5.6.15

Sobre a mudança de Jesus

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- Talvez faça sentido começar pelo impacto mediático dos acontecimentos que marcaram a actualidade nacional dos últimos dias, mais particularmente a mudança de Jorge Jesus, da Luz para Alvalade. É que embora seja geralmente mais lúcido ver as coisas de uma perspectiva distanciada da carga emocional que permanentemente acompanha o futebol, a verdade é que por vezes essa carga emocional se torna, ela própria, uma parte importante dos acontecimentos. E será esse o caso aqui. O futuro poderá dizer-nos o contrário, mas no imediato este processo tem vencedores e vencidos óbvios, não sendo preciso sequer explicar quem são uns e outros. O relevante aqui é que essa carga emocional pode ter, e provavelmente terá mesmo, influência nas decisões de gestão dos próximos tempos.

- Passando à situação concreta de cada um dos clubes, começo pelo Sporting. Contratar Jorge Jesus representa, a meu ver claramente, uma mais valia desportiva para o clube. O Sporting ganhará, nesta perspectiva especialmente, maior rigor e qualidade posicional, sobretudo marcantes no processo defensivo (onde o Sporting deixou bastante a desejar nesta temporada), e também previsivelmente um melhor aproveitamento das situações de bola parada. Disto restam-me poucas dúvidas, não podendo dizer o mesmo de outras questões, todas elas interligadas. Primeiro, quanto representa realmente essa mais valia desportiva? Depois, de que forma é que tudo isto justifica o esforço financeiro realizado? Finalmente, que impacto pode ter esta contratação nas expectativas que serão criadas em torno da equipa?

Este exemplo poderá vir a representar, em si mesmo, um bom caso de estudo mas, como já escrevi aqui, não penso que qualquer treinador possa ser suficiente para que o Sporting seja significativamente mais forte em 15/16, se não houver uma boa capacidade para extrair do mercado qualidade, nomeadamente para a fase criativa. E aqui não estou sequer a pensar numa melhoria das condições face a 14/15, porque me parece que elas eram bastante favoráveis em termos de potencial ofensivo, mas apenas no colmatar das saídas de Nani e, possivelmente, de Carrillo. Se o Sporting o conseguir, com Jesus, será a meu ver claramente mais candidato em 15/16 do que foi em 14/15, mas não será fácil de o conseguir, porque o rendimento de Carrillo e Nani foi muito elevado, e porque mesmo com um investimento significativo não é fácil substituir esse patamar de rendimento. Posto isto, não surpreenderá se disser que tenho dúvidas de que se justifique um investimento tão avultado num treinador (em % do orçamento, entenda-se). Não seria preferível, por exemplo, contratar um bom treinador (que os há muitos e capazes, e não só ao mais alto nível profissional, ao contrário do que se faz crer em termos mediáticos), com custos assinalavelmente mais baixos e com o mesmo dinheiro por temporada garantir 2 ou 3 jogadores capazes de fazer a diferença? Se a gestão for boa, nomeadamente ao nível da prospecção, não tenho dúvidas que sim, mas não foi aparentemente esse o entendimento do Sporting e da sua administração, que preferiu alicerçar grande parte dos seus recursos na figura de um treinador. E daqui parto para a grande ameaça que o Sporting poderá ter pela frente. Porque, posso discordar da estratégia na gestão dos recursos, e da valorização que está a ser dada à figura do treinador, mas não tenho dúvidas de que o Sporting passa a ter em Jorge Jesus uma mais valia, conforme escrevi acima. O problema é que ao estar a apostar tanto num treinador, entregando-lhe paralelamente plenos poderes no futebol, certamente que o Sporting (e, concretamente, a sua direcção) estará também a criar uma expectativa elevada, e que certamente acabará por querer cobrá-la ao próprio treinador. Ora, se como me parece poder acontecer, o Sporting tiver dificuldade em substituir algumas das suas principais unidades criativas no mercado, essas poderão ser expectativas desmesuradas, e inevitavelmente isso acabará por colocar em causa a qualidade do treinador. Um erro (sobrevalorizar o peso do treinador) poderá precipitar outro (colocar em causa a competência e mais valia do treinador), portanto.

