9.9.14

Portugal - Albânia: Análise e opinião

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Fatalidade ou acidente? - Bem sei que depois do jogo, e perante um resultado tão adverso e surpreendente como este foi, a tendência inevitável é para que se veja o desfecho como fatalista e totalmente lógico, de forma a realçar assim os pecados próprios da equipa. Pessoalmente, concordo que esta é uma altura para reflexões, e que este resultado vem contribuir muito para isso, mas não consigo ver nenhum fatalismo num jogo em que uma equipa exerce tanto domínio e acaba por ser derrotada na única ocasião clara que o adversário constrói. Ou seja, na minha perspectiva há que separar as águas: a Selecção vive uma realidade preocupante e deixou a desejar em vários pontos neste jogo, sim, mas isso não impede que esta derrota tenha sido sobretudo definida por um desnível de eficácia muito assinalável entre as equipas. E foi isso que, a meu ver, aconteceu.

Renovação ou meritocracia? - Do falhanço desportivo no Mundial resultou a conclusão sobre a necessidade de renovar a Selecção. A renovação, em si mesma, pode até ser feita por decreto, riscando os mais velhos e promovendo os mais novos, e fazendo da idade o argumento principal das convocatórias. A questão prende-se, obviamente, com a qualidade. Na minha óptica, há vários problemas com esta obsessão recente com a "renovação da Selecção". O primeiro tem a ver com a qualidade dos candidatos das gerações mais jovens. Basta ver quantos jovens jogadores portugueses se afirmaram desportivamente nos 2 clubes que mais sucesso têm tido em Portugal nas últimas 5 temporadas. O segundo problema tem a ver com a lógica de centrar na Selecção a responsabilidade de lançar e promover jovens jogadores. É que a Selecção faz, anualmente, um número de jogos sensivelmente equivalente a uma pré época de um clube profissional, logo não me parece exactamente o contexto ideal para dar competição e fazer evoluir os jogadores. Resumindo, tenho alguma dificuldade em vislumbrar algum sentido na ideia de "renovação da Selecção", porque a Selecção tem, por natureza, uma vocação reactiva em função daquilo que acontece nos clubes, cabendo-lhe essencialmente fazer a melhor equipa possível com os jogadores disponíveis. Ou seja, para mim a palavra chave no que respeita à Selecção principal continua a ser "meritocracia" e não "renovação". Se há um problema geracional com a qualidade dos jogadores portugueses, ele deve ser tratado a montante e deve incluir obrigatoriamente as selecções jovens e os principais clubes portugueses. Como isso basicamente não aconteceu, receio que o mais provável é que tenhamos mesmo uma quebra qualitativa importante no final desta geração, e que não haja nenhuma medida de curto prazo que possa evitar, no essencial, essa fatalidade. 

Com ou sem Paulo Bento? - Como sempre no futebol, o treinador é agora o foco da discussão. Na minha leitura, e como penso já ter escrito, a federação e o próprio Paulo Bento deviam ter anunciado o fim da sua relação contratual antes do Mundial do Brasil. Não por questões de competência, mas simplesmente porque a cultura do futebol português não favorece ciclos de liderança técnica muito prolongados, e uma gestão sábia nunca deve ignorar os caprichos culturais do meio onde se insere. Em concreto, esta parece-me uma questão pouco relevante, porque entendo haver alternativas de qualidade no mercado, e porque dificilmente vejo que qualquer dessas alternativas venha a representar uma grande vantagem qualitativa, tanto mais que ao nível do trabalho táctico as selecções têm as limitações que se conhecem. Aliás, a meu ver o grande problema da actual estrutura técnica nacional tem a ver com a observação de jogadores, um tema esse sim central para a Selecção, dada a crescente escassez de soluções de qualidade e a abrangência também cada vez maior do raio geográfico de observação (ou seja, para observar o mesmo número de jogadores, é preciso ver cada vez mais jogos). Basicamente, a substituição de Paulo Bento parecer-me-á potencialmente útil se 1) a nova equipa técnica viesse resolver esse problema da observação de jogadores, nomeadamente introduzindo metodologias diferentes, ou 2) se o seleccionador for visto como um problema pelos principais jogadores da Selecção, ou seja se estiver afectada a relação de confiança com a liderança técnica. Caso contrário, tenho as maiores dúvidas de que essa seja uma medida que venha a resolver, no essencial, o que quer que seja.

