7.8.06

"Case study" do golo

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No habitual processo de intenções a que os treinadores se submetem no lançamento de cada temporada há sempre espaço para os discursos sobre a necessidade de jogar não só bem mas bonito, de entreter e essencialmente de enraizar a cultura do golo nas equipas como forma de trazer o público aos jogos (honestamente, essa é uma visão que sendo agradável me parece descontextualizada com as verdadeiras motivações dos adeptos, mas não é esse o ponto que proponho aqui abordar). Partindo para o objectivo da “cultura do golo”, qual será então o modelo que se deve adoptar?

Analisando 6 casos que no passado recente foram bem sucedidos no que ao balançar de rede diz respeito, chegamos à conclusão de que não existe uma fórmula exacta, um sistema chave, um conjunto de características que sendo satisfeitas garantirão a concretização de muitos golos. Outra das ilações a tirar é a de que o futebol ofensivo e concretizador nem sempre traz sucesso às equipas e nem sempre será o mais recordado pelos adeptos das respectivas equipas. Há porém alguns aspectos comuns aos 6 casos analisados: a procura de provocar o erro no adversário, a existência de padrões base na composição das equipas em termos ofensivos (sejam a mobilidade e criatividade – Arsenal e Sporting - a velocidade – Barcelona e Benfica – ou a intensidade elevada de jogo – Milan e Porto) e a definição implícita de um elemento chave nos processos ofensivos das equipas, esteja ele presente na construção (1ª ou 2ª fase) ou na finalização.

FC Porto – 2002/2003 – José Mourinho – 73 golos no campeonato – 1º Lugar
Foi na época(completa) de estreia de José Mourinho à frente do FC Porto que, estou em crer, se viu o futebol mais atractivo da sua era de sucesso enquanto treinador principal. Ao contrário do que sucedeu em épocas posteriores o Porto versão 2002/2003 foi uma equipa com uma vocação ofensiva constante, tendo conseguido muitos golos em todas as competições em que participou (e venceu). Mourinho montou uma equipa à base de jogadores ex-Leiria, recuperou Maniche e Costinha e lançou Deco para a galáxia das “super-estrelas”. O Porto protagonizava um futebol intenso desde o primeiro minuto, minimizando o tempo de respiração dos adversários para depois lançar a criatividade mágica de Deco, as diagonais desconcertantes de Derlei ou os momentos de 1x1 de Capucho para conseguir as suas inúmeras ocasiões de golo (muitas vezes finalizadas por Postiga, o goleador da equipa no campeonato com 13 golos). Para além das virtudes ofensivas o Porto 2002/2003 era também equilibrado nos processos defensivos, tendo dominado internamente e conseguido a brilhante conquista europeia de Sevilha. Para a memória ficam, entre outros, a meia-final com a Lazio (4-1) ou a goleada em Barcelos (5-3).



Benfica – 2002/2003 – Camacho – 74 golos no campeonato – 2º Lugar
A época não começou bem na Luz com Jesualdo a ser demitido após a humilhante eliminação da Taça frente ao Gondomar. Seguiu-se um curto período em que Chalana descobriu o excelente lateral que havia em Miguel e, finalmente, Camacho. O ex-seleccionador espanhol conseguiu devolver ao Benfica um futebol como não se via há quase uma década, impondo as suas características de homem de balneário e desenvolvendo um modelo de jogo sem grandes complexidades, mas que respeitava aquilo que de melhor havia no plantel encarnado. A dinâmica das alas era a principal virtude da equipa e Simão a sua principal figura, um jogador capaz de arrancar desequilíbrios constantes e com uma veia goleadora assinalável (18 golos, sendo com Fary o melhor goleador da prova). Como alternativa às arrancadas de Simão a equipa contava com a classe de Nuno Gomes (9 golos), os momentos de Zahovic e Geovanni, mas sobretudo com os movimentos sem bola daquele que seria a grande revelação da temporada: Tiago (13 golos). As goleadas ao Paços de Ferreira (7-0) e Setúbal (6-2) foram exemplos da capacidade explosiva de uma equipa que acabou por ser uma das vítimas da passagem do “furacão Mourinho” pelo futebol português.

