e haverá várias formas de defender e atacar dentro do mesmo sistema, mas esta parece-me ser a forma de Fernando Santos interpretar este sistema, pelo que também não me parece que se devam esperar muitas modificações relativamente ao que se viu. Quais serão então, as implicações de tudo isto, e qual será a nova identidade da Selecção? Do ponto de vista defensivo, com Paulo Bento a Selecção era notoriamente arrojada em termos de presença pressionante, adiantava muito a sua linha defensiva e tentava condicionar os seus adversários em praticamente toda a extensão do terreno (todos se lembrarão dos custos que isto teve no calor do Mundial!). Com Fernando Santos, o cenário é praticamente oposto. Apesar de ter 3 elementos mais adiantados, Portugal tem mais relutância em subir como um bloco, porque os médios sentem-se pouco confortáveis em sair da sua posição quando estão permanentemente a ser solicitados para defender na largura, acabando por se encostar à linha defensiva e fazer o bloco baixar. Ou seja, Portugal é uma equipa defensivamente mais expectante, com um pressing mais baixo mas com menor envolvimento numérico em zonas mais baixas. Se isto é melhor ou pior? Depende dos gostos de cada um e, naturalmente, das características da equipa. Pessoalmente, parece-me que Portugal tem centrais com capacidade para jogar uns metros mais à frente, havendo nesse aspecto algum desperdício de potencialidades. Por outro lado, ao libertar unidades como Ronaldo, Danny e Nani, Portugal ganha um grande potencial no momento de transição, o que no entanto ainda não foi devidamente potenciado. Seja como for, é preciso pelo menos manter alguma coerência, e se Portugal não consegue ter uma linha média pressionante, então o melhor mesmo é que a sua linha defensiva se proteja na profundidade baixando o bloco, como fez neste jogo.
No que respeita ao jogo com bola, a principal nota já foi referida por Fernando Santos e tem a ver com a necessidade de trabalhar a complementaridade dos movimentos dos 3 jogadores da frente, nomeadamente de forma a garantir presença na zona de finalização. Este modelo, com estes jogadores, garante a Portugal um grande potencial para circular dentro do bloco contrário. É um tema que eu já discuti várias vezes, sendo que muitas vezes me parece sobrevalorizado o contributo do papel do elemento mais adiantado em sistemas de apenas 1 avançado, quando quase sempre a influência real (número de vezes em que efectivamente intervem) desse jogador no jogo colectivo é muito reduzido. Com este modelo e estes jogadores, porém, as coisas podem ser verdadeiramente diferentes a esse nível, e isso viu-se neste jogo, onde Ronaldo, Nani e Danny conseguiram níveis de participação bastante elevados e com boa percentagem de eficácia. E é muito por isto que tendo a ser favorável a este tipo de solução de 2 avançados mais móveis, desde que se trabalhe bem a tal questão da zona de finalização, evidentemente.

A circulação baixa da Dinamarca - Por cá, o preconceito em relação à forma de jogar dos diversos países em nada mudou nos últimos 20 anos, mas na prática o que vemos é que frequentemente isso não se verifica. Por exemplo, continuamos a achar que nos países nórdicos se joga um futebol com pouca valorização da componente técnica e muito directo. A Dinamarca é um excelente exemplo de como esses preconceitos podem ser um enorme equivoco. Por exemplo, neste jogo - e novamente, porque é algo que faz parte da identidade desta equipa - a Dinamarca foi muito mais competente do que Portugal na sua fase de construção, assumindo o risco de querer sair sempre de forma apoiada e a partir de trás, e fazendo-o com grande qualidade, jogando a 1-2 toques com grande mobilidade e bom disposição posicional dos seus jogadores. Por isso, a Dinamarca foi sempre superior a Portugal em termos de presença em posse, mesmo tendo Portugal feito um bom jogo a nível de eficácia no passe. É comum elogiar e valorizar quando vemos as melhores equipas do mundo fazer este tipo de circulação e em envolvimento na sua fase de construção, mas parece-me bastante mais justo que se reconheça o mérito a quem o faz com qualidade, mas com recursos bem mais modestos. É o caso da Dinamarca, que em vários momentos do jogo (em especial na primeira parte, porque na segunda Portugal "encaixou" melhor), deu um verdadeiro recital de como circular e envolver o pressing adversário. Já agora, e numa altura em que se tem mediatizado tanto o tema dos centrais (a meu ver com grande exagero), fica a nota para o contraste entre as ligas nórdicas e sul americanas. Por muito que seja contraditório com a ideia pré concebida, é no Norte da Europa que se encontram mais equipas a valorizar a construção a partir de trás e também onde se encontram linhas defensivas a arriscar mais em termos de adiantamento. Na América do Sul, o recurso ao jogo directo é normalmente mais frequente, e as linhas defensivas mais baixas, com mais espaços entre sectores. Quer isto dizer que os centrais são melhores num sítio do que no outro? Claro que não!

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