Pessimismo, e uma gestão desportiva duvidosa
O futebol, pelo peso que tem a sua vertente emocional, é especialmente propício a estados de alma desproporcionados. O Benfica várias vezes passou por uma sensação inversa às portas de uma nova época, mas desta feita repete o pessimismo generalizado que já se observara há 1 ano, nesta mesma altura. A diferença, em relação a 13/14, é que hoje há algo mais do que o mero azedume do minuto 92 para sustentar essa sensação.
A saída de alguns jogadores nucleares não pode ser considerada surpreendente, nem tão pouco uma novidade relativamente ao passado recente do clube. Aliás, das 5 perdas fundamentais em relação à equipa de 13/14 (Oblak, Garay, Siqueira, Markovic e Rodrigo), apenas no caso do guarda redes se pode falar numa saída inesperada. Ou seja, o Benfica tinha todas as condições para estar devidamente preparado para colmatar grande parte destas saídas, e se me parece quase inevitável que a equipa partisse para a nova época com algumas fragilidades em relação à sua versão anterior, também penso que essas diferenças estão sobretudo exacerbadas pela pouca capacidade de extrair do mercado soluções de maior qualidade para a equipa principal. É certo que aqui estou a ignorar os problemas financeiros em que aparentemente o clube se viu envolvido, mas como escrevi, a necessidade de ir ao mercado era antecipável há algum tempo, sendo que por outro lado o Benfica não deixou de gastar uma verba significativa em novos jogadores, pelo que o problema parece-me ter mais a ver com algum desacerto nos alvos identificados do que com outros factores.
Segundas linhas e os primeiros meses, o maior risco para a nova época
Apesar das vendas, e até à data, o Benfica ainda preserva grande parte da sua estrutura num eventual onze base, nomeadamente mantendo a liderança defensiva de Luisão, a influência de Enzo e a capacidade de desequilíbrio de Salvio e Gaitan. O problema, porém, é que as hipóteses do Benfica na nova temporada se jogarão muito para além daquilo que o seu melhor onze terá para oferecer. Descontando aqui os riscos - nada negligenciáveis, como é evidente! - de mais saídas ou eventuais lesões, Jesus deparar-se-á provavelmente com a mais difícil das suas temporadas no que diz respeito à gestão da rotatividade da equipa. A regra do treinador tem sido de oferecer primazia à champions, relegando alguns riscos para o campeonato, e invertendo as prioridades sempre que a equipa transitou para a Liga Europa, o que não impediu o sucesso nesta competição. Se a isto acrescentarmos a habitual necessidade de algum tempo até que a equipa fique devidamente entrosada, também característica nos anos mais recentes, temos que os primeiros meses da temporada se afiguram como especialmente relevantes para as hipóteses de sucesso interno da equipa. Jesus terá de dividir, nesta fase, atenções entre campeonato e champions, terá de o fazer com um plantel visivelmente desequilibrado entre a qualidade de primeiras e segundas linhas, e terá ainda de conseguir fazer os novos jogadores evoluir neste período, para que pelo menos alguns deles se tornem alternativas ao nível das ambições da equipa. Tudo isto, claro, debaixo da ofuscante pressão dos resultados imediatos, porque nem o campeonato oferecerá à partida vantagens para gerir nos primeiros meses, nem tão pouco a champions permitirá muita margem para eventuais deslizes.
Baliza e um avançado
As baixas do defeso afectam todos os sectores, mas não creio que todas tenham a mesma urgência no que respeita às movimentações de mercado, até ao final do mês. Na defesa, dificilmente se encontrarão soluções que possam oferecer no imediato a qualidade de Garay ou Siqueira, e nesse sentido o Benfica sairá quase inevitavelmente a perder relativamente à época anterior, mas na minha óptica o grande garante da qualidade da linha defensiva do Benfica é o seu treinador, pelo que as perdas individuais acabarão por não ter tanta probabilidade de afectar o desempenho colectivo. Um pouco no mesmo sentido surge o caso de Markovic. O sérvio foi muito utilizado na época anterior, mas tal sucedeu sobretudo pela lesão de Salvio. Com o regresso do argentino, o Benfica fica a meu ver numa situação no mínmo idêntica (na verdade, penso que Salvio poderá oferecer consideravelmente mais do que Markovic, em época de adaptação, ofereceu no ano anterior) à que teve em grande parte da época passada, relativamente aos seus extremos. Ou seja, um grande desfasamento entre os dois titulares (Salvio e Gaitan) e as restantes soluções (aqui, a minha critica vai para o investimento em Bebé, que me parece demasiado avultado para as limitações do jogador em diversos aspectos), mas em grande parte devido à enorme qualidade da dupla argentina (um autêntico luxo, a meu ver!). Restam, a baliza e os avançados.
Na baliza, o problema de Artur é o mesmo de há 1 ano, só que nessa altura não era tão evidentemente percepcionado por todos, tendo Oblak contribuído para clarificar as dúvidas que os indicadores de desempenho do brasileiro vinham levantando (foi um tema que explorei muito no inicio da época passada, como quem leu se lembrará). É fundamental que o Benfica resolva bem esta questão, mas há para mim alguns maus indícios relativamente à fiabilidade dos critérios de selecção da estrutura do clube, relativamente a esta posição específica. Desde a aposta em Roberto, passando pela insistência em Artur, até ao interesse em Romero. Resta esperar para ver...
Outra posição que me parece nuclear no modelo de Jesus é a do avançado de ligação. Também no ano passado escrevi bastante sobre isto, em particular sobre a importância que me parece ter tido o papel de Rodrigo na equipa, a meu ver não devidamente valorizado por adeptos e critica, na distribuição dos créditos do sucesso final. Tal como a entrada de Oblak, há também uma correlação forte entre a afirmação de Rodrigo da equipa base e a melhoria da equipa em termos de resultados, numa altura em que se discutia muito a hipótese de Jesus mudar de sistema táctico, nomeadamente abdicando de um jogador com estas funções. Aliás, já anteriormente, o Benfica teve em Saviola um jogador fundamental para o seu sucesso ofensivo, pela sua capacidade de ligar o jogo ofensivo da equipa e ser depois uma unidade muito influente em termos de criação de oportunidades de golo. O Benfica, a meu ver, precisa contar com uma solução de qualidade para esta posição, que lhe valha envolvimento ofensivo, golos e assistências. Uma solução que, com qualidade próxima da de Rodrigo ou Saviola, não vislumbro ainda no plantel actual. Creio que a ideia passou muito pela a aposta em Talisca, mas embora não conheça suficientemente o jogador para ter grandes convicções a seu respeito, fica-me a ideia de que poderá estar ainda distante do rendimento que Jesus certamente pretenderá para esta posição. E, se for assim, uma investida certeira no mercado para esta posição, poderá também relevar-se um ponto importante para as aspirações da equipa.