Brasil – Alemanha
Começando pelo que se passou nos quartos-de-final, e relativamente ao Brasil, diria que o jogo acabou por ser um espelho muito fiel da antevisão que havia feito. Dir-se-á que o Brasil realizou a sua melhor exibição neste Mundial, mas a verdade é que já também frente ao Chile os brasileiros haviam tido uma entrada muito mais forte no jogo, ganhando igualmente vantagem num lance de bola parada. A diferença, e por muito que isto seja contra-intuitivo, reside essencialmente na evolução do marcador e no golo que os brasileiros ofereceram ao Chile, e não à Colômbia. Porque se a Colômbia também tivesse logrado o empate, certamente que não seria fácil aos brasileiros recuperar a intensidade que serviu de alicerce à importante vantagem inicial. Seja como for, é esta a mais do que previsível matriz do jogo brasileiro, assente num forte pressing defensivo que serve igualmente de base para as suas iniciativas ofensivas, que se pretendem tão rápidas e verticais quanto possível, e mesmo que Scolari venha a mudar de intérpretes ou mesmo de estrutura, será sempre esta a sua primeira fórmula para chegar ao sucesso.
Quanto à Alemanha, a eliminatória frente à França também não fugiu muito do que se esperava. Mais posse alemã, mais verticalidade francesa. Aqui, e tal como já havia sucedido frente a Portugal, a eficácia voltou a favorecer as aspirações germânicas, oferecendo-lhes uma vantagem precoce num jogo até aí equilibrado. Que jogo e que resposta alemã teríamos se o cenário tivesse sido inverso? Isso, nunca saberemos. Seja como for, há um aspecto que me parece interessante explorar na abordagem de Low, não tanto relativamente ao mais óbvio ganho com a presença de Lahm como lateral, mas mais no que respeita à inclusão de Klose. Pessoalmente, parece-me que a Alemanha ganha em ter o seu veterano como referência ofensiva, especialmente perante linhas defensivas menos agressivas no encurtamento do espaço à sua frente, como foi o caso da França e será também do Brasil. Explicando melhor, uma linha defensiva com algum receio de expor o espaço na profundidade terá tendência a ser arrastada pela presença de um jogador mais profundo, mesmo que muito posicional, como é o caso de Klose. Assim, e mesmo sem intervir muito no jogo, a presença de Klose parece-me poder ser muito útil pelo espaço que tende a abrir na frente da linha defensiva, o que para uma equipa que aposta tanto no jogo interior, como é o caso da Alemanha, pode ser obviamente um detalhe muito importante. Se a linha defensiva tivesse outro comportamento, naturalmente mais destemida relativamente ao espaço oferecido nas suas costas (como foi o caso de Portugal ou será da Holanda, caso a final de 74 se repita), aí talvez não faça tanto sentido a presença deste tipo de jogador para este tipo de efeito.
Enfim, sobre o duelo propriamente dito, não consigo deixar de atribuir maior favoritismo à Alemanha, basicamente pelos mesmos motivos que expliquei na antevisão do jogo com a França. Ou seja, é a Alemanha quem tem mais qualidade para ter bola, e sendo assim será também a equipa com mais possibilidade de controlar os destinos do jogo. Não desfazendo, porém, convém realçar que o Brasil tem nos alemães o adversário perfeito para o estilo de jogo que preconiza, e que isso não pode ser menosprezado. Os alemães são mais fortes em posse, é verdade, mas para o Brasil essa é uma batalha com peso quase irrelevante na sua estratégia de jogo. Resta saber, pois, quem conseguirá maior eficácia na afirmação destes dois estilos contrastantes. Sobre quem levará a melhor, lamento, não consigo ter opiniões muito vincadas, apenas diria que ambos terão pela frente, à partida, o teste mais complicado desta prova até aqui. Para finalizar, é-me impossível não referenciar a importância da perda de Neymar para o Brasil, que representa um abalo significativo nas aspirações canarinhas. No quadro apresentado com o texto, Neymar aparece com 56% de intervenção nas ocasiões da equipa, e isso resume basicamente tudo aquilo que há para dizer sobre o assunto.