- Passando ao Benfica, estamos claramente na viragem de um ciclo. A meu ver, este é um cenário que vem sendo precipitado pela inversão no acerto que o clube teve no mercado durante um bom tempo, mas que deixou de ter desde há alguns anos a esta parte. Sublinhe-se que o Benfica não deixou de investir no mercado, nem de vender bem, mas foi perdendo, e de forma bastante evidente, capacidade de regeneração qualitativa nos últimos anos. Agora, perante a saída de Gaitan e a baixa de Salvio, o problema parece finalmente poder atingir de forma incontornável as primeiras linhas da sua equipa principal, o que faz deste o primeiro, e talvez mais importante, desafio que me parece que o Benfica tem pela frente na preparação da nova temporada. 15/16 já não se afigurava uma época fácil, mesmo com Jesus, mas com a saída do treinador tudo se complica substancialmente. Porque, como escrevi atrás, penso que Jesus era mesmo uma mais valia para o Benfica, e sem ele dificilmente isso deixará de se notar, para além do facto de que a mudança do treinador vai determinar também um processo de adaptação às novas ideias, o que normalmente tem um custo em si mesmo. Neste sentido, mais do que a questão do treinador, o Benfica terá de ser mais competente no mercado do que aquilo que foi nos últimos anos, e creio que só teria a ganhar se não se dispersasse com a carga emocional que este incidente da mudança de Jorge Jesus para o outro lado da barricada inevitavelmente acarreta.

Ainda no que respeita ao Benfica, parece-me haver alguns equívocos relativamente à aposta na formação. Primeiro, relativamente à ideia de que os jogadores singrariam no nível da primeira equipa se houvesse maior aposta neles. Não creio que isso seja garantido, de todo. O normal, aliás, num clube com a exigência do Benfica, é que poucos jogadores por cada geração alguma vez venham a atingir esse patamar qualitativo. Depois, a perspectiva de se ver a formação como um mal necessário, uma exigência financeira, e não uma mais valia desportiva. Finalmente, a ideia de que a aposta na formação tem de ter continuidade na figura do treinador principal. Ora, tudo isto me parece uma maneira errada de ver as coisas, e que provavelmente estará condenada ao fracasso, fundamentalmente por estar desfasada daquela que é a realidade prática dos clubes mais populares, que têm a pressão mediática quase totalmente assente sobre os resultados da primeira equipa. Assim, parece-me que a formação deve ser pensada de baixo para cima, e não de cima para baixo. Ou seja, deve ser trabalhada a partir da base, de forma a que se consiga impor naturalmente na equipa principal, e não porque isso é imposto a partir de fora. Ou seja, é a formação quem tem de servir a primeira equipa, e não contrário, cabendo-lhe o objectivo de se apresentar sobretudo como uma mais valia desportiva e não como uma exigência financeira. Se assim não for, apostar na formação implica quase inevitavelmente uma degradação qualitativa da primeira equipa, com todas as consequências que isso tem ao nivel dos resultados, e que em última análise resultará em contestação mediática e na queda de pessoas e projectos. E todos sabemos como, no futebol e em equipas com a dimensão do Benfica, isso pode ser rápido a acontecer. Esse é o risco que me parece que esta direcção do Benfica está a correr ao tentar impor, de cima para baixo, a formação à primeira equipa, inclusivamente contratando um treinador com esse objectivo e ainda com a contradição de ter já vendido grande parte dos principais talentos que a sua formação produziu nos tempos mais recentes.

- Nota, finalmente, para duas outras perspectivas neste processo. A primeira, de Jorge Jesus. Escapa-me o alcance completo das motivações do treinador nesta sua opção de carreira, que pode não ter sido apenas de ordem racional, mas não tenho dúvidas de que o Sporting representará um desafio tremendo e bem maior do que foi o Benfica, em 2009. Aliás, estou em crer que haverá na Europa poucos clubes mais difíceis para um treinador do que o Sporting. Não digo que é o maior desafio da sua carreira, porque isso seria negligenciar os 20 anos que o treinador demorou até chegar ao topo (é interessante também reflectir sobre isto, num treinador a quem quase todos reconhecem enorme competência), mas que é desportivamente uma prova muito difícil de superar, disso não tenho dúvidas. Depois, a perspectiva do Porto, que ficando de fora de tudo isto me parece ser nesta altura, e claramente, o mais forte candidato ao título de 15/16. O defeso e o mercado ainda poderão inverter este cenário, mas com os dados actuais e mesmo perdendo Danilo, Oliver e Jackson, não me parece difícil ao Porto, pelo menos, repetir o registo pontual de 14/15, o que representaria uma fasquia bastante exigente para os desafios que nesta altura se perspectivam para Benfica e Sporting. Mas, como escrevi, há ainda que esperar pelo mercado...

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