Não foi para todos, mas começou! À margem do caso “Mateus” e no respeitante ao simples “pontapé na bola”, o campeonato deu-nos uma visão ainda distorcida daquilo que será a realidade da época 06/07 – a agitação final do mercado e as peripécias de pré-temporada condicionaram, nuns casos mais do que noutros, um arranque já coincidente com as pretensões dos mais variados treinadores... Entre os três grandes, o ponto de situação é diferente caso-a-caso, não havendo porém nenhum que possa reclamar uma total tranquilidade: Façam-se as apostas!
FC Porto – Uma questão filosófica
“O FC Porto tem uma estrutura que conhece bem, e vamos evoluir para outra... temos de equilibrar mais esta equipa.” (Jesualdo Ferreira, após a estreia vitoriosa com o Leiria)
Da confirmação de Jesualdo Ferreira como treinador do FC Porto adveio a certeza de que o futebol no Dragão iria forçosamente mudar em 06/07. Muito mais do que o sistema – o 3x4x3 de Adriaanse ou o 4x3x3 normalmente adoptado por Jesualdo – trata-se de uma questão quase filosófica.
Adriaanse passava as suas conferências de imprensa a falar de espectáculo, de golos e de goleadas e, embora o seu FC Porto fosse mais vezes eficaz do que entusiástico, a verdade é que as palavras do teimoso Holandês encontravam eco no modelo de jogo por si implementado: avançados, extremos, pressão alta e posse de bola sempre no meio campo adversário eram alguns dos ingredientes da “fórmula Co”.
Jesualdo Ferreira tem uma visão diferente – quase radicalmente diferente. O futebol para o “professor” faz-se de trás para a frente ou seja, primeiro há que garantir a interiorização dos processos defensivos, vindo apenas posteriormente a preocupação pelo golo. Expressões como “equilíbrio defensivo” e “reconhecimento do momento de transição” são comuns no discurso de Jesualdo e dizem muito sobre um ideal futebolístico bem distante daquele que marcou as palestras no Dragão durante o último ano.
Face ao exposto, as próximas lições do “professor” no Olival deverão ser, mais do que trabalhosas, importantes: importantes no curto-prazo desportivo e no médio-prazo financeiro. Isto é, a rápida assimilação dos processos pretendidos por Jesualdo Ferreira influenciará não só o número de pontos do clube no primeiro terço da época, mas também (e mais importante) a receita que a SAD portista recolherá da sua presença na Champions League deste ano – tendo em conta a proximidade do ínicio da prova, os riscos de uma não tão rápida adaptação colectiva aos processos de Jesualdo são evidentes. Num mero exercício especulativo aqui ficam alguns dos potenciais problemas (uns mais saudáveis do que outros) do ex-lider bracarense:
- Duelo Helton/Baía
- Re-adaptação de Pepe a uma defesa a 4 (onde ainda não se revelou tão capaz como nos sistemas a 3)
- O outro elemento da dupla de centrais (face à ausência de Pedro Emanuel, a capacidade de Bruno Alves e Ricardo Costa levanta algumas dúvidas)
- Falta de competitividade nas laterais defensivas
- Um meio-campo a 3 diminui o número de vagas num sector já muito concorrido
Benfica – Novas ideias sobre o mesmo esqueleto
Protagonista indirecto do deprimente caso “Mateus”, o Benfica dificilmente poderá invocar qualquer prejuizo desportivo (financeiramente, a história não será bem a mesma) proveniente do adiamento do seu primeiro jogo. A extensa lista de lesões e as dificuldades que Santos tem sentido para impôr o seu modelo conseguem enganar tanto como o algodão do anúncio: qualquer momento seria melhor do que este para a estreia na liga, tanto mais que com a redução do número de clubes haverá certamente espaço para uma recalendarização confortável...
Calendários à parte, na Luz a saga Simão parece ter tido como efeito prático a reintegração do capitão no plantel de Fernando Santos, transformando o regresso ao 4x3x3 em, mais do que uma opção, numa inevitabilidade! Assim, o relvado da Luz voltará a “descair” para o lado em que o capitão alinha, concentrando na velocidade e técnica do extremo grande parte das esperanças para desbloquear as defesas numerosas que se lhe oporão – Simão é um jogador demasiado valioso no futebol português, não sendo possível que uma equipa como o Benfica menospreze de alguma forma o seu papel no processo ofensivo. De resto, a formação de Santos será na sua natureza aquilo que usualmente é designado por “equipa ofensiva”, tendo como princípios orientadores do seu jogo a recuperação e posse de bola no meio-campo adversário, pretendendo ter uma postura dominadora nas partidas em que intervém.