Holanda – Argentina
A Argentina aparece neste Mundial com um perfil bastante semelhante ao dos brasileiros, num registo táctico muito característico dos sul americanos, tal como já diversas vezes escrevi. Diria que os argentinos serão, apesar de tudo, colectivamente inferiores aos seus rivais continentais, mas que são sem dúvida bem mais candidatos ao título do que há 4 anos, quando com Maradona apresentaram um registo quase diametralmente oposto ao actual. Um exemplo do porquê desta minha última afirmação está no jogo dos quartos de final, frente à Bélgica. Os argentinos, note-se, não fizeram mais do que o seu adversário para merecer a qualificação, mas foram presentados com um golo fortuito e descontextualizado com a forma como as duas equipas se iam conseguindo anular mutuamente, conseguindo depois bloquear o jogo e o resultado, através de um equilíbrio posicional quase obcessivo, essencialmente assente na densidade numérica. Há 4 anos, parece-me, o 1-0 que Higuain conseguiu teria sido uma vantagem bem menos decisiva para a Argentina de então. Uma nota sobre o jogo argentino, relativamente à falta de coerência colectiva na forma como Messi é chamado a intervir no jogo. O 10 tende a baixar para assumir a posse em linhas mais baixas, mas a Argentina parece ser uma equipa demasiado estática para esse tipo de movimento, mantendo 2 médios posicionais e nem sequer projectando muito os laterais. O resultado óbvio é que quando Messi recua, à sua frente ficam normalmente não mais do que 2 jogadores, em franca inferioridade numérica, o que dificulta muito a criação de linhas de passe que possam permitir à equipa progredir a partir desta situação de jogo. A meu ver, está aqui um bom exemplo de como todo o potencial de um bom movimento individual pode ser esgotado se não houver o correspondente contexto colectivo.
Quanto à Holanda, surpreende mais que tenha de ter passado pelos penáltis do que propriamente que tenha chegado às meias finais. Nem sempre foi assim neste Mundial, mas no caso dos quartos de final, grande parte do que se passou foi ao encontro daquilo que escrevi e que me parecia ser mais previsível. Também por essa previsibilidade, não há muito a acrescentar ao que já escrevi sobre a equipa holandesa, que no meio de tantos defeitos que lhe podem ser identificáveis, é sem dúvida a equipa que mais superou as expectativas entre as que marcam presença nas meias finais. Como disse Van Gaal, revelando mais uma vez uma enorme consciência do contexto que tinha pela frente, a Holanda não poderá rivalizar com a qualidade e competência de outros, mas será uma equipa certamente complicada de bater, e o perfil de jogo idealizado pelo seu treinador, goste-se ou não do estilo, será já um dos casos de sucesso desta prova.
Relativamente a esta segunda meia final, não posso antever outra coisa que não seja um jogo fechado e de muito pouco risco, de parte a parte. E será assim pelo menos até que o resultado se desbloqueie e o tempo comece a escassear. É possível que a Holanda consiga afirmar-se no jogo com bola, apesar da sua vocação para jogar no momento de transição. Isto, porque não vislumbro como provável que os argentinos tenham presença pressionante suficiente para condicionar a circulação baixa holandesa, nomeadamente a largura da sua linha de 3. Isto, porém, não deverá conduzir a mais do que uma posse estéril, já que nem a Holanda tem revelado qualidade para criar muito em organização, nem a Argentina se tem desposicionado 1 milímetro que seja na sua zona mais recuada. Aliás, nesta hipótese dos holandeses terem mais tempo em posse, vejo mais risco (perda e transição) do que potencial. A melhor hipótese dos holandeses, por isso, parece-me residir no momento de transição, e no pressing efectuado no corredor central, onde a posse argentina também não se tem revelado especialmente fluída. Se a Holanda conseguir alguma eficácia na sua zona de pressão, então Robben e Van Persie poderão voltar a ser letais. Do lado argentino, o grande potencial está no comportamento da linha defensiva contrária. Se Messi não for controlado nas suas aparições entrelinhas e houver movimentos de rotura na profundidade, como complemento, então não é difícil de adivinhar dificuldades para os holandeses. A Argentina, claro, tem mais do que recursos para conseguir explorar esta fragilidade do seu opositor, mas o problema surge naquilo que descrevi acima. Ou seja, os movimentos individuais de Messi são normalmente adinâmicos e, por isso, relativamente fáceis de antecipar por quem defende. Estou curioso para verificar a resposta de ambas as equipas neste detalhe específico, até porque penso que muito do que será o jogo poderá passar por aqui. Finalmente, referência para a ausência de Di Maria, que será sem dúvida uma perda importante para a Argentina. Ainda assim, não creio que tenha nem de perto o peso específico de Messi na própria Argentina ou, noutras selecções ainda em prova, de Robben na Holanda e Neymar no Brasil.