Sporting
Dir-se-á que este foi um jogo equilibrado e que por isso o resultado lhe assenta bem. Não posso discordar, se considerar o computo geral da partida, mas não posso também deixar de afirmar que equilíbrio foi coisa que nunca existiu no jogo. É o tal paradoxo da média estatística. O jogo foi sempre desequilibrado, mas como o ascendente se dividiu de forma mais ou menos equitativa pelas duas equipas, ele acaba por ser, em média, equilibrado. Enfim, deste contraste de desequilíbrios resulta o grande ponto de interesse do jogo no que a análise diz respeito, e que se prende com a questão de perceber os motivos que podem ajudar a explicar esse tal contraste, de uma parte para a outra.
No caso do Sporting, a primeira parte foi bem conseguida essencialmente pela capacidade de retirar o Porto da sua zona de conforto, através de um pressing muito alto, com grande risco de exposição posicional, que derivava do adiantamento de um número substancial de jogadores para pressionar no meio campo contrário (não raramente, foram 6 ou 7). Isto, para potenciar o momento de transição, porque em relação às suas próprias iniciativas com bola, ou seja em organização, o Sporting jogou quase sempre a partir da segunda bola, aproveitando o previsível adiantamento pressionante do adversário, para esticar o jogo e potenciar depois o espaço que se abria no meio. Ou seja, os seus médios estavam mais projectados e ofereciam menos apoio para que a equipa pudesse sair de trás de forma apoiada, mas depois apareciam melhor colocados para disputar a segunda bola, na frente da linha defensiva portista. Em suma, sendo em transição ou organização, o Sporting usou sempre os duelos no miolo como ponto de partida para acções de ataque rápido que foram criando problemas de controlo ao extremo reduto portista e que, na primeira parte, facilmente lhe poderiam ter valido uma vantagem mais decisiva do que o 1-0 que se verificava ao intervalo.
A grande questão, porém, é porque é que se deu uma descontinuidade tão grande, de uma parte para a outra? Há vários motivos que podem ajudar a explicar essas diferenças. Ainda assim, devo começar por dizer, não creio que houvesse mudanças substanciais em termos de estratégia ou estrutura, por parte dos treinadores, estando a questão mais centrada no desempenho de ambos os lados. Por um lado, o Sporting poderá ter sido vitima do desgaste físico e psicológico que representou correr tanto atrás da bola nos primeiros 45 minutos, perdendo intensidade e eficácia na acção pressionante, na segunda parte. Por outro, o Porto passou também a fazer melhor uso do corredor central, com Oliver a ser mais solícito em termos de apoio à construção, e o próprio Brahimi a aparecer de forma mais clara nas costas dos médios do Sporting. Ora, como ambas as equipas se apresentaram com estratégias de elevado risco, no caso do Porto pelo exacerbar da posse em zonas mais recuadas, e no caso do Sporting pelo adiantamento de tantos jogadores na acção pressionante, é natural que pequenas variações no desempenho colectivo resultassem em importantes consequências ao nível da proximidade com o golo. E foi isso mesmo que aconteceu.
Indo mais concretamente às especificidades do Sporting, volto a destacar, por um lado, o elevado potencial ofensivo da equipa, comparativamente com a época passada. Uma ideia que para já não está traduzida no número de golos, é verdade, mas que rapidamente virá a estar, caso o volume de ocasiões se mantiver no patamar actual. Por outro lado, fortes reticências no que respeita ao desempenho defensivo, e não me estou aqui a prender nas questões individuais que tanto vêm marcando os debates em torno da equipa. Dois pontos a destacar, e ambos repetidos de análises anteriores. Primeiro, a questão do controlo da profundidade por parte da linha defensiva. É um problema que já antecipara quando se confirmou a contratação de Marco Silva, porque já se observava também no Estoril, e que por isso também se torna mais difícil de pensar que possa vir a ser corrigido. Ou seja, a linha defensiva não é sensível à falta de presença pressionante sobre o portador da bola, assumindo assim muito risco perante esse tipo de situação. O outro ponto tem a ver com o momento de transição ataque-defesa. Se observarmos com atenção o jogo, vamos encontrar várias jogadas em que a equipa não consegue pressionar a zona da bola, imediatamente após a perda, o que permitiu ao Porto sair para acções de transição que depois se tornam muito complicadas de controlar defensivamente. Já contra o Benfica, a maioria das ocasiões de golo consentidas aconteceram no momento de transição, voltando a acontecer o mesmo contra o Porto. Este é um problema que não fica muito visível na generalidade dos jogos do campeonato, mas que ganha rapidamente outra relevância assim que a qualidade do adversário aumenta. Urge, portanto, rectificar o jogo posicional da equipa quando em posse de bola. Aliás, todos os alertas deverão estar nesta altura accionados na equipa técnica de Marco Silva, porque este tipo de fragilidades não podiam ir mais ao encontro dos pontos fortes do próximo adversário da equipa, o Chelsea.
Porto
Tal como para o Sporting, importará perceber o porquê do contraste da exibição portista, de uma parte para a outra. No caso do Porto, os problemas da primeira parte repetem-se daqueles já observados em Guimarães. Ou seja, a equipa foi novamente condicionada por um adversário que jogou tudo na obsessão do jogo portista por uma saída em apoio e orientada para os corredores laterais. Só que desta vez os problemas ainda foram mais acentuados, tanto pela maior qualidade do adversário como pelo maior ênfase que este colocou no pressing alto. Aqui, penso que Lopetegui assume algumas responsabilidades do ponto de vista da antecipação da estratégia do adversário. O técnico espanhol, já se percebeu, dará pouca margem a variações na identidade do seu jogo, e quererá sempre assumir o jogo através de uma progressão apoiada. O problema é que o Porto terá também de contar com os adversários, que tenderão a aperceber-se dessa característica vincada do jogo portista e lhe colocarão problemas cada vez mais específicos. Repetindo a ideia que já deixei recentemente, as soluções passam por 1) ser tão forte (leia-se, eficaz) na afirmação do seu jogo que se torne indiferente a estratégia dos adversários, ou 2) encontrar respostas alternativas para os problemas que previsivelmente lhe serão colocados (sem que isto implique o desvirtuar da identidade, claro). Só que 1) é muito mais difícil do que 2), e até o memorável Barça de Guardiola apresentava variantes estratégicas para contrariar os problemas que os adversários lhe tentavam colocar. Ou seja, Lopetegui poderá ter uma equipa teimosa, no sentido em que fará tudo para se afirmar pela posse e progressão em apoio, independentemente da estratégia do adversário, mas dificilmente terá sucesso se transformar essa teimosia em autismo, querendo chegar sempre da mesma maneira e pelos mesmos canais (entenda-se, corredores laterais), quando o adversário se apresenta preparado para os bloquear. A diferença do Porto, da primeira para a segunda parte, reside muito nisto, na diferença entre teimosia e autismo, mantendo após o intervalo a intenção de forçar o jogo apoiado, sim, mas percebendo também que perante a estratégia do adversário, seria muito mais fácil explorar as costas da sua linha média, muito adiantada, do que forçar em permanência a entrada da bola nos corredores laterais.
Se há lição a retirar deste jogo, do meu ponto de vista, é que será fundamental que a equipa (e Lopetegui, em particular) consiga antecipar melhor os problemas específicos que os adversários lhe poderão vir a colocar, até porque como se viu neste jogo, por muito boa que seja a reacção - e foi excelente na segunda parte! - é sempre possível que esta venha a ser insuficiente se os danos forem consideráveis.