Sporting – 2004/2005 – Peseiro – 66 golos no campeonato – 3º Lugar
Não foi num ápice que a máquina ofensiva de Peseiro começou a carburar. Os discursos de intenção do treinador ribatejano não coincidiram com a qualidade das primeiras prestações do Leão 2004/2005. O tempo acabaria porém por provar que o trabalho estava a ser bem feito e o Sporting por protagonizar um futebol encantador quer interna, quer externamente. Com sede de bola, a formação de Peseiro procurava recuperá-la cedo para depois fazer aquilo que os seus jogadores mais gostavam: a circulação de bola em apoio - trocas de bola deliciosas que envolviam todos os elementos da equipa, desde Ricardo a Liedson. A ordem era para jogar bem e com muita mobilidade. A virtude da equipa estava claramente na qualidade e quantidade de soluções existentes no meio campo do Sporting para protagonizar este tipo de futebol: Custódio, Rochemback, Pedro Barbosa, Hugo Viana, Sá Pinto, Carlos Martins, Rogério, Tello, Douala e a “prenda de Natal” João Moutinho. À frente desta parada de artistas Peseiro contava com um homem que pela sua influência e particularidade se tornava na principal referência de todo o jogo ofensivo da equipa: o goleador Liedson (25 golos). Na retina terão ficado as exibições como as conseguidas com o Newcastle (4-1) ou Boavista (6-1). O Sporting de Peseiro ficará também conhecido pela rápida descida “do céu ao inferno”, tendo perdido o campeonato e a Taça UEFA no curto espaço de uma semana e pela desorganização em que a equipa era apanhada nos momentos de transição defensiva – tudo em prol do golo!

Arsenal – 2004/2005 – Arsene Wenger – 87 golos no campeonato – 2º Lugar
Em 2004/2005 o Arsenal de Arsene Wenger partia para o campeonato como Campeão invencível e principal candidato à revalidação do seu titulo. As coisas podem não ter corrido da melhor forma para os Gunners que não contariam com a dimensão do “efeito Mourinho”, mas para história terá ficado a mais bem conseguida fórmula ofensiva engendrada pelo técnico Francês. Com a super-estrela Henry (sagrou-se goleador-mor da Premiership com 25 golos) como referência ofensiva, Wenger compôs uma formação capaz de baralhar qualquer defesa através da movimentação ofensiva dos seus homens, sem utilizar extremos-natos para conquistar a linha mas tendo como prioridade conseguir penetrações interiores com a “bola no pé”. Sem menosprezar a função de “suporte” realizada pelos sectores mais recuados, é impossível ignorar as soluções existentes para o quarteto ofensivo dos Gunners – Ljungberg, Pires, Henry, Bergkamp, Van Persie, Aliadere, Reyes, Pennant – todas elas com três denominadores comuns: técnica, mobilidade e repentismo.




Barcelona – 2005/2006 – Rijkaard – 80 golos no campeonato – 1º Lugar
2005/2006 ficará no registo como uma das épocas mais gloriosas do clube blaugrana deixando importantes títulos para o museu – o Campeonato e a muito ambicionada Champions League – e grandes jogadas para a memória dos adeptos “Culé”. Rijkaard, que não teve tempos fáceis nos primeiros meses como treinador, conseguiu em 05/06 a afirmação e consolidação definitiva de um modelo de jogo que tem por base uma equipa cuja técnica e velocidade não encontram, em muitos momentos da história, paralelo. De resto, o esqueleto 4x3x3 ganha dinâmica através de 4 premissas básicas impostas pelo ex-trinco do Milan: Pressão alta; Subida dos laterais, fazendo o “Overlapping”; Jogo apoiado no centro, com Deco como principal referencia nesta zona; Prioridade para “encontrar” Ronaldinho, pondo este toda o seu génio ao serviço da equipa, solicitando os movimentos de rotura de Giuly ou Eto’o ou encontrando ele próprio os desequilíbrios que possibilitem a penetração. Rijkaard teve o mérito de voltar a mostrar ao mundo uma equipa com genética de ataque, sendo simultaneamente dominadora à escala planetária e, paralelamente, de encontrar um modelo que potenciasse um “génio preguiçoso” (Ronaldinho Gaúcho) quando este tipo de jogadores pareciam marginalizados pelas exigências do futebol moderno.


AC Milan – 2005/2006 – Ancelotti – 85 golos no campeonato – 2º Lugar
No país do rigor táctico e do catenacio, não há memória de uma equipa com uma média de golos tão elevada como o Milan 2005/2006. Ancelotti compõs um modelo com uma dinâmica e eficácia ofensiva invulgar e destruidora quer através das letais transições ofensivas, quer através da sublime capacidade de encontrar espaços em quase todos os espaços defensivos dos adversários. Pirlo, o atipico pivot defensivo, é o principal responsável pela coordenação de todo o jogo ofensivo. Kaka e Shevchenko protagonizam movimentos imprevisíveis, quase caóticos, explorando quer o espaço entre linhas, quer a zona dos laterais. Inzaghi é o finalizador, um jogador que gosta de jogar no erro do adversário e de aproveitar as costas dos defesas quando estes colocam os olhos na bola. Seedorf oscila entre a largura, encostando sobre a esquerda, e o equilíbrio interior. Finalmente os laterais, elemento fundamental para a largura de jogo ofensivo da “squadra” de Ancelotti - uma vez que não existem extremos no esqueleto traçado: 4x3x1x2 – normalmente alinha apenas um lateral de características claramente ofensivas actuando quase como extremo (ou Cafu na direita, ou Serginho na esquerda). Não deixa de ser curioso que uma equipa tão invulgarmente concretizadora não tenha terminado em 1º Lugar – talvez seja esta apenas mais uma lição táctica

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