O reavivar do estigma dos últimos 20 metros! - No que ao jogo, propriamente dito, diz respeito, a principal crítica em relação à exibição portuguesa tem a ver com a dificuldade em materializar o ascendente territorial em ocasiões claras de golo. Ou seja, é verdade que aquilo que criou deveria ser suficiente para, com um nível de eficácia mais normal, ter conseguido pelo menos 1 golo, mas contextualizando a fragilidade do adversário e a necessidade que a equipa teve em chegar ao golo, também me parece óbvio que a exibição deixou muito a desejar e que Portugal deveria ter sido capaz de se aproximar muito mais do golo. Aqui, em primeiro lugar, há que voltar a sublinhar a assustadora escassez de soluções que nesta altura existem para a posição de ponta de lança, o que reflecte um problema muito mais estrutural - e por isso preocupante - do que circunstancial. A minha crítica, relativamente ao plano estratégico, tem a ver com a forma como Paulo Bento negligenciou a pouca apetência da equipa para ser mais incisiva no último terço, especialmente num jogo em que esse seria previsivelmente um ponto fundamental para o sucesso colectivo. Em primeiro lugar, há que notar a baixíssima propensão da zona criativa da equipa inicial (Vieirinha, Nani, Moutinho e André Gomes) para protagonizar movimentos de abordagem à zona de finalização, sendo que o próprio avançado (Eder) tem na mobilidade a sua principal virtude. A meu ver, justificar-se-ia a introdução de um sistema de 2 avançados móveis, mais fácil de adaptar outras soluções a essa função, por um lado, e estruturalmente forçando a que houvesse maior presença em zonas de finalização, o que claramente é muito pouco garantido com as características dos médios e extremos actuais, num sistema de apenas 1 avançado. Aliás, esse parece-me ser o motivo por trás da troca de Vieirinha por Ivan Cavaleiro, sendo que aqui entramos noutro problema estrutural e que tem a ver com a qualidade das novas soluções, que me parece ser consideravelmente mais baixa do que aconteceu em gerações anteriores. Mas, se Paulo Bento me pareceu sensível a essa carência da equipa nessa substituição, parece-me ter negligenciado a outra via pela qual era mais provável que Portugal conseguisse chegar ao golo: as bolas paradas. Ao tirar William e depois Ricardo Costa, o seleccionador abdicou de 2 dos seus habituais elementos em zona de finalização em situações de bola parada ofensiva, o que numa fase em que se perspectivava o acumular de cantos e pontapés livre, talvez possa não ter sido uma boa ideia, tanto mais que ao introduzir Veloso, por exemplo, a equipa pode ter ganho qualidade no passe e na construção, mas isso acabou por acrescentar pouco a um jogo onde o domínio territorial foi sempre assinalável e a lacuna esteve antes e constantemente nas derradeiras fases do processo ofensivo da equipa. Não estou com isto a defender que se acrescentasse altura à equipa, mas parece-me importante - especialmente no caso português, pelas lacunas que já referi - que se mantenham alguns jogadores capazes de ser mais-valias no domínio específico das bolas paradas, e com as substituições Portugal passou a ser uma equipa igualmente com poucas aspirações a esse nível. Resumindo, mais do que nunca Portugal reavivou neste jogo o seu velho estigma da pouca capacidade de resposta nos últimos 20 metros, algo que deriva sobretudo da natureza específica das soluções existentes, mas que o plano e gestão de jogo também não terão ajudado a atenuar.

Notas individuais
João Pereira - Um pouco à semelhança da equipa, conseguiu um bom envolvimento até à fase final das suas aparições, onde vai repetindo a sua pouca aptidão para ser preciso no cruzamento. É um desperdício, de facto. Pareceu perder clarividência com o aproximar do final do jogo.