As exibições de ínicio de temporada mostraram uma equipa ainda longe dos níveis exigiveis para um verdadeiro candidato e aparentemente desenquadrada com a sua própria orientação estratégica. Não creio que estes possam ser problemas minimamente negligenciaveis, no entanto não constituem ainda motivo suficiente para excluir à partida o Benfica da linha da frente da corrida para o título: na Luz moram, salvo melhor opinião, o mais capaz quarteto defensivo do campeonato (embora não preveja que venha a ser a defesa mais eficaz), um meio campo completo, talentoso e experiente e um ataque com alternativas em quantidade e qualidade. O futebol tem porém poucas memórias de problemas colectivos resolvidos sustentadamente por soluções individuais, e é por aqui que ganha importância o muito trabalho que Fernando Santos tem ainda pela frente, num clube onde as ocorrências de pré temporada dificilmente poderiam ter sido mais desestabilizadoras... Aqui ficam alguns dos potenciais dilemas de Fernando Santos:
- A luta “a três” pela baliza (resultará em frustração de pelo menos um dos competidores)
- Os princípios de Santos resultarão em situações de exposição espacial nas costas da defesa – situação menos confortáveis para defesas como Luisão
- O estatuto “super-vedeta” de Simão perante si próprio e o grupo (eventual desmotivação)
- A adaptação de Rui Costa ao 4x3x3 e a Simão – O 10 sempre pareceu mais talhado para jogar descomprometido de tarefas defensivas e a servir (magistralmente) ataques compostos por 2 atacantes, servindo bolas para as costas dos defesas adversários
- Plantel construido para o 4x4x2 parece ter excesso de avançados e carência de extremos de qualidade – Miccoli dificilmente poderá ser utilizado como extremo clássico, sendo uma alternativa a utilização de um 4x3x3 “à Barcelona” (com extremos geneticamente diferentes um do outro)
Sporting – Do pragmatismo à concentração
Sven Goran Erikson disse uma vez que a realidade tem o seu lugar algures no espaço intermédio entre a optimismo proveniente das vitórias e a pessimismo inevitavelmente resultante das derrotas. A pré época do Sporting terá precisamente desenvolvido algum exagero em torno de uma equipa que dentro das suas limitações, tem de facto muito de bom! Se há uma palavra que pode descrever este Sporting versão 06/07, essa palavra é “pragmatismo”. Pragmatismo nos recursos utilizados na construção da equipa (composto a partir de um orçamento realista e limitado, de aquisições a “custo zero” e tirando o máximo partido daquilo que melhor o clube tem: a sua formação) e pragmatismo na forma como a equipa aborda os seus jogos (tendo no equilíbrio e concentração os seus predicados e esperando sempre matar o jogo nos erros do adversário).
O jogo com o Boavista terá, neste contexto, representado um importante alerta para a equipa: Em competição (muito mais do que em fase meramente preparatória) é preciso estar-se altamente concentrado, ser agressivo e dinâmico, dependendo o sucesso do Sporting na época desportiva que agora se ínicia do cumprimento estrito destas premissas. É precisamente por aqui que residem as principais ameaças para Paulo Bento - É certo que uma recriação em 06/07 do “seu” Sporting de 05/06 dificilmente será batida, tal a regularidade e eficácia demonstradas (apenas 5 golos sofridas na 2ªvolta). Os desafios da nova época são porém bastante mais abrangentes, exigindo a manutenção de um alto nível competitivo durante mais jogos, mais competições e, essencialmente em mais jogadores. Paulo Bento terá então como missão passar as suas ideias e os seus processos de forma igualmente fiável a um número elevado de jogadores, desenvolver anti-corpos para as oscilações psicológicas que inevitavelmente atingem as equipas num espaço tão largo como uma temporada e manter os níveis de concentração constantemente elevados em jogos com intensidades motivacionais profundamente dispares. Aqui ficam alguns dos problemas que se podem perspectivar para Paulo Bento:
- Os centrais
– Apesar da eficácia colectiva, o Sporting não possui nem em quantidade nem em qualidade grandes soluções nesta posição - Gestão de expectativas num meio-campo onde existem variadas opções - A qualidade criativa do meio-campo está amplamente dependente de jogadores cuja história não deixa perspectivar grande regularidade: Carlos Martins e Romagnoli
- O ataque para além de Liedson – O modelo táctico de Paulo Bento faz depender muito a sua dinâmica ofensiva da capacidade dos seus avançados (não só de finalizar mas também de criar). Nesse aspecto, Paulo Bento ainda não conseguiu encontrar opções de clara credibilidade