16.7.06

O Alemanha 2006 em "post scriptum"

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1 Mês de emoção

Para que uma prova como um campeonato do mundo possa ser bem sucedida na sua plenitude em termos de emotividade são necessárias duas componentes fundamentais: 1- a espectacularidade do futebol praticado: basicamente muitos e bons golos, mas também jogadas, passes, finalizações ou defesas... 2 – a incerteza e ansiedade em torno das partidas: confrontos de resultado imprevisível entre grandes equipas com grandes jogadores. Neste contexto, o Alemanha 2006 correspondeu aos dois requisitos, ainda que em fases distintas (na fase de grupos os golos: muitos e bons, nas elimitórias os grandes confrontos e as grandes emoções). Perante o “fantasma” que resultou de 2002 com o afastamento precoce de grandes selecções, o Alemanha 2006 terá sido um verdadeiro alívio para os adeptos e... para a FIFA.



Mundial Luso

Se houve lugar no mundo onde este Mundial foi vivido de forma apaixonada e intensa, terá sido em Portugal. A atitude, entrega e determinação dos jogadores portugueses em cada minuto dos seus jogos “arrastou” um país de futebol mas com pouco culto de selecção (pelo menos até ao Euro 2004). Depois da “clubite”, estará finalmente implantada a “Portugalite”?

Qualidade inextinta

Os “dinossauros”, como eram apelidados pelos próprios media franceses, afinal ainda não estavam extintos. Superaram à justa a fase de grupos e depois cumpriram o mais duro trajecto até à final, derrotando Espanha, Brasil e Portugal. Tendo em conta o percurso facilitado que os italianos tiveram até às meias-finais e o balanceamento dos 120 minutos finais, não tenho dúvidas em afirmar que se a justiça fizesse parte do jogo os franceses teriam vencido os penaltis. Para história ficam o último episódio de uma das mais bem sucedidas gerações de sempre e... uma cabeçada!

Jejum dos goleadores
Tivemos golos, muitos e bons, é uma evidência. Porém, quando as coisas apertaram, quando contou verdadeiramente para a história, foram as defesas que invariavelmente levaram a melhor. Rarearam as reviravoltas (na segunda fase foram apenas duas e ambas nos oitavos: o Espanha – França e o México – Argentina) e ao contrário do que é tradição foram poucos os homens-golo que decidiram partidas (apenas Klose logrou marcar 5 golos). A pergunta faz-se: haverá uma crise de goleadores no futebol mundial? A resposta, estou em crer, é não. O que se passou na Alemanha tem a ver com as estratégias adoptadas: O sistema mais utilizado foi o 4x5x1 (até a Inglaterra, tão fiel ao 4x4x2 o utilizou) o que deixa os ponta de lança mais sós na área. Os blocos defensivos tinham como prioridade defender junto da sua área e não conceder quaiquer espaço nas suas costas, o que é uma tortura para avançados que gostam de jogar “no erro”, como Henry, Pauleta, Ronaldo ou Rooney. Para além disto houve uma preocupação comum das equipas que lograram o sucesso: o equilibrio nas transições defensivas como requisito fundamental para se conseguir eficácia defensiva e controlar os jogos (o Brasil que o diga!).

Modelo de preparação

O campeonato do mundo é uma competição que se desenrola num curto período de tempo o que tradicionalmente torna difícil a consolidação dos habituais alicerces que sustentam as equipas enquanto colectivo. Creio que há 3 condições fundamentais para a que o sucesso das selecções possa ter lugar neste tipo de competições: 1 – Qualidade individual dos jogadores; 2 – Prioridade para a concepção e consolidação de um modelo de jogo e não para criação de um “melhor onze”; 3 – Criação de um espirito de grupo sólido. Entre as 3 condições elencadas uma, a primeira, tem caracter “genético” e as restantes um “carácter comportamental”, ou seja podem ser desenvolvidas através de um processo de aprendizagem. Naturalmente, quanto mais tempo se der a esse processo, maior serão as possibilidades de assimilação por parte do grupo e é por isso que a preparação destas competições deve ser feita ao longo de 2 anos e não nas 3 semanas imediatamente precedentes. E assim se explica, por exemplo, o sucesso de Scolari e o insucesso de Aragones ou Parreira.

'Paper Samba'
No papel teriam sido campeões de caras, mas mal se viu o primeiro jogo percebeu-se que o Brasil não passava daquilo que era no papel, ou seja o melhor conjunto de jogadores que existia na prova. Enquanto equipa o Brasil foi sempre desequilibrado e pouco concentrado, tendo sido apenas conseguido o resgate de uma eliminação mais humilhante pela qualidade individual dos seus jogadores e (não tenho dúvidas) por alguma fortuna de circunstancia. Parreira criou um onze com talento, mas sem principios de jogo ofensivos (por exemplo, quando Ronaldinho recebia a bola não havia movimentos sistemáticos que pudessem aproveitar a sua qualidade de passe), incapaz de fazer transições defensivas eficazes e com uma pressão “mole” que não complementava o bloco alto em que procurava defender. Não tenho nada contra o Brasil, mas enquanto apreciador de futebol, modalidade colectiva sinto-me aliviado que não tenha chegado mais longe... Seria uma má mensagem para quem pensa que o futebol são apenas 11 contra 11.

Avô cantigas

Poucos países preenchem tantos requisitos como a Espanha no que respeita a condições para ganhar um campeonato do mundo. Jogadores em qualidade e quantidade para todas as posições, um dos campeonatos mais competitivos e exigentes do mundo e um país com uma mentalidade descomplexada (em tudo excepto precisamente no que respeita à sua selecção). A selecção com o trauma “dos quartos” desta vez nem passou dos oitavos depois de, e mais uma vez, ter iludido meio mundo com o talento dos seus jogadores a vir ao de cima nos jogos de menor exigência. Os espanhóis encararam a sua eliminação como mais um sinal da “assombração” que se apoderou da sua selecção, uma inevitabilidade divina, no entanto não terá passado do desfecho mais natural para uma competição mal preparada. A Espanha iniciou a preparação para o mundial sem sequer ter definido um sistema de jogo, tendo sido convocados apenas dois avançados e vários extremos para, finalmente, fazer evoluir um 4x3x1x2 com muita troca de bola, pressão e bloco altos, mas sem largura ofensiva para criar soluções de passe e com muitas lacunas no processo defensivo (particularmente no papel dos avançados). Enfim, não foi o disparate táctico do Brasil mas apenas o resultado de uma preparação claramente mal feita por seleccionador com visão e métodos evidentemente ultrapassados.

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