Modelo de gestão
Começando por me referir à política desportiva do clube, devo esclarecer - até porque creio que ainda não o tinha feito, desde a entrada em funções da actual direcção - que me identifico bastante com o caminho que o Sporting tem seguido. Em concreto, sou partidário de um modelo de gestão que viva com orçamentos coerentes com as receitas operacionais, e não recorrentemente inflaccionados pela expectativa de receitas provenientes de vendas de passes de jogadores. Neste sentido, parece-me que a diferenciação pode ser feita através de um scouting mais arrojado, que tente encontrar mais valias em mercados menos evidentes e, por isso, mais acessíveis. Isto e, claro, através da formação, mas esse será um ponto mais consensual. No entanto, os modelos de gestão são um pouco como os modelos de jogo, ou seja independentemente do perfil, que pode ser mais ou menos ajustado às características e contexto de cada clube, o seu sucesso será sempre determinado pela qualidade com que sejam implementados. No caso do Sporting, a resposta será em grande parte dada pela utilidade que os reforços venham a ter para a principal equipa. Ainda assim noto, com alguma curiosidade, que esta opção estratégica goza hoje de bastante popularidade, depois de cerca de uma década onde os modelos de alto risco, assentes no investimento e valorização de jogadores, atingiram grande sucesso (nomeadamente através do Porto, primeiro, e Benfica, depois) e apreço mediático. Os tempos, no futebol português e a este respeito, podem estar a mudar...
Sporting de Marco Silva, sem surpresas
No final da época passada fiz uma espécie de antevisão do que me parecia poder ser o Sporting de Marco Silva, e a verdade é que por aquilo que se pôde até agora ver, as surpresas não são muitas. A este respeito, noto que, com alguma frequência, se analisa o trabalho do actual treinador como tendo partido da base anterior, em termos de características de modelo de jogo. A minha interpretação, porém, é diferente. Concordo que há pontos de contacto entre as duas versões, evidentemente, mas vejo essas semelhanças sobretudo como implicações que decorrem da proximidade conceptual dos modelos preferenciais de ambos os treinadores, que já existiam quando Marco Silva era treinador do Estoril. Apesar de tudo, há diferenças relevantes, e é sobre elas que mais me quero centrar...
Sporting 14/15 vs 13/14
Em relação à sua versão anterior, então, o Sporting tem a meu ver 3 diferenças fundamentais:
1) Bloco defensivo mais compacto, nomeadamente com uma linha defensiva mais subida e a fazer maior recurso da regra do fora de jogo para encurtar o espaço entre sectores. Aqui, há algum risco e maior exigência para os elementos da linha defensiva, mas creio que o Sporting tem boas condições para ter boa eficácia e que provavelmente ficará a ganhar em relação aos comportamentos mais conservadores da era Jardim.
2) 4-2-3-1 mais declarado. Com Leonardo Jardim, o Sporting apresentou um posicionamento hibrido dos seus médios. Concretamente, sem bola Adrien baixava para a mesma linha de William, mas com bola adiantava-se para uma posição simétrica à de André Martins (que em organização defensiva partia da mesma linha do avançado). Ou seja, em 14/15 o Sporting deverá actuar num 4-2-3-1 mais claro, com dois médios mais vocacionados para a construção e equilíbrio posicional, e um outro sempre mais próximo do avançado, e por isso com mais exigências ao nível da capacidade de desequilíbrio e presença em zonas de finalização.
3) Com bola, maior foco para o papel dos dois médios de construção, e menor canalização do jogo pelos corredores laterais. Por exemplo, com Leonardo Jardim, repetidamente víamos os laterais a solicitar os extremos, ou os movimentos diagonais dos médios, nas costas dos laterais contrários, mas essa dinâmica não tem surgido com a mesma recorrência com Marco Silva. Por outro lado, vemos agora mais passes interiores dos laterais, a procurar os dois médios, ainda em fase de construção. Desta nova característica resulta maior exigência para a fase de construção (e para os médios, especialmente), a perspectiva de maior potencial ofensivo, mas também menor risco. Para a definição deste binómio, entre potencial e risco, entra claro a eficácia, e é preciamente aqui que as perspectivas são nesta altura más para o Sporting de Marco Silva, comparativamente com o de Leonardo Jardim. A equipa não tem conseguido extrair grande vantagem ao nível da dinâmica de construção, através deste maior envolvimento dos seus médios e, por outro lado, tem aumentado o volume de perdas em zonas de risco, o que se apresenta como um indício preocupante, até tendo em conta o aumento de exigência pela presença na champions. Para já, diria, relativamente à sua versão anterior, o Sporting de Marco Silva defende pior... com bola!