Coentrão - Arriscou no lance do golo, ao ir pressionar em zonas muito adiantadas, e ficou definitivamente fora da jogada, nem sequer tentando recuperar a sua posição. Conseguiu algumas jogadas de envolvimento, especialmente na segunda parte, como um excelente cruzamento, que Nani desperdiçou.

Ricardo Costa - Esteve bastante activo e com boa presença em posse. Já no capítulo defensivo ficou aquém do esperado, mesmo num jogo de baixa exigência. Em particular, parece-me o jogador com acção mais censurável no lance do golo. É certo que foi forçado a sair da sua zona, mas ao intervir na dobra ao lateral, não pode ser batido da forma como aconteceu, entrando à queima, sendo batido e permitindo um cruzamento para uma zona que, sem ele, estaria forçosamente desguarnecida. No mínimo, deveria ter parado o lance em falta, ou aguentado a posição, dando tempo a que a restante organização defensiva ficasse restabelecida.

Pepe - Fica na fotografia do lance do golo, mas como expliquei acima não me parece muito correcto responsabilizá-lo por não ter sido capaz de controlar uma zona tão ampla. Poderia ter controlado melhor o avançado albanês, valorizando mais a referência individual, mas também corria o risco de ser batido em antecipação, se o fizesse. De resto, voltou a ter níveis excepcionais no controlo da sua zona de intervenção, vencendo vários duelos e ajudando a equipa a manter e prolongar as suas fases ofensivas. Com bola, esteve menos bem, nem sempre com o melhor critério na gestão da posse.

William - Estava a cumprir no seu papel de pivot, embora sem ser especialmente entusiasmante do ponto de vista da resposta defensiva. A sua substituição compreende-se pela intenção de passar a modelo de dois médios mais móveis, mas tenho dúvidas de que tenha sido uma boa solução. Quando se fala de renovação, William é um bom exemplo de como as renovações não precisam de ser reclamadas quando existe qualidade. Pena é que seja exemplo quase único...

André Gomes - Um jogo em que manteve uma boa presença em posse, num jogo que também não era especialmente exigente a esse nível, mas onde não acrescentou praticamente nada em termos de presença criativa. De sublinhar, como já o fiz acima, a redundância de perfil relativamente a Moutinho, nomeadamente na pouca apetência para estender os seus movimentos até às zonas de finalização.

Moutinho - Começou por ser um jogador especialmente importante no pressing, protagonizando algumas jogadas de elevado potencial a partir de recuperações altas, e que poderiam ter ajudado Portugal a contornar os seus problemas em ataque posicional. Nessa fase, porém, acabou por não ter a influência e eficácia habituais na sua presença em posse, acabando por recuperar a esse nível na segunda parte do jogo, nomeadamente após ao baixar no terreno, com a saída de William.

Nani - Não fez um jogo deslumbrante, mas comparado com as restantes individualidades da equipa, foi sem dúvida o jogador que mais conseguiu aproximar a equipa do golo, tendo sido protagonista mais como finalizador do que como criador. Pena o desacerto na hora de concluir...

Vieirinha - Um jogo pouco conseguido, fundamentalmente por nunca ter conseguido aproximar a equipa do golo, actuando sempre muito perto da linha e distante da baliza. Isto, em bola corrida, porque esteve próximo de marcar num lance de bola parada.

Eder - Repetidamente, escrevo que pior do que falhar muitos golos é não ser capaz de protagonizar nenhuma ocasião clara de golo. E, com isto, resumo o quão negativa me parece a exibição de Eder, num jogo em que tinha todas as condições para ser protagonista.

Ivan Cavaleiro - Entrou com o objectivo de dar maior profundidade e verticalidade ao ataque, e se de facto essas são características mais fortes no seu perfil, relativamente a Vieirinha, a verdade é que na prática não acrescentou nada em nenhum aspecto. Como, aliás, confirmam os seus modestíssimos números, em 45 minutos de jogo.

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