O resultado, dado o carácter decisivo da eliminatória, é claramente mais importante do que toda e qualquer indicação que a equipa pudesse dar (afinal, de que serviriam as boas indicações se se pusesse desde logo em causa um dos principais objectivos da temporada?). Ainda assim, e porque não deixamos de estar em inicio de época, aqui ficam as minhas notas sobre a exibição da equipa, para além do resultado:
- O jogo, no essencial, acabou por ir de encontro às indicações com que havia ficado da pré época, e sobre as quais havia escrito. Como notas mais positivas, a capacidade de imposição no jogo pela posse (mais previsível), e o controlo defensivo (menos evidente, à partida). Aqui, destaque para os momentos defensivos. Em organização, condicionando os tempos de ataque do Lille, sem que isso tivesse implicações na exposição espacial, pelo adiantamento do bloco (confirma-se que, na prática, não é evidente explorar fragilidades e espaços que, em teoria, são facilmente identificáveis no comportamento defensivo do Porto). Em transição, porque a equipa acabou por não ser penalizada no momento da perda da bola, isto apesar de ter repetido uma posse quase sempre baixa, e por isso em zonas onde o risco é maior.
- Como nota menos positiva, o pouco partido que a equipa retirou da sua elevada presença em posse. Aqui, convém explorar a estratégia das duas equipas, porque o Lille definiu uma marcação muito individualizada, que determinou um policiamento aos 3 médios portistas, impedindo-os de aparecer como gostariam no jogo. Ora, se à partida esta era uma estratégia que permitiria ao Porto potenciar algum espaço pela atracção dos elementos do corredor central do seu adversário, a verdade é que na prática ela obteve um grande sucesso, se tivermos em conta o tempo que o Porto teve a bola e o número de vezes em que conseguiu ameaçar verdadeiramente o último terço contrário. Ao Porto, por isso, valeu sobretudo a pouca capacidade do Lille para criar problemas com bola, num jogo de muito poucas ocasiões claras de golo. Enfim, retomando a questão das dificuldades de progressão portistas, apesar do elevado tempo de posse de bola, e partindo para as possíveis explicações, encontro duas. A primeira, é alguma prudência e aversão ao risco com bola, dada a juventude da equipa (talvez ainda pouco confiante relativamente às suas próprias possibilidades), e o carácter decisivo do próprio jogo, onde um erro pode colocar tudo em causa. A segunda tem a ver com o jogo posicional da equipa, e com uma tendência que também já identificara na pré temporada. Ou seja, o Porto exacerba muito a abertura posicional da equipa, em particular dos extremos, que raramente solicitam linhas de passe no corredor central (apesar de tudo, Brahimi fê-lo mais do que Oliver). O policiamento aos médios portistas abria a oportunidade de desposicionar o corredor central, em particular o espaço entrelinhas, sendo depois fundamental que houvesse uma dinâmica que envolvesse outros jogadores para esse espaço, em especial os extremos. Como o Porto se manteve quase sempre aberto e apenas com os médios (+Jackson) no corredor central, a estratégia da marcação individual do Lille acabou por dar resultados muito positivos, porque no corredor central manteve-se sempre um 3x3. Da principal excepção a estas dificuldades de penetração - o golo, claro - resulta uma outra conclusão que se repete da pré época e que tem a ver com a importância de ter um jogador como Jackson, numa equipa que vai exacerbando tanto a entrada pelos corredores laterais.
- Uma nota sobre o Lille. Não desvalorizo minimamente o valor do Lille ou do futebol francês, como vejo tantas vezes ser feito em Portugal, usando o ranking da Uefa como suporte argumentativo. A liga francesa não tem, em termos de qualidade transversal dos jogadores, comparação possível com a liga portuguesa. O problema do futebol francês é outro e o Lille é um bom exemplo. A qualidade do seu plantel permitir-lhe-ia lutar, no mínimo, por um dos primeiros lugares em Portugal. No entanto, e em sentido inverso, seria impossível que um treinador durasse muito no futebol português com o tipo de abordagem táctica que vimos ontem o Lille apresentar frente ao Porto. A questão das marcações individuais (e eu até acho que em Portugal este recurso é quase sempre tratado de forma demasiado acrítica e dogmática), defensivamente, e a falta de ideias, ofensivamente, não resistiriam muito tempo perante a crítica que temos. Valha-nos isso...