Algumas notas individuais
Com a janela de mercado aberta até final do mês, poderá ainda haver algumas mexidas relevantes. Pessoalmente, não vejo no Sporting grandes riscos relativamente à saída de 1 ou 2 jogadores. E é fácil explicar esta perspectiva, porque se concordo que o Sporting não tem as mais valias individuais dos seus rivais, e que por isso não tem as mesmas possibilidades para chegar ao título, também não poderia considerar que haveriam elementos com um peso especialmente relevante (a não ser que as segundas linhas fossem péssimas, o que não é o caso). A este respeito, Rui Patrício será, talvez, o caso mais critico, já que o guarda redes teve uma grande eficácia na época anterior, e não creio que Marcelo Boeck tivesse grandes hipóteses de repetir esse nível de desempenho. William, que será o jogador mais valorizado mediaticamente, seria a meu ver uma perda com impacto potencial mais reduzido, e creio que o Sporting poderá encontrar uma solução eficaz, mesmo que sem a mesma qualidade, para essa eventualidade. Aliás, penso até que William poderá perder algum do seu enquadramento específico ideal neste modelo, mas precisarei de mais tempo para retirar conclusões a este respeito. Também ao nível dos centrais, e perante a eventual saída de Rojo, creio que o Sporting tem condições para encontrar uma solução à altura (a este propósito, Dier, cuja saída teve um grande destaque mediático, não poderá de forma nenhuma ser considerado uma perda, dado o reduzido tempo de jogo no ano anterior e, já agora, a enorme irregularidade da qualidade dos seus contributos).
Uma nota importante, ainda, para as fases mais adiantadas do jogo da equipa. Apesar da tal vocação colectiva para sair mais pelos médios e menos pelos laterais (na construção), a verdade é que os principais desequilíbrios continuam a surgir pelos corredores laterais. Se esta tendência se mantiver - e é bom não esquecer que já com Leonardo Jardim este problema existia, não havendo para já novidades individuais que possam ajudar a mudar o cenário - o Sporting estará muito dependente da presença em zona de finalização, tanto do seu avançado, como dos seu médio mais adiantado (neste modelo, com mais características de 2º avançado do que de médio, na minha leitura). Aqui, temos duas notas contrastantes, que me parecem bastante claras. Primeiro, André Martins, com bastante produtividade ao nível da finalização, nesta pré temporada (tenho dúvidas, confesso, que possa manter este rendimento neste aspecto específico). Depois, Montero. O problema de Montero com os golos também tem a ver com a eficácia, obviamente, mas esse não me parece de todo o ponto fundamental. Aliás, diria, esse não é um problema, mas apenas uma tendência de circunstância e que o tempo acabará, inevitavelmente, por relativizar. Montero gosta de sair da zona de finalização, envolver-se em zonas exteriores, e até aqui tudo isso é positivo. O problema surge depois, porque essa mobilidade não é complementada com a agressividade que a equipa precisa no ataque às zonas de finalização. Sem ter visto todos os jogos, por mais do que uma vez o vi esbanjar vantagens relativamente aos centrais contrários no ataque às zonas de finalização, tornando estéreis jogadas que chegam ao último passe com boas perspectivas de sucesso, mas que acabam esvaziadas pelo facto do colombiano se deixar bater na velocidade de reacção ao lance. O ideal, obviamente, será ter as duas coisas: mobilidade, primeiro, e agressividade (no ataque às zonas de finalização, bem entendido), depois. Mas, o extra não pode comprometer o essencial na posição, e dentro das actuais dinâmicas do Sporting (muito vocacionadas para os desequilíbrios sobre os corredores), é essencial garantir uma agressividade e uma presença em zonas de finalização que Montero simplesmente não tem oferecido. Nunca fui um entusiasta de Slimani, e confesso apreciar muito mais as características de Montero, mas se o jogo tem um objectivo (o golo), não faz qualquer sentido sobrevalorizar o estilo, e a verdade é que Slimani, pelas suas características, pelo contexto colectivo que descrevi, e pela utilidade que apesar de tudo sempre conseguiu ter, merece (ou "mereceria", já que a sua situação disciplinar o parece ter excluído das contas, pelo menos para já) bastante crédito neste arranque de temporada. Tanto mais, que Tanaka é, para mim, ainda uma incógnita. Quanto a Montero, ou muda ele, ou muda a equipa, o que se tem visto é que me parece descontextualizado.